quarta-feira, 4 de novembro de 2020

DOUTOR FULANO E OS NOVOS “TÍTULOS DE NOBREZA”, NO BRASIL

 

Foto: portal G37

Se no passado, títulos como os de barão, conde ou coronel outorgavam condição superior diante das demais pessoas, vemos nos dias atuais a busca de muitos por uma denominação de destaque, mesmo que o detentor do “título” não tenha necessariamente a formação que faça jus ao que muitos consideram inclusive como prenome. Tem sido frequentes notícias relacionadas a autoridades públicas que se envolvem em confusões com agentes da lei e no geral, as queixas são as mesmas. Ainda que diretamente envolvidos em algum tipo de infração, tais figuras públicas de maior status se sentem profundamente ofendidas por supostos atos de desrespeito a seu status, ofendendo por sua vez policiais, agentes de trânsito ou algum outro servidor público em pleno exercício de suas funções, logicamente em situação de suposta subalternidade.

Em matéria publicada no site Gazeta do Povo, publicada no dia 18 de julho, lemos que o desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, chamou de ‘analfabeto’ um guarda municipal que lhe pediu que colocasse a máscara exigida por decreto da prefeitura para locais públicos durante a pandemia do coronavírus. Já no dia 23 do mesmo mês, em matéria publicada no site G1, o citado desembargador, por conta da repercussão negativa do caso, publica a seguinte retratação:

"Minha atitude teve como pano de fundo uma profunda indignação com a série de confusões normativas que têm surgido durante a pandemia – como a edição de decretos municipais que contrariam a legislação federal – e às inúmeras abordagens ilegais e agressivas que recebi antes, que sem dúvida exaltam os ânimos. Nada disso, porém, justifica os excessos ocorridos, dos quais me arrependo. O guarda municipal só estava cumprindo ordens e, na abordagem, atuou de maneira irrepreensível. Estendo as desculpas a sua família e a todas as pessoas que se sentiram ofendidas"

Desembargador menospreza agente de segurança
Não fosse a ampla repercussão pública de mais esse fato lamentável protagonizado por um agente público de alto escalão, esse seria mais um entre inúmeros casos discriminação e ofensa a figuras tidas como subordinadas ou, como disse o desembargador Eduardo Almeida, “analfabeto”, como se tal condição fosse passível de desprezo. Vale então traçar um breve perfil desse novo tipo de “nobre” e que lastro tal figura tem, que possibilite tal postura.

De fato, o judiciário tem se configurado como estrutura de poder, inclusive político. Segundo Frederico Noronha, em seu trabalho “A Nobreza Togada”, os membros do judiciário que, conjuntamente à função de magistrado, exercem maior disputa de espaço político e social, considerando principalmente sua faixa de renda como fator que legitima sua superioridade. Ou seja, o juiz, desembargador ou outro entre seus congêneres pertencem a uma camada social apartada dos demais cidadãos, não apenas pelo fato de pertencer a um dos três poderes da República, mas também e muito principalmente pelo poder econômico que ostentam. Exatamente por esse motivo temos também vasto repertório que exemplifica a associação direta entre a autoridade do juiz e seu poder financeiro.

Em setembro de 2019 foi amplamente divulgado o caso do procurador da Justiça de Minas Gerais Leonardo Azeredo dos Santos, que se queixou do que o mesmo considera “baixo salário”, ao ponderar que é muito difícil criar um filho com um salário de 24 mil reais por mês. Em matéria publicada no site do Correio brasiliense, o procurador comenta, em um áudio postado em grupo de WhatsApp:

Estou fazendo a minha parte. Estou deixando de gastar R$ 20 mil de cartão de crédito e estou passando a gastar R$ 8 (mil), para poder viver com os meus R$ 24 mil. Agora, eu e vários outros já estamos vivendo à base de comprimidos, à base de antidepressivo. Estou falando desse jeito aqui com dois comprimidos sertralina por dia, tomo dois ansiolíticos por dia e ainda estou falando desse jeito. Imagine se eu não tomasse? Ia ser pior que o ;Ronaldinho;. Vamos ficar desse jeito? Nós vamos baixar mais a crista? Nós vamos virar pedinte, quase?”

Queixa pelo Watssap: procurador vive no "miserê"
Segundo o site mineiro “o Tempo”, o vencimento bruto do procurador é de o vencimento bruto é de R$ 35.462,50, o que não foi levado em consideração por seus pares, considerando que a Corregedoria do MP mineiro não tomou atitude no sentido de recriminar tal fala em grupo, que acabou vazando. O que fica nítido é que a crítica feita não configura fato isolado entre os procuradores mineiros.

O “doutor fake” na nova ordem política

O mês de outubro de 2020 ficou marcado por mais um entre tantos casos de figuras ligadas ao presidente Bolsonaro, cujo currículo é, pelo menos, duvidoso. Kassio Nunes Marques, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1), foi indicado pelo atual presidente a ocupar a vaga do Ministro Celso de Mello. O que vemos na verdade é que a indicação de Marques é a pedido do Presidente do Senado Davi alcolumbre e atende a ideia de Bolsonaro, ao afirmar que pensa em ter um membro do STF que “tome Tubaina comigo”.  O fato é que o jurista ocupou as matérias jornalísticas por citar em seu currículo uma pós graduação na Universidad de La Coruña (Espanha), fato legado por aquela instituição de ensino. No entanto essa está longe de ser um fato isolado.

Uma das figuras inegavelmente mais importantes e influentes do governo Bolsonaro é a Damaris Alves, pastora e figura de livre trânsito nos gabinetes do Congresso Nacional. Em janeiro de 2019 o site Folha UOL publicou que “num de seus discursos mais famosos, ao menos até virar Ministra da Mulher, Familia e Direitos Humanos, Damares Alves se apresentava à plateia: não estão diante apenas de uma pastora, mas de uma advogada que é também mestre em Educação e em Direito Constitucional e Direito da Família”.  Já em matéria do mesmo site em 31 de janeiro, a ministra pastora afirma que “Diferentemente do mestre secular, que precisa ir a uma universidade para fazer mestrado, nas igrejas cristãs é chamado mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico”. Mentir no currículo então tem levado pessoas a passar de uma condição de auto titulação, a uma chancela aceita pela em meios sociais onde não se imaginava que seria possível conceber tal prática. Não fosse o olhar atento da imprensa e de desafetos políticos, municiados de ferramentas como as redes sociais, tais títulos fake passariam batido.

Damaris: título dado por Deus. foto: G37

No que diz respeito a prática do currículo fake no atual governo federal, a lista é interessante, passando pelo ex Ministro da Educação Velez Rodrigues, cujo currículo apresenta 22 erros, como denuncia o site UOL  em 26 de junho. Outro que apresenta problemas em seu currículo é o também polêmico ex-ministro Weintraub, cujo título de Doutor não consta no Currículo Lattes nem no Linkedin, Além do ex/futuro ministro da Educação Carlos Decotelli, que alegou alcançar o gral de Doutor em Universidade Nacional de Rosário na argentina, além de Ricardo Salles, que mentiu ao declarar ter estudado na Universidade de Yale nos EUA. Mentir quanto a própria titulação tornou-se então algo amplamente corriqueiro e aceitável nesse novo momento político, o que se reflete na rasa capacidade de produção de políticas públicas por parte do governo federal.

No que se refere ao títulos emblemáticos na busca por um espaço na vida pública, uma candidatura simbólica nessas eleições de 2020 é a do Pastor Sargento Isidoro (O Doido). Pai de sete filhos e diretor de um centro de recuperação para dependentes químicos, ele que é deputado federal com mais de 130 mil votos pelo estado da Bahia, O Doido se candidata agora a prefeito de Salvador pelo partido Avante, apoiado pelo enfrentamento ao preço do gás de cozinha. Com um discurso fundamentalista e se colocando como mediador entre o tráfico de drogas e o poder público, Isidoro se notabilizou por sua criativa forma de enfrentamento ao fundamentalismo bolsonarista. Segundo ele mesmo, “pra conversar com doido, só outro doido”.

Pastor Sargento Isidoro, "O Doido" foto:Agência Lupa

Pastor, título de nobreza entre os de baixa renda

A partir da Abertura Política nos anos 80 foi significativa a ampliação de espaços de representação social, sobretudo na base da sociedade. Na região da Baixada Fluminense em particular, vimos a consolidação das associações de bairro, além das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, de forte penetração social. Essas últimas discutiam questões fundamentais tais como direitos da criança, acesso a terra, saúde pública e até atenção a população carcerária. Contudo, na década seguinte o número de parlamentares e gestores públicos de esquerda se amplia, levando para dentro de seus gabinetes as principais lideranças de base. A justificativa de parte a parte era a de potencializar a ação política na estrutura estatal, fragilizando, no entanto, as estruturas da discussão “na ponta”, a população mais carente. Ou seja, a primeira década dos anos 2000 chega, refletindo o triste fato de que sindicatos, associações de moradores, grêmios estudantis, entre outras instâncias de representação social perderam o “sotaque” das bases, deixando um buraco no que se refere a escuta de quem mais carece de políticas públicas.

 

Pastor Everaldo, preso por fraude

Na verdade, como todos nós aprendemos nas primeiras aulas de Ciências, não há espaço vazio na natureza e, no que se refere a nós, seres humanos e brasileiros, é possível notar que é a partir da camada menos abastada da sociedade que emergem soluções a seu modo. Nesse caso, a instância no qual se apoia a autoridade dos novos líderes locais é poder de Deus. De forma invisível tanto à grande mídia quanto aos formuladores políticas públicas, as igrejas neopentecostais espalhadas pelos bairros pobres e periféricos vêm dando convenientes respostas à população. Temos dados que mostram que na primeira década dos anos 2000, as lideranças religiosas vêm intervindo em áreas como cultura, política e mídias (IBGE 2010).

A partir do período ao qual a pesquisa do IBGE se dedicou, coincide o aumento no número de lideres religiosos constando entre os principais articuladores de políticas locais. Com o gradativo esvaziamento das estruturas de amparo social, baixo índice de propostas governamentais às politicas públicas e através da diminuição de recursos financeiros destinados a assistência social, cultura e saúde, por exemplo, as lideranças locais têm apontado para as igrejas como espaço de amparo comunitário e espiritual. A partir dessa lógica, pastores e missionários neopentecostais vêm disputando protagonismo não apenas nas instâncias de influência eclesiástica, mas também nos espaços de representação política. Ou seja, se auto intitular pastor, bispo, missionário ou até mesmo “Irmão Fulano”, produz certo tipo de elevação no status individual. É possível notar que tais títulos são incorporados por seu usuários como nomes próprios, carecendo portanto do respeito e respaldo devido, segundo entendimento dos mesmo, algo que seu meio social absorve com naturalidade.

Em matéria publicada no dia 01 de outubro desse anos pelo site G1, 8,7 mil dos que pleiteiam cargos eletivos adotaram títulos religiosos como forma de identificação de suas candidaturas.

” Entre os títulos, o mais utilizado é o de pastor/pastora, com mais de 51% dos casos (4.426), seguido por irmão/irmã, com 41% (3.561). Como concentram a maior parte das candidaturas, os postulantes ao cargo de vereador apresentam também o maior número de títulos religiosos. Na sequência, aparecem os candidatos a vice-prefeito e, por último, os candidatos a prefeito.”

Segundo matéria do site Congresso em foco, publicada em 15 de setembro, é possível ter uma ideia mais clara quanto a ocupação de cargos públicos por evangélicos: bancada evangélica no Congresso Nacional está cada vez mais numerosa e, com isso, busca mais poder e cargos relevantes. Em 1994, eram 21 deputados federais evangélicos, hoje já são 105 deputados e 15 senadores, o que equivale a 20% do Congresso. Uma breve busca no Google utilizando o termo “Deputado Pastor”, resulta em mais de 85 mil resultados, observando logicamente as redundâncias de resultado, sem considerar, porém o uso do termo “Prefeito Pastor” e “vereador Pastor”, o que faria saltar significativamente esses números.

No artigo “Nobreza e principais da terra — América Portuguesa, séculos XVII e XVIII”, do professor Ronald Raminelli (2018), percebemos um aspectos muito peculiares quanto a reivindicação de um status privilegiado na sociedade. Segundo o professor Raminelli, a nobreza por nascimento era algo raro e pouco duradouro no Brasil. Já no período pesquisado era possível notar que o acúmulo de patrimônio, ocupação de cargo público ou patente militar eram os fatores que garantiam preponderância social em relação aos demais. O que o autor chama de “nobreza política”, tem haver com o apoio ao “Rei”, por parte dessa figura que ascende socialmente que, em contrapartida, tem sua o olhar complacente e abençoado do grande senhor. Não será assim também nos dias de hoje?

Leia mais em:

Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2237-101X2018000200217&script=sci_arttext

 https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/veja-quais-deputados-e-senadores-fazem-parte-da-bancada-evangelica/

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/sem-diploma-damares-ja-se-apresentou-como-mestre-em-educacao-e-direito.shtml;

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/sem-diploma-damares-ja-se-apresentou-como-mestre-em-educacao-e-direito.shtml;

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/desembargador-ofende-guarda-municipal-e-rasga-multa-por-nao-usar-mascara-contra-covid-19/

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/07/23/desembargador-que-chamou-gcm-de-analfabeto-pede-desculpas-nada-disso-justifica-os-excessos-ocorridos-dos-quais-me-arrependo.ghtml

“A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da Justiça no Brasil” disponível em: https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-08102010-143600

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/09/09/interna_politica,781552/como-o-cara-vai-viver-com-24-mil-reais-reclama-procurador-em-mg-ouca.shtml


sexta-feira, 30 de outubro de 2020

PROJETO OS NOVOS DA FOLIA

Capa do projeto


O PROJETO OS NOVOS DA FOLIA, que conta com material de áudio, vídeo e iconográfico do CENTRO DE CULTURA POPULAR DA BAIXADA FLUMINENSE, foi realizado com recurso do Fundo Estadual de Cultura e reuniu parte do acervo de vídeos e fotos, abordando as práticas das folias de reis na região da Baixada Fluminense, tendo como referência a atuação dos jovens foliões. Assim, o título apresenta a proposta do trabalho, tendo as crianças e jovens como protagonistas, ainda que sob orientação de seus mestres e mestras mais velhos. O presente projeto foi executado através da exibição de 04 vídeos de curta metragem, abordando recortes que a pesquisa feita nos últimos dez anos considerou de maior relevância. 
O primeiro, “Abertura”, tem caráter de apresentação tanto das ideias contidas no contexto histórico e antropológico das folias de reis, bem como justificativa quanto a relevância do projeto. 
O Segundo, “Crianças”, discute as relações de influência que motivam o engajamento dos pequenos foliões, ressaltando sua importância quanto a formação, renovação e preservação da folia de reis. 
O terceiro episódio, “Máscaras”, apresenta essa peça da indumentária do palhaço da folia, no contexto global de construção de um personagem, além de apresentar aspectos inerentes ao seu simbolismo no reisado. 
O último episódio, “Bateria”, coloca esse segmento musical no contexto dos cortejos culturais, abordando também as peculiaridades dentro do reisado, no sentido que a atuação de seus componentes obedece a critérios quase que litúrgicos, considerando que cada momento da chamada “saída” da folia contará com variações rítmicas bem específicas. Cabe observar que os vídeos contidos no projeto OS NOVOS DA FOLIA apresentam recortes temáticos que não dão conta da diversidade de aspectos, além da peculiaridade inerente a cada folia, no universo do reisado, que difere de região para região e até de um núcleo familiar em relação ao outro.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

AROLDE DE OLIVEIRA E A NATUREZA, DANDO SEU RECADO

 

Senador, Arolde de Oliveira morre aos 83
 anos (foto: Wikipedia)


Fui pego de surpresa hoje pela manhã, com a noticia da morte dessa figura histórica em nosso país, vítima dessa pandemia, tão ignorada e minimizada por ele E seus tantos alunos. Conheci Arolde de Oliveira no inicio dos anos 80, quando era um adolescente que começava a entender a grandeza da música e a autoridade que ela me oferecia, quando atuava no “louvor a Deus”.

Um dois pioneiros da fé aliada a cultura como forma de alcançar poder político e financeiro, Arolde sempre foi um símbolo de liderança entre os membros das igrejas batistas já naquele tempo, emprestando a seus “irmãos” o status de seres pensantes, em meio a crescente onda neopentecostal.

Fundador da Rádio El Shaday - fenômeno de audiência (foto: site oficial)

Seu pioneirismo nas rádios evangélicas logo o elevou a deputado federal, ainda na década 80, tendo sua filha Marina de Oliveira (cantora) como voz que consolidava sua condição de liderança, enquanto se aliava ao que o Brasil tem de pior no Congresso Nacional, em contraponto com seu tradicional bordão “Unidos pelo amor, construiremos um Brasil melhor”.

Formação militar, estrategista de formação (foto; Pleno News)

Influente nas comunicações, Arolde de Oliveira tem sua formação militar na AMAN e IME, aprendendo em sua formação de oficial do Exército o que significa ser estrategista. Ele criou um modelo de linguagem entre os evangélicos, tendo a música como veículo de comunicação de massa, consolidando linguagem e estética próprias, trazendo para o nosso país o termo “Gospel”, aos antigos “corinhos”, que tinham caráter meramente litúrgico.

Com a filha Marina de Oliveira: criação do Gospel, no Brasil (foto: site oficial)

Agora, com um potente mecanismo de comunicação de massa, tendo a música como forma de horizontalização de um discurso evangélico, esse líder cristão consegue romper as barreiras doutrinárias que separavam as denominações, sobretudo a diferença existente entre pentecostais e as denominações ditas “tradicionais” (presbiterianos, metodistas e batistas). Agora, “unidos pelo amor”, Arolde de Oliveira cria um modelo de comunicação cristã, que influencia a criação de um incontável número de rádios evangélicas, de onde saem intérpretes de sucessos musicais que circulam milhares de igrejas do país, com um glamour que em nada perdem para grandes sucessos da MPB. Inclusive, tais artistas gospel acabam por influencias o discurso de um grande número de artistas populares, graças a sua forte penetração também em veículos de comunicação laicos.

Arolde de Oliveira morre então senador da República com seu sonho realizando, que é a unificação de discurso em prol de uma mentalidade religiosa e fundamentalista. A única grande e intransponível barreira que essa lenda não superou foi a da natureza. A Covid 19, com sua verdadeira prática horizontal, não poupou quem enfrentou a máxima bíblica: “quem está de pé, cuidado para que não caia”.


domingo, 19 de julho de 2020

TÊNIS CLUBE DE MESQUITA, O REFLEXO DE UMA SOCIEDADE MESQUITENSE

Periódico do TCM, com panorâmica do clube 1958

Mesquita tem história, como qualquer outro município na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Inclusive, a partir do final dos anos 70 surge uma disputa ideológica, no sentido de dar identidade à região periférica à Capital. Ainda na primeira metade do século XX geógrafos abandonaram o termo Baixada da Guanabara, passando a adotar o termo Baixada Fluminense, o que contribuiu minimamente para centrar foco em uma região que não era de fato a metrópole mas também não poderia geograficamente ser identificada como Interior, no contexto territorial do estado.

D. Dininha (Edna) Provençano, membro do TCM

Uma das características muito particulares da sociedade que habita a Baixada Fluminense que se percebe logo na virada do século XX, é a busca pela reprodução de um modo de vida metropolitano, ideário que era possível importar facilmente, considerando a distância de menos de uma hora entre Mesquita e o Centro da cidade do Rio de Janeiro, primeiramente através dos trens da Central do Brasil e, posteriormente, por intermédio da BR 116, conhecida popularmente como Via Dutra, trecho da rodovia federal inaugurado em 1951.

Área anterior a construção do TCM

Faço aqui uso do termo “sociedade”, considerando o seu sentido ainda corriqueiro de analogia com uma camada social avessa à cultura de massa, que forja um discurso que se consolida mais amplamente nos Brasil, a partir dos anos 60, mas que tem já seus reflexos em nossa Região já há pelo menos duas décadas antes.  Como exemplo temos no município de Mesquita o Tênis Clube de Mesquita-TCM, inaugurado em 1946 por iniciativa de industriais, comerciantes e profissionais liberais locais. Segundo relato de D. Dininha Provençano, uma das primeiras atletas de vôlei de nosso estado e moradora de Mesquita, o TCM surge como alternativa ao Esporte Clube Iguaçu, fundado em 1912, mas que tinha em seus quadros atletas negros, disputando o antigo Campeonato Estadual Fluminense já em 1944.

Ao olharmos para o passado do Esporte Clube Iguaçu veremos que consta como um dos primeiros dez sócios o nome de Silvano Azevedo, jornalista negro, fundador do jornal Correio da Lavoura, com sede no mesmo município. De igual modo o Mesquita Futebol Clube, inaugurado em 09 de maio de 1920, trazia em seus quadros um número expressivo de trabalhadores negros, tendo as competições esportivas como a marca do vínculo entre classe. No entanto, o surgimento do TCM passa a representar um traço claro de distinção social, haja vista que figuras de notada influência na sociedade local constam como membros da diretoria desse clube de membresia tão seleta. O clube era em sua concepção algo tão seleto, que sua diretoria era composta quase que exclusivamente por homens, segundo a publicação de janeiro de 1958.

Cabeçalho do periódico do TCM

Um fator motivador tanto da construção do TCM quanto para a seleção De seus sócios foi a construção da piscina. Segundo relatos de antigos integrantes, João Pilotto, diretor do clube e engenheiro da chamada “Fábrica Gigante”, como era conhecida a Cia. Materiais de Construção Ludof & Ludof, foi o idealizador desse desejado atrativo social, firmando também importantes parcerias, inclusive intermediando a aquisição de equipamentos junto ao Fluminense FC, que doou uma bomba para filtragem da água utilizada, que tinha como fonte a cachoeira que passava bem ali. Cachoeira essa que, devido a sua importância, identificava a rua que ladeava o clube.

Diretoria do TCM em 1958: nenhuma mulher no topo

quinta-feira, 16 de julho de 2020

FUNDO MUNICIPAL DE CULTURA, O “CUMPRA-SE” DA CIDADANIA CULTURAL


Não podemos acreditar que foi necessária uma pandemia para que pudéssemos retomar ponderações quanto a gestão local de políticas culturais, que remontam o uma época onde encontros como o Café Filosófico e o Cidade e Cultura, mobilizavam a classe artística, buscando atender demandas pulsantes no município de Mesquita. Retomar então o debate a partir do Movimento PróCultura Mesquita, criado em 2009 com o objetivo de manter aberto um espaço não governamental de debates, é buscar o retorno do diálogo entre sociedade civil e governo. No que se refere ao estabelecimento de marcos legais como o Sistema Municipal de Cultura e uma Lei de Fomento e Incentivo, o objetivo aqui é compreende a emergente e fundamental importância do estabelecimento do Fundo Municipal de Cultura. Para que tenhamos clareza de quão relevante é a questão, esboçamos aqui o contexto no qual a Lei Aldir Blanc deveria tranquilamente se enquadrar, nesse momento de emergência financeira dessa tão importante categoria de trabalhadores.

A Constituição Brasileira, que vigora desde 1988, é considerada por instituições e governos internacionais como uma das mais avançadas do mundo, no que se refere ao acesso a direitos por parte dos cidadãos, o que lhe atribuiu o título de “Constituição Cidadã”, dentro e fora do Brasil. Um dos aspectos que lhe trouxe esse rótulo foi a adoção dos mecanismos de controle social como modelo de gestão participativa, além da garantia de acesso e interferência no leque de prioridades dos governos, nas três esferas de poder. Outro fator relevante inserido em nossa Carta Magna é o princípio da descentralização dos recursos, cabendo ao governo federal a formulação das macro políticas, direcionando proporcionalmente recursos financeiros para estados e municípios. Tais recursos, porém, são geridos localmente através dos fundos setoriais, mecanismos que têm como premissa atender com agilidade e foco a demandas e prioridades da sociedade civil.

Em que contexto está o Fundo de Cultura?

Tomemos ainda como exemplo o que ocorre na esfera federal, onde o Fundo é parte integrante do que costumamos chamar de CPF da Cultura (Conselho, Plano e Fundo), no contexto do Sistema Nacional de Cultura-SNC. Em 2012 o SNC foi inserido na Constituição Brasileira através de Emenda Constitucional, no Art. 216-A. cabe observar que as discussões nessa direção já ocorriam em 2005, quando se deu a 1ª Conferência Nacional de Cultura, em Brasília. A proposta então é que esse mecanismo garanta respectivamente transparência e acompanhamento das políticas setoriais de cultura através do Conselho Nacional de Cultura-CNC, Definição das linhas de ações e metas através do Plano Nacional de Cultura-PNC e acesso a recursos voltados prioritariamente ao protagonismo de agentes culturais na sociedade civil, através do Fundo Nacional de Cultura-FNC. De igual modo, em 2015 foi sancionada no Estado do Rio de Janeiro a Lei 7035/15 que estabelece o Sistema estadual de Cultura-SEC. Nos mesmos moldes que a política nacional, ficou então garantido que nosso estado fluminense também definiria de forma clara e participativa um conjunto de propostas que possibilitem o protagonismo regional tanto da gestão pública municipal quanto de agentes culturais, artistas e produtores. Nesse sentido foi lançado em junho deste ano o primeiro edital regionalizado do Fundo Estadual de Cultura, atendendo a 1800 artistas nos 92 municípios do estado, tendo mais de 6.000 proponentes acessando o Edital “Cultura Presente nas Redes”. Na esfera municipal podemos tomar como referência os fundos municipais de Caxias criando em 2005 e Nova Iguaçu, esse último criado em janeiro de 2007, ambos com regulamentação e editais já lançados e executados. É possível então compreender que tais mecanismos são amplamente viáveis e eficientes. O que ocorre é que o Orçamento Municipal é apenas uma das possíveis fontes de recursos, financeiros. Devemos assim considerar que o aporte de recursos do fundo pode surgir do percentual sobre o uso de uso dos espaços públicos, doações de entidades diversas, saldo de projetos culturais, saldos de orçamentos vencidos e, principalmente, dos repasses fundo a fundo, oriundos dos Fundos Nacional e Estadual de Cultura. Vale aqui acrescentar que o Conselho Municipal de Cultura de D. Caxias foi criado em 1974, através da Lei nº 1.948/74 e que Nova Iguaçu, ainda que muito mais recente em relação a seu CPF, já lançou dois editais públicos em 2007 e 2010.

 Ainda que a gestão do Fundo Municipal de Cultura-FMC deva por lei ser vinculado à Secretaria Municipal de Cultura, há uma série de dispositivos que garantem sua transparência tanto na gestão de seus recursos quanto na divulgação, acompanhamento e execução de seus editais públicos. O acompanhamento das ações do FMC é feito por um Comitê Gestor eleito dentro do Conselho de Cultura, com publicação de seus nomes em Diário Oficial com nomeação não remunerada de suas funções. As transferências de recursos do FMC devem priorizar ações como acesso a bens culturais, formação de agentes culturais, preservação de patrimônio material ou imaterial, fomento a pesquisa e inovação, premiar ações relevantes à cultura local, promover acesso à bens culturais, entre outros.

A principal virtude do FMC é então a de garantir recursos financeiros para que agentes culturais, mestres e produtores possam preservar o patrimônio cultural local e fomentar ações na base da sociedade, no que diga respeito a sua produção cultural. Tais ações, seja elas de vanguarda ou tradicionais, sempre carecem de constante atualização do cadastro municipal de agentes culturais. Ou seja, para a eficiente ação do CPF da cultura, é necessário um claro e prévio diagnóstico do cenário cultural do município, de modo que as políticas previstas no PNC, analisadas pelo Conselho de Cultura, atendam de forma fidedigna tanto às demandas da classe artística quando a necessidade de preservação de nosso patrimônio histórico. Podemos somar a isso a constante necessidade de formação, capacitação e reciclagem de agentes culturais e gestores, nos municípios, demanda constante que tem com fonte de recursos fundamentais o FMC.

FMC como legado para Mesquita

Uma das principais queixas que surgiram após as Olimpíadas de 2016 tem haver com o chamado “Legado Olímpico”, no sentido que os investimentos em estádios e demais arenas de jogos deveriam servir às gerações futuras, o que de fato não ocorreu. Citei de início que em nossa Região apenas Duque de Caixas e Nova Iguaçu destinaram recursos financeiros e executaram editais de seus respectivos Fundos de Cultura. Observemos então a atual conjuntura, na qual a pandemia do Novo Coronavirus impõe restrições aos espaços de produção cultural, horizontalizando a crise financeira em toda cadeia produtiva da cultura no Brasil. A partir desse olhar entendemos que é fundamental deixar um legado para as gerações futuras e não apenas atender a uma demanda emergente da classe artística, no sentido que políticas estruturantes permitam que eventuais ações emergenciais não lancem na arena um grande número de artistas de renda reduzida, no total ostracismo. No que se refere também a seus recursos financeiros, bem como as instituições as quais esses artistas representam, essa pandemia nos leva a refletir sobre a importância de um Fundo Municipal de Cultura instituído, de modo a garantir aos agentes culturais mesquitenses o mínimo de dignidade nesse momento. E no que tange as perspectivas futuras, que editais claros e democráticos possibilitem à nossa gente o devido acesso a recursos para fruição de seus projetos. O que se dará sempre quando o poder público veja e seja visto como parceiro, considerando que o pensamento da classe artística estará bem representado em um Conselho Municipal de Cultura que entenda a ideia de que governos passam mas, que políticas estruturantes permanecem.

 

FÓRUM PRÓCULTURA MESQUITA DE POLÍTICAS CULTURAIS

 

 

 


domingo, 28 de junho de 2020

MEMÓRIA E ANÁLISE DA LEI ALDIR BLANC

Lei Aldir Blanc: aguardando sanção presidencial

A crise mundial causada pela pandemia do novo Coronavirus tem produzido mudanças significativas em todas as camadas da sociedade, inclusive no Brasil.  O alcance amplo dessa verdadeira peste global atinge diretamente a menina dos olhos dos governos e dos que detém poder sobre os meios de produção, que é a economia, causando a nivel local efeito terrível nas camadas menos favorecidas da sociedade.

A Lei Aldir Blanc tem se notabilizado como um verdadeiro ponto de convergência entre o legislativo e a sociedade civil e entre correntes distintas de pensamento. Para além disso, há hoje uma mobilização nacional seja ela organizada ou não, no sentido de horizontalizar o olhar sobre a cadeira produtiva da cultura, imobilizada pelos efeitos da Covid-19. O PL1075/20 é a convergência de um conjunto de propostas voltados ao ampara emergencial de artistas, técnicos, produtores, mestres, artesãos, entre tantos outros fazedores da cultura nacional, que hoje aguarda apenas a sanção presidencial, que deve ocorrer até o próximo dia 30/060.

Segue aqui no link a cartilha produzida pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, que traça o histórico da Lei Aldir Blanc, comissão essa presidida pela Deputada Federal Benedita da Silva, que esclarece ponto a ponto esse fundamental mecanismo de apoio à cadeia produtiva da cultura.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

O NOVO NORMAL OU A NORMALIDADE QUE SE QUER?

a imagem do "novo normal" foto: gazeta do povo
Máscara, imagem do "novo normal" foto: Gazeta do Povo

Sabe aquela antiga prática de ensinar a criançada a lavar as mãos antes de comer? Pois bem. Muitas outras práticas sociais ganharam status de folclore nas famílias, tais como por para lavar as rupas usadas em velório, deixar os sapatos do lado de fora de casa ou por a mão na frente do rosto ao tossir, por exemplo. Essas e outras atitudes diárias foram incorporadas a partir de um imaginário coletivo, sobretudo na base da sociedade. Eram práticas tidas consensualmente como “educadas”, possibilitando a boa aceitação dos indivíduos na maioria dos espaços sociais. No entanto, a partir da pandemia da Covid-19, a ideia do que chamamos de “novo normal” trás em seu contexto elementos que transcendem as necessidades dos diversos grupos sociais. Ou seja, o que se entende como normalidade na sociedade de consumo, passa necessariamente pelo ponto de vista tanto de quem oferece produtos e serviços quanto de que procura atender a demandas específicas.

Em junho de 2019 escrevi um texto aqui no meu blog, cujo título era “SÓ PRA ENCHER O SACO? Abrindo debate sobre ofim do uso de sacolas plásticas”. Naquele momento o assunto em voga era a relevância do tema e a consequente adesão ou não da população, considerando que uma sacola plástica tem seu lugar no imaginário de uma comunidade, diferente do que ocorre em famílias que vivem em condições menos desiguais. No que se refere ao uso de máscaras descartáveis ou não, cuidados com a higiene pessoal em vias públicas e, sobretudo, o fator aglomeração, vale uma boa discussão voltada ao estudo das mentalidades, o que não será possível fazer aqui. Minimamente, cabe colocar que os longos estudos feitos por Lucien Febvre voltados aos aspectos psicológicos das práticas sócias nos mostram que não é possível compreender as mentalidades sem um aprofundamento na história, na linguagem e na cultura dos grupos sociais. Se nos lembrarmos que vivemos em uma verdadeira cebola social, com suas intrincadas camadas, será possível compreender que cada uma dessas camadas trás um conjunto de símbolos, dogmas e linguagens, através dos quais cada indivíduo “lê” e interpreta o que vem como determinação das camadas “superiores”.

conflito de normalidade
Mentalidade: necessidade e realidade. foto: portal 25Horas

Menos de dois meses após o início das medidas de isolamento social, vemos que a população já começa a afrouxar as medidas de proteção individual por sua própria conta e risco, mesmo com a massificada difusão de informações através das mídias eletrônicas e digitais, votadas a reafirmar a importância de cuidados com o próximo, o que é a grande virtude do uso de máscaras. Um amigo certo dia, com a finalidade de comparar a forma como o brasileiro encara o distanciamento social, me enviou uma piada que se referia a medidas de distanciamento social na Islândia, onde o governo recomentou o afastamento de dois metros de distancia entre as pessoas. “Dois metros de distancia? Quem é o governo pra me fazer ficar assim, tão perto das pessoas?” Nosso histórico de proximidade, bem como nosso tradicional “calor humano”, são um forte indicador que ilustra o nosso “não” ao isolamento, o que se percebe em indivíduos de formação e origem social, distintos. Quando vemos a diversidade de modelos e cores de máscaras usadas nas ruas, sobretudo nas grandes cidades, dão o tom de nosso tradicional apego a modismos bem como a criatividade empreendedora de nossa gente. Por outro lado, a forma incorreta de uso das mesmas como vemos em toda parte, dão conta de que as pessoas entenderam o conceito e a necessidade, mas não se adaptaram a forma e a necessidade de cuidado contínuo.

nova ordem financeira
Banco digital: normalidade conveniente. foto de divulgação 

Esse novo normal sobre os quais nos referimos aqui está também ligado ao estabelecimento de novas necessidades, por parte dos tradicionais detentores de meios e recursos econômicos. Se lembrarmos da pressão exercida pelo sistema bancário sobre sua categoria profissional afim, veremos que essa pandemia está oferecendo o ambiente propício para que os bancos digitais deem um salto no que se refere a sua relevância na sociedade hoje. As FinTechs, instituições financeiras que pensam, entre outros fatores, na desburocratização do sistema bancário, vem desenvolvendo tecnologias desde os anos 60 e a invenção dos caixas eletrônicos é uma delas. No entanto, alguns bancos físicos vem gradativamente informatizando a cada dia mais seus serviços, considerando que a o mundo virtual possibilita, entre outras coisas, o aumento dos lucros. Nesse caso, bancos tradicionais informatizados tem buscado migrar para o modelo pleno de atendimento virtual, como é o caso do Bradesco, que criou sua vertente digital que é a Next, que caiu como uma luva nesse período de quarentena e medo de aglomerações, por parte de uma grande parcela da população. Outro grupo econômico que está surfando na onda da pandemia do Corona vírus é o que investe no ensino  distancia como modelo de ensino. De igual modo, Educação a Distancia, conhecida como EAD, é uma boa solução para quem precisa do “canudo” mas não tem tempo disponível suficiente para se dedicar a pesada vida acadêmica. Logicamente os custos são mais baixos para os donos desses empreendimentos, o que eu não significa qualidade de ensino compatível com os valores cobrados. Resultado, número elevado de queixas ao PROCON, relacionadas a qualidade do serviços prestados nesse período.

O fato é que esse novo normal não se encaixa perfeitamente na realidade que vemos hoje, considerando que normalidade é algo cultural e que leva tempo para que seja estabelecido, daí a necessidade de imposição de regras. No entanto essas regras podem ser facilmente burladas, considerando que demandas sociais anteriores não atendidas, como pressuposto para o estabelecimento de regras mais duras. A camada mais pobre da população para uma taxa de energia elétrica no mesmo valor que as outras camadas sociais. O acesso a internet por sua vez, é precário e caro para os mais pobres, considerando que fora das grandes metrópoles a oferta de alternativas é menos. Ou seja, com menos concorrência, os monopólios regionais definem a seu modo os valores, bem como critérios para prestação de serviços de manutenção, inclusive. Soma-se a isso a qualidade das TVs abertas em comparação com a diversidade dos canais fechados. Soma-se a isso o grande número de famílias numerosas habitando residências de poucos cômodos e estrutura precária. Nesse caso, como evitar que uma criança ou adolescente veja a rua como lugar de lazer durante essa pandemia? Ainda que o preço médio de uma máscara seja de R$5,00, cabe sempre lembrar que esse número se multiplica proporcionalmente com o número de membros de uma família e, nesse caso, a compra dos legumes no sacolão vai garantir aumento na imunidade, segundo o novo folclore inserido nesse pacote do imaginário coletivo contemporâneo.   

 


segunda-feira, 25 de maio de 2020

ARTISTAS DA BAIXADA FLUMINENSE QUEREM A APROVAÇÃO DA PL 1075/2020


Ao contrário do que pensam os liberais de profissão, bem como os neófilos dessa linha de pensamento político,  esse momento de emergências, provocadas a partir da pandemia da Covid-19, vem trazendo sérias dificultardes a grande maioria da população, a qual incluo a classe artística.  Considerada a fala reiterada de que “o artista foi o primeiro a parar e será o últimos a retornas a suas atividades”, cabe reafirmar a importância do Estado na definição de estratégias de proteção social da população. Se faz necessário então promover ações que possam efetivamente minorar os impactos sobre nossa economia, daí a necessidade de apoio maciço tanto da população quanto da sociedade política, a PL 1075/2020. 

Nesse sentido, técnicos, artistas, produtores, mestre e demais integrantes da cadeia produtiva da cultura, oriundos ou atuantes na região da Baixada Fluminense, se posicionam favoráveis a votação do PL 1075/2020, conforme no vídeo a seguir e em concordância com as justificativas de Cleise Campos, conforme o texto que se segue. 


PORQUE VOTAR SIM NO PL 1075/2020 DE EMERGÊNCIA CULTURAL?

                                                                                                                                                                                             *Cleise Campos

 A cultura sempre foi importante, e agora, mais ainda. São as variadas atividades artísticas que tem nos acompanhado ao longo dos dias de isolamento social: Música. Filmes. Teatro. Oficinas de arte. Livro e leituras. Passeios virtuais pelos Museus e Centros Culturais. Arte e Cultura ao alcance das nossas mãos através do celular, do tablet, do computador, na tela de TV ou nas ondas do rádio. Mais do que em qualquer outro momento, temos uma potente produção cultural a nosso favor, neste momento da pandemia.

Por isso mesmo, faz todo sentido socorrer a categoria Cultural que também tem sido atingida pela crise provocada pelo coronavírus: Todo apoio ao PL 1075/20, com votação no Congresso Nacional dia 26/05, uma iniciativa de dezenas de Deputados Federais (autoria Benedita da Silva, relatoria Jandira Feghali, e vários co-autores), trabalhando juntos na composição do projeto de lei em favor dos agentes culturais, do produtor cultural.

É urgente dar atenção aos muitos artistas que estão impedidos de atuar no circo,na rua,no banquinho com voz e violão daquele bar,nas casas de recitais,nas tantas oficinas de arte,nos ateliês,nos palcos do teatro ou nas casas de shows, nos salões de artes plásticas,ou ali nas feiras de artesanato.  


A Bancada Fluminense conta com 46 Deputada/os Federais. Vamos conversar com nossos parlamentares: É preciso abraçar a Cultura votando SIM pela Emergência Cultural, retribuindo para o artista brasileiro, os artistas e trabalhadores culturais  das 92 cidades carioca-fluminense, os aplausos e reconhecimento pelo que produzem sempre, pela grande contribuição na economia e desenvolvimento do nosso mapa RJ que a Cultura promove, sempre.

Importante: temos quase 3 Bilhões no Fundo Nacional de Cultura, garantindo os recursos para cumprimento da LEI, atendendo artistas, equipamentos culturais, e também as Prefeituras, com repasse de Fundo a Fundo. A Cultura não pode parar, a Cultura importa. 

Confira os nomes de Deputadas/os do nosso estado que trabalham em Brasília e placar de votos na página facebook: ForumCulturaRJ

 

*Cleise Campos é gonçalense, atriz bonequeira, Prof. Historia e Filosofia

Gerente Feirartes na Secretaria Municipal de Cultura do RJ, conselheira de Cultura (município carioca e conselho estadual), articuladora no Fórum de Cultura do Estado do RJ

sexta-feira, 8 de maio de 2020

FUNDO ESTADUAL DE CULTURA RJ - resultado preliminar do edital




Após prorrogação do prado inicial, a Secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa divulga hoje (08 /04) o edital Cultura Presente nas Redes, o primeiro voltado aos artistas, mestres, produtores e demais agentes culturais das dez regiões fluminense, obedecendo critérios de regionalidade e densidade populacional. Segundo a gestora da pasta, a secretária Danielle Barros, cerca de oito mil inscrições foram feitas, demonstrando não somente sucesso quanto a abrangência desse edital, que foi o principal pleito do Conselho Estadual de Política Cultural desde sua eleição em 2016, mas também um avanço, desde que se estabeleceu a Lei 7035/15, que regulamenta o Sistema Estadual de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.

Segue o link do resultado e do respectivo Edital.

Mais informações pelo site da secretaria em:
http://cultura.rj.gov.br/

quarta-feira, 22 de abril de 2020

EU, UM VÍRUS?

Escultura em vidro, do artista britânico Luke Jerram - Virus

Assim como qualquer outro ser vivo, o Corona Vírus tem em sua natureza o instinto básico de comer, sobreviver e se multiplicar. Nesse momento difícil no qual questionamos autoridades governamentais e  seus protocolos de ação em relação  a pandemia, vale  pensar em nós mesmos e de que maneira  agimos ao longo de séculos. O ser humano vem promovendo invasões territoriais, expropriações patrimoniais e escravidão em absolutamente todos os  partes do mundo, e isso ocorreu exatamente pelo fato de, antes de qualquer outro fator, cada vida humana trazer em si uma natureza sobrevivencialista. Milhões de anos após os primeiros seres humanos surgirem nesse planeta, evoluímos e nos adaptamos cultural e socialmente até a forma como vivemos hoje. Porquê então nos surpreendemos com atitudes de igual modo expansionista e predatória de micro vidas que também disputam a sobrevivência e reprodução? 

O instinto mais primitivo de qualquer ser vivo é a busca por uma zona de conforto, favorável à perpetuação de determinado modo de vida, mesmo em condições adversas, a não ser que algum fenômeno o faça migrar e então se readaptar. Mudanças sempre levam tempo para serem assimiladas, sendo mais interessante a permanência no ambiente de origem, evitando contato com outros seres, de modo a preservar a vida em sua forma original. Hoje, quando a Covid-19, atual variante do Corona Virus, é trazido ao território brasileiro, descobrimos que a medida de saúde pública  mais recomendada por autoridades internacionais tem sido a de buscar manter o distanciamento social, de modo a evitar o contágio. Lembremos que, não faz muito tempo, cerca de cem anos aproximadamente, éramos majoritariamente campinenses produtores e consumidores do que plantávamos, o que ocorria bem longe dos grandes centro e em pequenos grupos sociais, na maioria dos casos em núcleos familiares. Ou seja, um isolamento social culturalmente assimilado. Quando estávamos próximos das grandes aglomerações urbanas, os mais pobres encontravam uma maneira segura de sobreviver e coexistir, mesmo de certa forma isolados em sua "Rocinha", bem diferente do que vemos hoje, quando um complexo de favelas na cidade do Rio de Janeiro é capaz de superar facilmente a densidade populacional da maioria dos municípios de nosso país.

Não nos damos conta de que, ao nos tornamos urbanos, metropolitanos e até cidadãos do mundo, levamos e trazemos aquilo que deveria ser cultivado, mantido e circulado em seu lugar de origem. A troca entre o que temos com o que o outro oferece, se tornou então natural e espontâneo com o avanço do que aprendemos a chamar de globalização, a partir dos anos 80. Ou seja, ser cidadão do mundo passa e ser um direito inalienável dos que podem se deslocar de seu lugar a qualquer outra parte do globo. Então, o fato  de um vírus microscópico também partilhar dessa globalização torna-se algo plausível. Se um simples girino, com sua meia dúzia de neurônios, tem como instinto vital a busca por abrigo e alimento, imagine o potencial expansionista e predatório de um ser evoluído ao ponto de somar em si 86 bilhões de neurônios, de pelo menos 16 tipos e funções diferentes, como ocorre entre nós humanos.
 
Gripe Espanhola, Capa do jornal  Gazeta de Notícias mostra 15out18

Devemos, a meu ver, não culpar um micro organismo ou creditar a atual pandemia na conta desses microscópicos predadores, pois somos nós os verdadeiros malvados nessa história. 

Na matéria publicana no site Diário do Centro do Mundo (22/04/20), em sua primeira entrevista coletiva, o atual Ministro da Saúde Nelson Teich levanta a seguinte discussão:

Em sua primeira entrevista coletiva como ministro da Saúde, Nelson Teich mostrou que está sintonizado com o pensamento de Bolsonaro em relação à pandemia do coronavírus. Defendeu que o Brasil precisa expor sua população ao vírus, de forma que pelo menos 70% seja infectada. A justificativa é que uma vacina contra a doença demora pelo menos 12 meses, e que o país não suporta tanto tempo em quarentena. Disse que o índice de mortes no Brasil é de 8 pacientes por milhão de infectados. Teich considerou o número bom, citanto que a Alemanha apresenta 15, Espanha 255 e Estados Unidos 129. “O nosso número é um dos melhores”, comemorou. Resumindo: vamos expor 70% da nossa população ao vírus e contar com a sorte imaginando que o total de óbitos pode chegar a 8 por milhão desse pessoal.
Melhor dizendo, como não afirmar que somos nós o verdadeiro motivo de adoecimento de nossa espécie nesse rico e acolhedor planeta? Posso até dizer que deturpamos a ideia de "ser igual a Deus", nos transformando naquela imagem mitológica de criador que, insatisfeito com sua criação, entende que a melhor decisão é destruir tudo e todos, ao ver que a criação ficou fora de controle. Juntemos a isso o fato de não aplicarmos o que aprendemos com a centenária Gripe Espanhola, inclusive no que se refere ao estigma estabelecido por seu apelido. Os lideres mundiais permitiram que o ônus daquele primeiro caso de H1N1, que se espalhou por conta da Primeira Grande Guerra, recaísse sobre apenas um país, nos mesmo moldes da atual criminalização do povo chinês que, por sua vez, culpa e reprime os imigrantes africanos que ali vivem.

Veja então em que ponto chegamos por aqui entre nós brasileiros. O país do abraço, da fala ao pé do ouvido, do beijo em público, está sendo orientado pelo bom senso a evitar manifestações importantes de sua cultura, no tocante a sociabilidade. Nada de afagos no rosto entre amigos e amantes tem sido recomendado, além de apertos de mãos formais ou cordiais. Sabemos que o vírus muda ao chegar em cada novo lugar e se adapta para sobreviver, ainda que, para isso, outras vidas sejam apenas fonte de abrigo, alimento e proliferação. Isso não é bem a nossa cara? Veja então que a recomendação prioritária que rompe o ciclo de ameaça a vida é exatamente isolamento social, algo difícil de assimilar em nosso dias, por entrarmos no consenso de priorizar uma vida urbana, de preferência, metropolitana, daí a dificuldade que temos em evitar aglomerações.

Na medida do possível então fiquemos cada um no seu canto e entre os que nos acolhem em família. Lave as mãos e remova o que vocês trás de impureza, do lugar de onde veio. Use a máscara e, mesmo metaforicamente, não permita que aquilo que sai da boca contamine o outro, assim como ocorre com gotículas e fake news. Quem tem mãos limpas então, não põe o outro em risco de morte pois, nossas atitudes podem de fato nos transformar em um virus, do tipo mais letal possível.


terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

A MÁSCARA REVELA OU ESCONDE TUDO?


A sociedade na qual vivemos, com sua estética e comportamentos preestabelecidos, é inegavelmente uma forma de ditadura bem peculiar. Partilhamos  e absorvemos uma hegemonia cultural tão pesada, que precisamos de algum mecanismo de proteção individual ou esconderijo, que nos permita fugir da formatação social que nos oprime. A máscara é então uma forma de esconder ou até revelar o que verdadeiramente é uma pessoa ou pequeno grupo de pessoas que enfrentam um conflito particular. Nós, que hoje assumimos viver em bolhas sociais, em muitos casos precisamos de uma maneira de estar invisíveis em outros grupos e assim, deixar numa gaveta a verdade sobre quem de fato queremos ser. Na ficção a máscara esconde tanto o herói quanto o vilão, que se abrigam de si mesmos, seja por vergonha ou por trauma, causados por aquilo para que foram  criados. Na arte ou na festa a máscara, é por sua vez, aquilo que nos permite flutuar fora da bolha, nos misturando com outros que se agregam a um personagem coletivo, onde os iguais se defendem ou até mesmo atacam de forma orquestrada. 

Máscara de tragédia grega - fonte ignorada
Os gregos antigos nos possibilitaram fazer uso do que a sociologia chama hoje de "máscara social", ao adotarem faces pré definidas com características pessoais típicas ao meio, o que era representado a partir de padrões que as pessoas observavam em seu dia a dia. Algo tão marcante que se tornou inclusive símbolo do teatro hoje. Quando o ator "se mascara", ilustrando assim outra pessoa em determinado contexto, percebemos que esse artista pouco difere do que acontece conosco, quando “vestimos” um personagem, seja para uma conquista amorosa ou entrevista de emprego, por exemplo.   Segundo Felisberto Sabino (2005), “O ator relaciona-se com o mundo sob a perspectiva de um outro ser” (p.03) e essa é uma lógica que nos envolve a todos, naquilo que chamamos de “vida real”. O que a realidade cotidiana difere dos palcos é que identidade é uma escolha, diferente de um personagem elaborado por um roteirista, ainda que, em ambos os casos exista um papel pré estabelecido em um roteiro tanto social quanto teatral. Ou seja, para a sociologia a identidade é fruto da socialização, que por sua vez, varia de tempos em tempos. Em sua obra “Espelhos e Máscaras” 2011, Anselm Strauss discute um conjunto de ideias que dizem respeito ao “eu” e seu lugar na coletividade, mostrando que “as interações acontecem entre indivíduos, mas os mesmos também representam – em termos sociológicos - coletividades diferentes e, muitas vezes, múltiplas que se estão expressando por meio das interações”. podemos entender então que é possível que uma pessoa tenha uma postura no trabalho e outra totalmente diferente quando vai ao samba ou à igreja e para que isso ocorra, é necessária ao indivíduo uma postura condizente com cada um desses lugares.
 
Festa dionisiana - fonte ignorada
A ideia da máscara cabe como elemento que ilustra bem um contexto social de proteção ou escolha do “eu”. Um capacete ou um elmo medieval por exemplo, protegem a cabeça de estilhaços ou golpes, enquanto o uniforme cria identidade de grupo e principalmente define hierarquia. Já a máscara, enquanto objeto fetichizado, representa a autonomia do indivíduo em relação um grupo, resguardando a identidade, enquanto revela o caráter do indivíduo ou de um coletivo, o que percebemos logo no primeiro olhar. Posso pensar que é exatamente por isso que os deuses egípcios têm corpo humano e cabeça de animal, considerando que a natureza que lhes é atribuída em família já não é capaz de retratar sua identidade em gerações egípcias posteriores. O Deus Hórus, por exemplo, surge como deus do silêncio e da sabedoria, mudando radicalmente tempos depois, quando lhe é dada uma cabeça de falcão, simbolizando seu olhar sobre onisciente sobre todo povo egípcio. O fato é que a forma como se desenvolve a interação em sociedade, coloca pessoas como personagens ligadas a um roteiro e não como indivíduos ou protagonistas, omitindo suas identidades. É por esse motivo que, sob o ponto de vista sociológico, a ideia de máscara social se encaixa perfeitamente a estratégia de fuga a qual cada indivíduo pode recorrer, sempre que uma tradição, doutrina ou pacto social já não lhe faz mais sentido.

Já no aspecto material, tanto na realidade quanto na ficção a máscara se presta tanto ao lícito quanto ao ilícito. Longe da ideia insegurança pessoal ou como reflexo de uma patologia, a máscara pode servir para encobrir ações tanto da justiça quanto do crime, muitas vezes distante do engraçado ou do romântico que os filmes e séries nos apresentam, mostrando que o vilão tem no fundo algo bom que nos cativa. O fato é que a história está repleta de fatos revolucionários, heroicos ou cruéis, nos quais indivíduos impõem o terror ou engendram lutas democráticas como forma de controle social ou tomada de poder. A máscara então encobre ações de seus usuários, haja vista que, no que diz respeito senso comum, as atitudes do então mascarado ou seu grupo são invariavelmente injustificáveis, daí o recurso do encobrimento da identidade, possibilitando que, sem ela, criminosos e justiceiros circulem incógnitos entre nós. 

A máscara e a ideia de unidade
Série La Casa de Papel: mascara de criminosos viralizou. foto: Netflix 

O fator que contribui de forma significativa para que a máscara se torne elemento de reforço dramático nas telas é seu uso como símbolo de unidade em um grupo. Diversos filmes e séries, alguns de estrondoso sucesso, nos mostram o fascínio que grupos de mascarados exercem sobre as pessoas, há gerações. São vários os exemplos dos quais podemos fazer uso para ilustrar tal fato, exemplos esses que podem ser positivos ou negativos sob o ponto de vista também de cada grupo ou indivíduo. 

Subcomandante Marcos, um dos líderes do EZLN
Na década de 90 no México surge um movimento armado paramilitar que chamou a atenção não só de seus patrícios mas também viralizou na mídia internacional. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), liderado pelo autodenominado Subcomandante Marcos, inicia em 01 de janeiro de 1994 uma marcha de mobilização nacional em favor dos direitos de povos indígenas. O grupo armado do EZLN que era composto majoritariamente por indígenas, fazia uso dos capuzes como forma de horizontalizar a liderança, ainda que Marcos tenha sido visto pelo mundo como orador mais eficiente e carismático. Uma mobilização nacional levou centenas de milhares de pessoas à Capital, levando o então presidente Vicente Fox a propor um acordo, atendendo assim a reivindicações daquele movimento. Com os avanços positivos em relação às reivindicações e a ampliação da capacidade política da EZLN, o grupo opta em 2005 a se registrar como partido político, denunciando as estruturas de poder, voltadas a concentração de riqueza e impedimento de ascensão das mais de sessenta nações indígenas mexicanas. Os encapuzados da EZLN, ainda que tenha se consolidado como grupo paramilitar armado, se tornou símbolo internacional de resistência popular.

Mas a história do movimento de pequenos grupos identitários não é formada apenas de levantes populares munidos de valores e propósitos dignos. É difícil compreender como a nação mais rica e desenvolvida do planeta ainda reproduz práticas discriminatórias do século XIX.  É exatamente no Século XXI que percebemos, através  da eleição de Barack Obama a presidente, que organizações racistas adormecidas naquele país,  apenas precisavam de um motivo para eclodir com plena força. E a liberdade com a qual esses grupos se manifestam, tem respaldo na própria Constituição. O texto da 1ª Emenda que ao mesmo tempo afirma defender a igualdade entre as pessoas, também dá base para que grupos radicais se manifestem livremente em todo país. O texto constitucional diz o seguinte:

"O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas".

KKK no séc. XIX: finalidade de assustar e reprimir os negros no Sul dos EUA
Fonte: listeningbetweenthelines.org
A ku Klux Klan, organização que usa a chamada “máscara do orgulho americano”, tem seu início oficialmente no ano de 1865, no estado do Tennessee, Norte dos EUA. Com o fim da Guerra Civil Norte-Americana, era um absurdo para os brancos conservadores da Região, ver um crescimento exponencial no número de negros  que ocupavam cargos políticos e na hierarquia militar. Avessos ao texto da 1ª Emenda, onde a Constituição defende também que “todos os homens foram criados iguais”, um grupo de jovens encapuzados passa a fazer rondas noturnas ao redor das casas dos negros com o intuito de assombrá-los. Com seu aspecto fantasmagórico, esses jovens agregaram outros cidadãos, espalhando o terror, agora espancando e chicoteando e até enforcando negros que ousassem circular pelas ruas a noite. Hoje aquele país já não vive situações de lixamento como ocorria até os anos 50 no século XX. No entanto, esses mascarados se apoiam no texto constitucional para se reunir e, inclusive, eleger membros no Congresso Nacional, além  de juízes na Suprema Corte Norte-Americana, segundo pesquisadores e jornalistas dos EUA.

A máscaras nas folias
Todos sabemos que Roma se deixou influenciar pela encantadora cultura grega, assimilando boa parte de seus símbolos e divindades, renomeando e adaptando vários elementos simbólicos e materiais à sua realidade. Dionísio e Baco são respectivamente mitos grego e romano apreciadores da festa e da celebração, cujos adoradores tinham as máscaras como forma de ilustrar as demais divindades a eles relacionadas quando em festa. Celebrar os deuses tornou-se, no entanto, algo espúrio, a partir da crença do deus único e supremo, coincidindo com a busca pela hegemonia religiosa de Roma. No entanto as festas pagãs pela Europa antiga passaram a ser toleradas pela igreja, considerando que seus devotos, na grande maioria, pobres aldeões, mantinham tais festas como forma de lazer e de vínculo comunitário.  Em nossas terras, exatamente pelo histórico de colonização cristã, essa festa carnal é tida como blasfêmia, ainda que, para a grande massa da população, essa seja uma oportunidade de vestir uma outra realidade ainda que  brincante, como um grande espetáculo cênico, como descreve Alan Villela Barroso (*):

Festejo advindo dos rituais dionisíacos, o carnaval mantém sua tradição em ser uma festa popular, voltada para as massas, pautada na liberdade e na diversidade de expressões, de danças, músicas, poesias e alegorias, sendo o público, o ator-folião, convidado a participar desta festa coletiva e simultânea, com adereços, máscaras ou fantasias, onde o mesmo observa, representa e experimenta personagens e papéis sociais, descobrindo-se em novas maneiras de fruir, sentir e explorar os prazeres do corpo, da mente e da carne (AV BARROSO, p. 06)

A “festa da carne”, como define a morfologia em latim da palavra carnaval, tem origem no século XI, ainda sem essa denominação, desenvolvendo peculiaridades aqui nos trópicos tupiniquins. A prática portuguesa e popular do carnaval no Brasil traz de Portugal a tradição do “Entrudo”, respeitando porém o calendário cristão vigente.  Essa prática muito apreciada por jovens portugueses que aqui viviam, trazia em si o hábito de perturbar os cidadãos e principalmente os negros escravizados, com o arremesso de frutas, bolas de água, entre outros métodos. Esses jovens se mascaravam e se reuniam em grupos para se embebedar e fazer balburdia, o que ocorria não apenas na Capital do império. Há relatos de festas de Entrudo por todas as regiões do país, sobretudo no século XIX, quando há um número maior de registros, por conta da proliferação de órgãos de imprensa. É claro que a festa, que tinha seu limite na quarta-feira de cinzas, contava com muitas brincadeiras em via pública que deixavam os mais velhos transtornados, tamanha a farra com banhos de barro, água, farinha ou ovos, que incomodava a todos, o que gerou interferência do governo, que proibiu o Entrudo em vias públicas. Já os pobre e escravos passaram, já no final do século XIX a sair às ruas brincando, em muitos casos pintando a face de branco, em chacota às festas que passavam a ser realizadas em clubes fechados e restritos às camadas mais abastadas.

Carnaval de Debret 1828: negros satirizando os brancos 
Foi, porém com o declínio dos bailes de máscaras realizadas em clubes, a partir da virada do século XX, que  o carnaval toma ares de festa popular de forma horizontal. O entrudo, ainda que em plena obediência ao calendário litúrgico católico, acabou criminalizado tanto pela igreja quanto pelo governo, que queria, por sua vez, se afastar ainda mais de qualquer tradição ligada à monarquia. Tem início então um processo de nacionalização do carnaval, que tem seu ponto alto a partir da Revolução de  30 liderada por Vargas, que adota o carnaval como festa popular genuinamente brasileira. A principal parceria para que isso fosse possível era a utilização do rádio como mecanismo de propaganda. A partir de então o carnaval passa a ter um caráter popular massificado e que, de uma forma muito interessante, mantém algumas características históricas, como é possível notar a partir da letra de Zé Ketti e Pereira Matos:

Tanto riso,
Oh! quanta alegria,
Mais de mil palhaços no salão
Arlequim está chorando
Pelo amor da Colombina
No meio da multidão!
Foi bom te ver outra vez
Tá fazendo um ano,
Foi no carnaval que passou,
Eu sou aquele Pierrot,
Que te abraçou,
E te beijou, meu amor,
Na mesma máscara negra
Que esconde teu rosto
Eu quero matar a saudade.
Vou beijar-te agora,
Não me leve a mal,
Hoje é carnaval!

A máscara e a crítica política
Uma peculiaridade do carnaval, seja em que tempo se dê ao longo de sua história, é a possibilidade da crítica social e política, sobretudo possibilitando algum tipo de expressão às camadas menos favorecidas da sociedade, em relação a sua percepção do mundo a sua volta. E essa expressão pode ser considerada uma forma de liberdade para a grande massa, que  já se deu conta de que o carnaval é o momento no qual a criatividade e sarcasmo podem dar vazão à sua indignação ou estranheza quanto a diversas situações que interferem em seu dia-a-dia. Bom exemplo disso é o sucesso que a Fábrica Condal adquiriu desde sua inauguração em 1958. 
Valles, em sua retomada na Abertura. Fonte: O Globo
Na ocasião, o artista plástico e ex-professor de escultura da Universidade de Barcelona, Armando Valles, que se instalou no Brasil em 1956, afirmou em entrevista ao Jornal O Globo em 1970, que as fantasias eram bastante elaboradas, mas que as máscaras eram grotescas, ainda que buscassem representar uma ideia. Valle passou a produzir máscaras com material sintético em larga escala, para distribuição em lojas de artigos para o carnaval, o que se tornou um estrondoso sucesso. Atendendo a uma demanda crescente, em 1961 o artista passou elaborar também máscaras de políticos, interrompendo a produção desse tipo específico em 1964 com o início da Ditadura, voltando a retratar figuras da política em 1995, a partir do processo de Abertura Política, quando Tancredo se tornou uma das personagens mais procuradas em suas obras. Valle faleceu em 2007, com a fábrica ainda se mantendo em atividade por mais dez anos, com a adesão em 2013 do artista plástico Gabriel Barros. No entanto a fábrica, que funcionava no bairro da Covanca em São Gonçalo-RJ, sob a direção da esposa e do filho de Armando Valle, encerrou suas atividades em 2019, prestes a completar 61 anos de atividades ininterruptas. Gabriel alegou que preferiu se dedicar à sua própria fábrica de máscaras em Duque de Caxias. 

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Referências:


COSTA, Felisberto Sabino. A Máscara e a Formação do Ator. Revista Móin-Móin, Jaraguá do Sul, SCAR/UDESC, ano 1, 2005;

Perny, Mônica Menezes. As máscaras de carnaval no cenário carioca : uma contribuição à memória social / Mônica Menezes Perny. — 2015

O Entrudo, primórdios do carnaval no Brasil:



ZANATTA, M. S. Nas Teias da Identidade: Contribuições para a Discussão do Conceito de Identidade na Teoria Sociológica. PERSPECTIVA, Erechim. v.35, n.132, p.41-54, dezembro/2011;