quarta-feira, 22 de abril de 2020

EU, UM VÍRUS?

Escultura em vidro, do artista britânico Luke Jerram - Virus

Assim como qualquer outro ser vivo, o Corona Vírus tem em sua natureza o instinto básico de comer, sobreviver e se multiplicar. Nesse momento difícil no qual questionamos autoridades governamentais e  seus protocolos de ação em relação  a pandemia, vale  pensar em nós mesmos e de que maneira  agimos ao longo de séculos. O ser humano vem promovendo invasões territoriais, expropriações patrimoniais e escravidão em absolutamente todos os  partes do mundo, e isso ocorreu exatamente pelo fato de, antes de qualquer outro fator, cada vida humana trazer em si uma natureza sobrevivencialista. Milhões de anos após os primeiros seres humanos surgirem nesse planeta, evoluímos e nos adaptamos cultural e socialmente até a forma como vivemos hoje. Porquê então nos surpreendemos com atitudes de igual modo expansionista e predatória de micro vidas que também disputam a sobrevivência e reprodução? 

O instinto mais primitivo de qualquer ser vivo é a busca por uma zona de conforto, favorável à perpetuação de determinado modo de vida, mesmo em condições adversas, a não ser que algum fenômeno o faça migrar e então se readaptar. Mudanças sempre levam tempo para serem assimiladas, sendo mais interessante a permanência no ambiente de origem, evitando contato com outros seres, de modo a preservar a vida em sua forma original. Hoje, quando a Covid-19, atual variante do Corona Virus, é trazido ao território brasileiro, descobrimos que a medida de saúde pública  mais recomendada por autoridades internacionais tem sido a de buscar manter o distanciamento social, de modo a evitar o contágio. Lembremos que, não faz muito tempo, cerca de cem anos aproximadamente, éramos majoritariamente campinenses produtores e consumidores do que plantávamos, o que ocorria bem longe dos grandes centro e em pequenos grupos sociais, na maioria dos casos em núcleos familiares. Ou seja, um isolamento social culturalmente assimilado. Quando estávamos próximos das grandes aglomerações urbanas, os mais pobres encontravam uma maneira segura de sobreviver e coexistir, mesmo de certa forma isolados em sua "Rocinha", bem diferente do que vemos hoje, quando um complexo de favelas na cidade do Rio de Janeiro é capaz de superar facilmente a densidade populacional da maioria dos municípios de nosso país.

Não nos damos conta de que, ao nos tornamos urbanos, metropolitanos e até cidadãos do mundo, levamos e trazemos aquilo que deveria ser cultivado, mantido e circulado em seu lugar de origem. A troca entre o que temos com o que o outro oferece, se tornou então natural e espontâneo com o avanço do que aprendemos a chamar de globalização, a partir dos anos 80. Ou seja, ser cidadão do mundo passa e ser um direito inalienável dos que podem se deslocar de seu lugar a qualquer outra parte do globo. Então, o fato  de um vírus microscópico também partilhar dessa globalização torna-se algo plausível. Se um simples girino, com sua meia dúzia de neurônios, tem como instinto vital a busca por abrigo e alimento, imagine o potencial expansionista e predatório de um ser evoluído ao ponto de somar em si 86 bilhões de neurônios, de pelo menos 16 tipos e funções diferentes, como ocorre entre nós humanos.
 
Gripe Espanhola, Capa do jornal  Gazeta de Notícias mostra 15out18

Devemos, a meu ver, não culpar um micro organismo ou creditar a atual pandemia na conta desses microscópicos predadores, pois somos nós os verdadeiros malvados nessa história. 

Na matéria publicana no site Diário do Centro do Mundo (22/04/20), em sua primeira entrevista coletiva, o atual Ministro da Saúde Nelson Teich levanta a seguinte discussão:

Em sua primeira entrevista coletiva como ministro da Saúde, Nelson Teich mostrou que está sintonizado com o pensamento de Bolsonaro em relação à pandemia do coronavírus. Defendeu que o Brasil precisa expor sua população ao vírus, de forma que pelo menos 70% seja infectada. A justificativa é que uma vacina contra a doença demora pelo menos 12 meses, e que o país não suporta tanto tempo em quarentena. Disse que o índice de mortes no Brasil é de 8 pacientes por milhão de infectados. Teich considerou o número bom, citanto que a Alemanha apresenta 15, Espanha 255 e Estados Unidos 129. “O nosso número é um dos melhores”, comemorou. Resumindo: vamos expor 70% da nossa população ao vírus e contar com a sorte imaginando que o total de óbitos pode chegar a 8 por milhão desse pessoal.
Melhor dizendo, como não afirmar que somos nós o verdadeiro motivo de adoecimento de nossa espécie nesse rico e acolhedor planeta? Posso até dizer que deturpamos a ideia de "ser igual a Deus", nos transformando naquela imagem mitológica de criador que, insatisfeito com sua criação, entende que a melhor decisão é destruir tudo e todos, ao ver que a criação ficou fora de controle. Juntemos a isso o fato de não aplicarmos o que aprendemos com a centenária Gripe Espanhola, inclusive no que se refere ao estigma estabelecido por seu apelido. Os lideres mundiais permitiram que o ônus daquele primeiro caso de H1N1, que se espalhou por conta da Primeira Grande Guerra, recaísse sobre apenas um país, nos mesmo moldes da atual criminalização do povo chinês que, por sua vez, culpa e reprime os imigrantes africanos que ali vivem.

Veja então em que ponto chegamos por aqui entre nós brasileiros. O país do abraço, da fala ao pé do ouvido, do beijo em público, está sendo orientado pelo bom senso a evitar manifestações importantes de sua cultura, no tocante a sociabilidade. Nada de afagos no rosto entre amigos e amantes tem sido recomendado, além de apertos de mãos formais ou cordiais. Sabemos que o vírus muda ao chegar em cada novo lugar e se adapta para sobreviver, ainda que, para isso, outras vidas sejam apenas fonte de abrigo, alimento e proliferação. Isso não é bem a nossa cara? Veja então que a recomendação prioritária que rompe o ciclo de ameaça a vida é exatamente isolamento social, algo difícil de assimilar em nosso dias, por entrarmos no consenso de priorizar uma vida urbana, de preferência, metropolitana, daí a dificuldade que temos em evitar aglomerações.

Na medida do possível então fiquemos cada um no seu canto e entre os que nos acolhem em família. Lave as mãos e remova o que vocês trás de impureza, do lugar de onde veio. Use a máscara e, mesmo metaforicamente, não permita que aquilo que sai da boca contamine o outro, assim como ocorre com gotículas e fake news. Quem tem mãos limpas então, não põe o outro em risco de morte pois, nossas atitudes podem de fato nos transformar em um virus, do tipo mais letal possível.