domingo, 19 de julho de 2020

TÊNIS CLUBE DE MESQUITA, O REFLEXO DE UMA SOCIEDADE MESQUITENSE

Periódico do TCM, com panorâmica do clube 1958

Mesquita tem história, como qualquer outro município na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Inclusive, a partir do final dos anos 70 surge uma disputa ideológica, no sentido de dar identidade à região periférica à Capital. Ainda na primeira metade do século XX geógrafos abandonaram o termo Baixada da Guanabara, passando a adotar o termo Baixada Fluminense, o que contribuiu minimamente para centrar foco em uma região que não era de fato a metrópole mas também não poderia geograficamente ser identificada como Interior, no contexto territorial do estado.

D. Dininha (Edna) Provençano, membro do TCM

Uma das características muito particulares da sociedade que habita a Baixada Fluminense que se percebe logo na virada do século XX, é a busca pela reprodução de um modo de vida metropolitano, ideário que era possível importar facilmente, considerando a distância de menos de uma hora entre Mesquita e o Centro da cidade do Rio de Janeiro, primeiramente através dos trens da Central do Brasil e, posteriormente, por intermédio da BR 116, conhecida popularmente como Via Dutra, trecho da rodovia federal inaugurado em 1951.

Área anterior a construção do TCM

Faço aqui uso do termo “sociedade”, considerando o seu sentido ainda corriqueiro de analogia com uma camada social avessa à cultura de massa, que forja um discurso que se consolida mais amplamente nos Brasil, a partir dos anos 60, mas que tem já seus reflexos em nossa Região já há pelo menos duas décadas antes.  Como exemplo temos no município de Mesquita o Tênis Clube de Mesquita-TCM, inaugurado em 1946 por iniciativa de industriais, comerciantes e profissionais liberais locais. Segundo relato de D. Dininha Provençano, uma das primeiras atletas de vôlei de nosso estado e moradora de Mesquita, o TCM surge como alternativa ao Esporte Clube Iguaçu, fundado em 1912, mas que tinha em seus quadros atletas negros, disputando o antigo Campeonato Estadual Fluminense já em 1944.

Ao olharmos para o passado do Esporte Clube Iguaçu veremos que consta como um dos primeiros dez sócios o nome de Silvano Azevedo, jornalista negro, fundador do jornal Correio da Lavoura, com sede no mesmo município. De igual modo o Mesquita Futebol Clube, inaugurado em 09 de maio de 1920, trazia em seus quadros um número expressivo de trabalhadores negros, tendo as competições esportivas como a marca do vínculo entre classe. No entanto, o surgimento do TCM passa a representar um traço claro de distinção social, haja vista que figuras de notada influência na sociedade local constam como membros da diretoria desse clube de membresia tão seleta. O clube era em sua concepção algo tão seleto, que sua diretoria era composta quase que exclusivamente por homens, segundo a publicação de janeiro de 1958.

Cabeçalho do periódico do TCM

Um fator motivador tanto da construção do TCM quanto para a seleção De seus sócios foi a construção da piscina. Segundo relatos de antigos integrantes, João Pilotto, diretor do clube e engenheiro da chamada “Fábrica Gigante”, como era conhecida a Cia. Materiais de Construção Ludof & Ludof, foi o idealizador desse desejado atrativo social, firmando também importantes parcerias, inclusive intermediando a aquisição de equipamentos junto ao Fluminense FC, que doou uma bomba para filtragem da água utilizada, que tinha como fonte a cachoeira que passava bem ali. Cachoeira essa que, devido a sua importância, identificava a rua que ladeava o clube.

Diretoria do TCM em 1958: nenhuma mulher no topo

quinta-feira, 16 de julho de 2020

FUNDO MUNICIPAL DE CULTURA, O “CUMPRA-SE” DA CIDADANIA CULTURAL


Não podemos acreditar que foi necessária uma pandemia para que pudéssemos retomar ponderações quanto a gestão local de políticas culturais, que remontam o uma época onde encontros como o Café Filosófico e o Cidade e Cultura, mobilizavam a classe artística, buscando atender demandas pulsantes no município de Mesquita. Retomar então o debate a partir do Movimento PróCultura Mesquita, criado em 2009 com o objetivo de manter aberto um espaço não governamental de debates, é buscar o retorno do diálogo entre sociedade civil e governo. No que se refere ao estabelecimento de marcos legais como o Sistema Municipal de Cultura e uma Lei de Fomento e Incentivo, o objetivo aqui é compreende a emergente e fundamental importância do estabelecimento do Fundo Municipal de Cultura. Para que tenhamos clareza de quão relevante é a questão, esboçamos aqui o contexto no qual a Lei Aldir Blanc deveria tranquilamente se enquadrar, nesse momento de emergência financeira dessa tão importante categoria de trabalhadores.

A Constituição Brasileira, que vigora desde 1988, é considerada por instituições e governos internacionais como uma das mais avançadas do mundo, no que se refere ao acesso a direitos por parte dos cidadãos, o que lhe atribuiu o título de “Constituição Cidadã”, dentro e fora do Brasil. Um dos aspectos que lhe trouxe esse rótulo foi a adoção dos mecanismos de controle social como modelo de gestão participativa, além da garantia de acesso e interferência no leque de prioridades dos governos, nas três esferas de poder. Outro fator relevante inserido em nossa Carta Magna é o princípio da descentralização dos recursos, cabendo ao governo federal a formulação das macro políticas, direcionando proporcionalmente recursos financeiros para estados e municípios. Tais recursos, porém, são geridos localmente através dos fundos setoriais, mecanismos que têm como premissa atender com agilidade e foco a demandas e prioridades da sociedade civil.

Em que contexto está o Fundo de Cultura?

Tomemos ainda como exemplo o que ocorre na esfera federal, onde o Fundo é parte integrante do que costumamos chamar de CPF da Cultura (Conselho, Plano e Fundo), no contexto do Sistema Nacional de Cultura-SNC. Em 2012 o SNC foi inserido na Constituição Brasileira através de Emenda Constitucional, no Art. 216-A. cabe observar que as discussões nessa direção já ocorriam em 2005, quando se deu a 1ª Conferência Nacional de Cultura, em Brasília. A proposta então é que esse mecanismo garanta respectivamente transparência e acompanhamento das políticas setoriais de cultura através do Conselho Nacional de Cultura-CNC, Definição das linhas de ações e metas através do Plano Nacional de Cultura-PNC e acesso a recursos voltados prioritariamente ao protagonismo de agentes culturais na sociedade civil, através do Fundo Nacional de Cultura-FNC. De igual modo, em 2015 foi sancionada no Estado do Rio de Janeiro a Lei 7035/15 que estabelece o Sistema estadual de Cultura-SEC. Nos mesmos moldes que a política nacional, ficou então garantido que nosso estado fluminense também definiria de forma clara e participativa um conjunto de propostas que possibilitem o protagonismo regional tanto da gestão pública municipal quanto de agentes culturais, artistas e produtores. Nesse sentido foi lançado em junho deste ano o primeiro edital regionalizado do Fundo Estadual de Cultura, atendendo a 1800 artistas nos 92 municípios do estado, tendo mais de 6.000 proponentes acessando o Edital “Cultura Presente nas Redes”. Na esfera municipal podemos tomar como referência os fundos municipais de Caxias criando em 2005 e Nova Iguaçu, esse último criado em janeiro de 2007, ambos com regulamentação e editais já lançados e executados. É possível então compreender que tais mecanismos são amplamente viáveis e eficientes. O que ocorre é que o Orçamento Municipal é apenas uma das possíveis fontes de recursos, financeiros. Devemos assim considerar que o aporte de recursos do fundo pode surgir do percentual sobre o uso de uso dos espaços públicos, doações de entidades diversas, saldo de projetos culturais, saldos de orçamentos vencidos e, principalmente, dos repasses fundo a fundo, oriundos dos Fundos Nacional e Estadual de Cultura. Vale aqui acrescentar que o Conselho Municipal de Cultura de D. Caxias foi criado em 1974, através da Lei nº 1.948/74 e que Nova Iguaçu, ainda que muito mais recente em relação a seu CPF, já lançou dois editais públicos em 2007 e 2010.

 Ainda que a gestão do Fundo Municipal de Cultura-FMC deva por lei ser vinculado à Secretaria Municipal de Cultura, há uma série de dispositivos que garantem sua transparência tanto na gestão de seus recursos quanto na divulgação, acompanhamento e execução de seus editais públicos. O acompanhamento das ações do FMC é feito por um Comitê Gestor eleito dentro do Conselho de Cultura, com publicação de seus nomes em Diário Oficial com nomeação não remunerada de suas funções. As transferências de recursos do FMC devem priorizar ações como acesso a bens culturais, formação de agentes culturais, preservação de patrimônio material ou imaterial, fomento a pesquisa e inovação, premiar ações relevantes à cultura local, promover acesso à bens culturais, entre outros.

A principal virtude do FMC é então a de garantir recursos financeiros para que agentes culturais, mestres e produtores possam preservar o patrimônio cultural local e fomentar ações na base da sociedade, no que diga respeito a sua produção cultural. Tais ações, seja elas de vanguarda ou tradicionais, sempre carecem de constante atualização do cadastro municipal de agentes culturais. Ou seja, para a eficiente ação do CPF da cultura, é necessário um claro e prévio diagnóstico do cenário cultural do município, de modo que as políticas previstas no PNC, analisadas pelo Conselho de Cultura, atendam de forma fidedigna tanto às demandas da classe artística quando a necessidade de preservação de nosso patrimônio histórico. Podemos somar a isso a constante necessidade de formação, capacitação e reciclagem de agentes culturais e gestores, nos municípios, demanda constante que tem com fonte de recursos fundamentais o FMC.

FMC como legado para Mesquita

Uma das principais queixas que surgiram após as Olimpíadas de 2016 tem haver com o chamado “Legado Olímpico”, no sentido que os investimentos em estádios e demais arenas de jogos deveriam servir às gerações futuras, o que de fato não ocorreu. Citei de início que em nossa Região apenas Duque de Caixas e Nova Iguaçu destinaram recursos financeiros e executaram editais de seus respectivos Fundos de Cultura. Observemos então a atual conjuntura, na qual a pandemia do Novo Coronavirus impõe restrições aos espaços de produção cultural, horizontalizando a crise financeira em toda cadeia produtiva da cultura no Brasil. A partir desse olhar entendemos que é fundamental deixar um legado para as gerações futuras e não apenas atender a uma demanda emergente da classe artística, no sentido que políticas estruturantes permitam que eventuais ações emergenciais não lancem na arena um grande número de artistas de renda reduzida, no total ostracismo. No que se refere também a seus recursos financeiros, bem como as instituições as quais esses artistas representam, essa pandemia nos leva a refletir sobre a importância de um Fundo Municipal de Cultura instituído, de modo a garantir aos agentes culturais mesquitenses o mínimo de dignidade nesse momento. E no que tange as perspectivas futuras, que editais claros e democráticos possibilitem à nossa gente o devido acesso a recursos para fruição de seus projetos. O que se dará sempre quando o poder público veja e seja visto como parceiro, considerando que o pensamento da classe artística estará bem representado em um Conselho Municipal de Cultura que entenda a ideia de que governos passam mas, que políticas estruturantes permanecem.

 

FÓRUM PRÓCULTURA MESQUITA DE POLÍTICAS CULTURAIS