A máxima “roupa suja se lava em casa” nunca foi tão oportuna, considerando a conjuntura política do Brasil hoje. Se considerarmos a persistente desaprovação do Governo Lula desde o início do ano, que se reverte a partir de junho, é possível perceber que as elevadas tarifas econômicas impostas pelo presidente dos EUA Donald Trump fizeram a diferença nos indicadores do nosso velho estrategista político. Ocorre que o presidente estadunidense adentra a uma seara que evoca o adormecido sentimento de nacionalismo no povo brasileiro, no sentido que Trump passa a interferir não somente na balança comercial, mas também na ideia de justiça, imposta a partir de seus interesses e afinidades, além de uma ideia de liberdade e soberania nacional, fundamental para suas estratégias de política interna.
Mas, qual é o papel de Lula nesse embate, que
supostamente apresentava características meramente econômicas, mas que se
mostram agora como interferência do governo dos EUA na política interna
brasileira? Será que existe método na atitude do presidente brasileiro quanto a
forma com a qual rebate Trump? Vou responder a essas questões tomando
como referência o clássico livro te Sun Tzu, “A arte da Guerra”, tamanhas as semelhanças
entre as estratégias do escritor chinês e a postura política do presidente
brasileiro.
Sun Tzu e seu livro, em seu contexto histórico entre o ontem e o hoje
Tzu supostamente viveu no século V aC, no
território onde temos hoje o grande império chinês, em um período no qual os estados
nacionais ainda não existiam. É um momento no qual a guerra era vista como uma
arte, essencial para apresentar o perfil do lider, manter o equilíbrio político no território e garantir a permanência das
estruturas de poder existentes. O livro,ao longo do tempo, foi adotado como um manual prático de
estratégia, com foco em vencer conflitos com o mínimo de desgaste. Os
ensinamentos de Sun Tzu foram usados por figuras históricas como Mao Tsé-Tung - líder da Revolução Chinesa - ou até em estratégias empresariais modernas. Quando observamos como o atual presidente chinês Xi Jinping se porta diante do quadro político internacional, somos
levados a pensar na mensagem contida naquele constante sorriso, que pode ser
interpretado por um quadro da Moraliza, cujo fundo apresenta um cofre enorme,
cercado por um exército de milhões de soldados. Uma imagem que demonstra equilíbrio e acúmulo, após séculos de conflitos e mudanças a na cultura chinesa, que levaram o país ao status de segunda maior potência bélica e econômica do mundo, em frança ascensão até o topo.
O livro foi escrito como um manual prático de estratégias, com foco em vencer conflitos com o mínimo de desgaste. Inclusive, diversos textos acadêmicos descrevem a relação entre a postura de Xi Jinpim e o contexto no qual se insere a obra de Sun Tzu. A Arte da Guerra não trata diretamente de economia ou nacionalismo como conceito político moderno, mas oferece reflexões profundas sobre a figura do "inimigo" e sua função estratégica, reflexões essas que podem ser interpretadas em contextos de construção de vínculos e parcerias, como é o caso dos BRICS.
BRICS, uma semente plantada por Lula
A chamada Guerra Tarifária
imposta por Trump ao Brasil não é nem de longe uma estratégia econômica gratuita
ou aleatória dos EUA. É possível inclusive dizer que esse novo modelo de guerra
entre estruturas de poder é uma forma com a qual o capitalismo, sobretudo entre
os estadunidenses, se impõe sobre a política internacional, dominando-a e
canibalizando suas estruturas do mercado internacional. Exatamente por isso,
Lula se torna um dos principais articuladores em 2006, durante seu primeiro
mandato, de um clube de países tidos como “emergentes” economicamente. Naquele momento,
Brasil, Russia, India e África do Sul posteriormente, criaram uma aliança
voltada à circulação de mercadorias, de forma amistosa e parceira.
Composto por países que
representam 40% da população mundial e 1/3 da economia global, os BRICS entram
em uma guerra (tarifária) munidos uma importante capacidade diplomática por Brasil e
Africa do Sul e um poderio militar incontestável, por intermédio de Russia e
China. Obviamente esse é o principal diferencial entre esse clube de emergentes
e a União Europeia, onde seus 27 países membros padecem de uma histórica
dependência econômica sob os EUA.
Seria possível então entender que
está em curso exatamente agora uma reinterpretação do clássico de Su Tzu? Cada estado-membro dos BRICS aparenta cumprir uma função específica no
tabuleiro político e econômico internacional, sobretudo nesse segundo governo Donald Trump. A China é um dos principais financiadores do Conselho de
Segurança da ONU, contribuindo inclusive com formação estratégica na área de
desenvolvimento de tecnologias, enquanto a Russia enfrenta sanções por conta
do conflito com a Ucrânia. No entanto, sua posição de membro permanente do Conselho de segurança lhe
outorga poder de veto na ONU, amenizando de alguma forma as ofensivas ocidentais. Quanto a Brasil
e Africa do Sul, o trunfo é o potencial diplomático de ambos, por
conta inclusive da posição privilegiada em seus respectivos continentes, no que se refere
a credibilidade e capacidade de diálogo com líderes nacionais. A India, por sua vez, é o país que mais contribui com tropas junto a ONU,
além de compor o G4 (Brasil, Alemanha, India e Japão), cujo pleito mais
relevante no equilíbrio internacional de forças é a defesa de uma reformulação
no Conselho de Segurança.
O atual presidente dos Estado
Unidos é então a grande mola que impulsiona o enfrentamento à hegemonia ianque atualmente,
fortalecendo o nacionalismo entre países sob sanções econômicas ou tarifas
elevadas. Quanto ao Brasil, emerge na população um sentimento de “meta-se com
sua vida”, em uma reação típica de quem prefere proteger a família de intrujões
e fofoqueiros. É claro que Bolsonaro mantém fieis seus 19% de “malucos”, como ele
mesmo intitulou diante do Ministro Alexandre de Moraes. Porém, parece que as
articulações internacionais de Lula dentro e fora da América Latina, vem garantindo a musculatura necessária para segurar as pontas de sua imagem como líder
global, mesmo em meio à atual guerra tarifária.
Nesse momento, no qual o
capitalismo 5.0 está voltado à acumulação de riquezas nas mãos de pouquíssimos,
o que se acentua e se afunila a cada anos, nada melhor que desenvolver
estratégias e coalizões eficazes, nessa nova e tecnológica Arte da Guerra.