Máscara, imagem do "novo normal" foto: Gazeta do Povo |
Sabe aquela antiga prática de
ensinar a criançada a lavar as mãos antes de comer? Pois bem. Muitas outras
práticas sociais ganharam status de folclore nas famílias, tais como por para
lavar as rupas usadas em velório, deixar os sapatos do lado de fora de casa ou
por a mão na frente do rosto ao tossir, por exemplo. Essas e outras atitudes
diárias foram incorporadas a partir de um imaginário coletivo, sobretudo na base
da sociedade. Eram práticas tidas consensualmente como “educadas”, possibilitando
a boa aceitação dos indivíduos na maioria dos espaços sociais. No entanto, a
partir da pandemia da Covid-19, a ideia do que chamamos de “novo normal” trás
em seu contexto elementos que transcendem as necessidades dos diversos grupos
sociais. Ou seja, o que se entende como normalidade na sociedade de consumo,
passa necessariamente pelo ponto de vista tanto de quem oferece produtos e
serviços quanto de que procura atender a demandas específicas.
Em junho de 2019 escrevi um texto
aqui no meu blog, cujo título era “SÓ PRA ENCHER O SACO? Abrindo debate sobre ofim do uso de sacolas plásticas”. Naquele momento o assunto em voga era a relevância
do tema e a consequente adesão ou não da população, considerando que uma sacola
plástica tem seu lugar no imaginário de uma comunidade, diferente do que ocorre
em famílias que vivem em condições menos desiguais. No que se refere ao uso de
máscaras descartáveis ou não, cuidados com a higiene pessoal em vias públicas e,
sobretudo, o fator aglomeração, vale uma boa discussão voltada ao estudo das
mentalidades, o que não será possível fazer aqui. Minimamente, cabe colocar que
os longos estudos feitos por Lucien Febvre voltados aos aspectos
psicológicos das práticas sócias nos mostram que não é possível compreender as
mentalidades sem um aprofundamento na história, na linguagem e na cultura dos
grupos sociais. Se nos lembrarmos que vivemos em uma verdadeira cebola social, com
suas intrincadas camadas, será possível compreender que cada uma dessas camadas
trás um conjunto de símbolos, dogmas e linguagens, através dos quais cada
indivíduo “lê” e interpreta o que vem como determinação das camadas “superiores”.
Mentalidade: necessidade e realidade. foto: portal 25Horas |
Menos de dois meses após o início
das medidas de isolamento social, vemos que a população já começa a afrouxar as
medidas de proteção individual por sua própria conta e risco, mesmo com a
massificada difusão de informações através das mídias eletrônicas e digitais,
votadas a reafirmar a importância de cuidados com o próximo, o que é a grande virtude
do uso de máscaras. Um amigo certo dia, com a finalidade de comparar a forma
como o brasileiro encara o distanciamento social, me enviou uma piada que se
referia a medidas de distanciamento social na Islândia, onde o governo
recomentou o afastamento de dois metros de distancia entre as pessoas. “Dois
metros de distancia? Quem é o governo pra me fazer ficar assim, tão perto das
pessoas?” Nosso histórico de proximidade, bem como nosso tradicional “calor
humano”, são um forte indicador que ilustra o nosso “não” ao isolamento, o que
se percebe em indivíduos de formação e origem social, distintos. Quando vemos a
diversidade de modelos e cores de máscaras usadas nas ruas, sobretudo nas
grandes cidades, dão o tom de nosso tradicional apego a modismos bem como a criatividade
empreendedora de nossa gente. Por outro lado, a forma incorreta de uso das mesmas
como vemos em toda parte, dão conta de que as pessoas entenderam o conceito e a
necessidade, mas não se adaptaram a forma e a necessidade de cuidado contínuo.
Banco digital: normalidade conveniente. foto de divulgação |
Esse novo normal sobre os quais
nos referimos aqui está também ligado ao estabelecimento de novas necessidades,
por parte dos tradicionais detentores de meios e recursos econômicos. Se lembrarmos
da pressão exercida pelo sistema bancário sobre sua categoria profissional afim,
veremos que essa pandemia está oferecendo o ambiente propício para que os
bancos digitais deem um salto no que se refere a sua relevância na sociedade
hoje. As FinTechs, instituições financeiras que pensam, entre outros fatores,
na desburocratização do sistema bancário, vem desenvolvendo tecnologias desde
os anos 60 e a invenção dos caixas eletrônicos é uma delas. No entanto, alguns
bancos físicos vem gradativamente informatizando a cada dia mais seus serviços,
considerando que a o mundo virtual possibilita, entre outras coisas, o aumento
dos lucros. Nesse caso, bancos tradicionais informatizados tem buscado migrar
para o modelo pleno de atendimento virtual, como é o caso do Bradesco, que criou
sua vertente digital que é a Next, que caiu como uma luva nesse período de
quarentena e medo de aglomerações, por parte de uma grande parcela da população.
Outro grupo econômico que está surfando na onda da pandemia do Corona vírus é o
que investe no ensino distancia como
modelo de ensino. De igual modo, Educação a Distancia, conhecida como EAD, é
uma boa solução para quem precisa do “canudo” mas não tem tempo disponível suficiente
para se dedicar a pesada vida acadêmica. Logicamente os custos são mais baixos para
os donos desses empreendimentos, o que eu não significa qualidade de ensino
compatível com os valores cobrados. Resultado, número elevado de queixas ao PROCON,
relacionadas a qualidade do serviços prestados nesse período.
O fato é que esse novo normal não
se encaixa perfeitamente na realidade que vemos hoje, considerando que
normalidade é algo cultural e que leva tempo para que seja estabelecido, daí a
necessidade de imposição de regras. No entanto essas regras podem ser
facilmente burladas, considerando que demandas sociais anteriores não atendidas,
como pressuposto para o estabelecimento de regras mais duras. A camada mais
pobre da população para uma taxa de energia elétrica no mesmo valor que as
outras camadas sociais. O acesso a internet por sua vez, é precário e caro para
os mais pobres, considerando que fora das grandes metrópoles a oferta de
alternativas é menos. Ou seja, com menos concorrência, os monopólios regionais definem
a seu modo os valores, bem como critérios para prestação de serviços de
manutenção, inclusive. Soma-se a isso a qualidade das TVs abertas em comparação
com a diversidade dos canais fechados. Soma-se a isso o grande número de
famílias numerosas habitando residências de poucos cômodos e estrutura precária.
Nesse caso, como evitar que uma criança ou adolescente veja a rua como lugar de
lazer durante essa pandemia? Ainda que o preço médio de uma máscara seja de
R$5,00, cabe sempre lembrar que esse número se multiplica proporcionalmente com
o número de membros de uma família e, nesse caso, a compra dos legumes no
sacolão vai garantir aumento na imunidade, segundo o novo folclore inserido nesse
pacote do imaginário coletivo contemporâneo.
Texto perfeito!
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