quarta-feira, 27 de maio de 2020

O NOVO NORMAL OU A NORMALIDADE QUE SE QUER?

a imagem do "novo normal" foto: gazeta do povo
Máscara, imagem do "novo normal" foto: Gazeta do Povo

Sabe aquela antiga prática de ensinar a criançada a lavar as mãos antes de comer? Pois bem. Muitas outras práticas sociais ganharam status de folclore nas famílias, tais como por para lavar as rupas usadas em velório, deixar os sapatos do lado de fora de casa ou por a mão na frente do rosto ao tossir, por exemplo. Essas e outras atitudes diárias foram incorporadas a partir de um imaginário coletivo, sobretudo na base da sociedade. Eram práticas tidas consensualmente como “educadas”, possibilitando a boa aceitação dos indivíduos na maioria dos espaços sociais. No entanto, a partir da pandemia da Covid-19, a ideia do que chamamos de “novo normal” trás em seu contexto elementos que transcendem as necessidades dos diversos grupos sociais. Ou seja, o que se entende como normalidade na sociedade de consumo, passa necessariamente pelo ponto de vista tanto de quem oferece produtos e serviços quanto de que procura atender a demandas específicas.

Em junho de 2019 escrevi um texto aqui no meu blog, cujo título era “SÓ PRA ENCHER O SACO? Abrindo debate sobre ofim do uso de sacolas plásticas”. Naquele momento o assunto em voga era a relevância do tema e a consequente adesão ou não da população, considerando que uma sacola plástica tem seu lugar no imaginário de uma comunidade, diferente do que ocorre em famílias que vivem em condições menos desiguais. No que se refere ao uso de máscaras descartáveis ou não, cuidados com a higiene pessoal em vias públicas e, sobretudo, o fator aglomeração, vale uma boa discussão voltada ao estudo das mentalidades, o que não será possível fazer aqui. Minimamente, cabe colocar que os longos estudos feitos por Lucien Febvre voltados aos aspectos psicológicos das práticas sócias nos mostram que não é possível compreender as mentalidades sem um aprofundamento na história, na linguagem e na cultura dos grupos sociais. Se nos lembrarmos que vivemos em uma verdadeira cebola social, com suas intrincadas camadas, será possível compreender que cada uma dessas camadas trás um conjunto de símbolos, dogmas e linguagens, através dos quais cada indivíduo “lê” e interpreta o que vem como determinação das camadas “superiores”.

conflito de normalidade
Mentalidade: necessidade e realidade. foto: portal 25Horas

Menos de dois meses após o início das medidas de isolamento social, vemos que a população já começa a afrouxar as medidas de proteção individual por sua própria conta e risco, mesmo com a massificada difusão de informações através das mídias eletrônicas e digitais, votadas a reafirmar a importância de cuidados com o próximo, o que é a grande virtude do uso de máscaras. Um amigo certo dia, com a finalidade de comparar a forma como o brasileiro encara o distanciamento social, me enviou uma piada que se referia a medidas de distanciamento social na Islândia, onde o governo recomentou o afastamento de dois metros de distancia entre as pessoas. “Dois metros de distancia? Quem é o governo pra me fazer ficar assim, tão perto das pessoas?” Nosso histórico de proximidade, bem como nosso tradicional “calor humano”, são um forte indicador que ilustra o nosso “não” ao isolamento, o que se percebe em indivíduos de formação e origem social, distintos. Quando vemos a diversidade de modelos e cores de máscaras usadas nas ruas, sobretudo nas grandes cidades, dão o tom de nosso tradicional apego a modismos bem como a criatividade empreendedora de nossa gente. Por outro lado, a forma incorreta de uso das mesmas como vemos em toda parte, dão conta de que as pessoas entenderam o conceito e a necessidade, mas não se adaptaram a forma e a necessidade de cuidado contínuo.

nova ordem financeira
Banco digital: normalidade conveniente. foto de divulgação 

Esse novo normal sobre os quais nos referimos aqui está também ligado ao estabelecimento de novas necessidades, por parte dos tradicionais detentores de meios e recursos econômicos. Se lembrarmos da pressão exercida pelo sistema bancário sobre sua categoria profissional afim, veremos que essa pandemia está oferecendo o ambiente propício para que os bancos digitais deem um salto no que se refere a sua relevância na sociedade hoje. As FinTechs, instituições financeiras que pensam, entre outros fatores, na desburocratização do sistema bancário, vem desenvolvendo tecnologias desde os anos 60 e a invenção dos caixas eletrônicos é uma delas. No entanto, alguns bancos físicos vem gradativamente informatizando a cada dia mais seus serviços, considerando que a o mundo virtual possibilita, entre outras coisas, o aumento dos lucros. Nesse caso, bancos tradicionais informatizados tem buscado migrar para o modelo pleno de atendimento virtual, como é o caso do Bradesco, que criou sua vertente digital que é a Next, que caiu como uma luva nesse período de quarentena e medo de aglomerações, por parte de uma grande parcela da população. Outro grupo econômico que está surfando na onda da pandemia do Corona vírus é o que investe no ensino  distancia como modelo de ensino. De igual modo, Educação a Distancia, conhecida como EAD, é uma boa solução para quem precisa do “canudo” mas não tem tempo disponível suficiente para se dedicar a pesada vida acadêmica. Logicamente os custos são mais baixos para os donos desses empreendimentos, o que eu não significa qualidade de ensino compatível com os valores cobrados. Resultado, número elevado de queixas ao PROCON, relacionadas a qualidade do serviços prestados nesse período.

O fato é que esse novo normal não se encaixa perfeitamente na realidade que vemos hoje, considerando que normalidade é algo cultural e que leva tempo para que seja estabelecido, daí a necessidade de imposição de regras. No entanto essas regras podem ser facilmente burladas, considerando que demandas sociais anteriores não atendidas, como pressuposto para o estabelecimento de regras mais duras. A camada mais pobre da população para uma taxa de energia elétrica no mesmo valor que as outras camadas sociais. O acesso a internet por sua vez, é precário e caro para os mais pobres, considerando que fora das grandes metrópoles a oferta de alternativas é menos. Ou seja, com menos concorrência, os monopólios regionais definem a seu modo os valores, bem como critérios para prestação de serviços de manutenção, inclusive. Soma-se a isso a qualidade das TVs abertas em comparação com a diversidade dos canais fechados. Soma-se a isso o grande número de famílias numerosas habitando residências de poucos cômodos e estrutura precária. Nesse caso, como evitar que uma criança ou adolescente veja a rua como lugar de lazer durante essa pandemia? Ainda que o preço médio de uma máscara seja de R$5,00, cabe sempre lembrar que esse número se multiplica proporcionalmente com o número de membros de uma família e, nesse caso, a compra dos legumes no sacolão vai garantir aumento na imunidade, segundo o novo folclore inserido nesse pacote do imaginário coletivo contemporâneo.   

 


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