quinta-feira, 21 de novembro de 2019

JOÃO CÂNDIDO E O REGISTRO DE UM HERÓI


João Cândido na Praça XV-RJ - acervo Biblioteca Nacional

O mês de novembro está em vias de reafirmação enquanto mês da consciência negra. Com a inscrição do marinheiro João Cândido Felisberto no Livro dos Heróis e Heroínas do Estado do Rio de Janeiro, podemos agora celebrar oficialmente mais um herói negro. Através da Lei nº 8623, de 18 de novembro de 2019, João Cândido é assumido publicamente e de forma irrefutável, como figura fundamental para que os castigos físicos nos navios da Marinha do Brasil tivessem um fim definitivo.

Se dependesse da opinião pública e da imprensa naquele dia 22 de novembro 1910, a chamada Revolta da Chibata passaria batida em meio a conturbada conjuntura social e política do início de Século XX. Devemos lembrar que o Rio de Janeiro já vinha sendo sacudida por manifestações populares causadas pelo “bota a baixo”, como foi apelidada a estratégia de derrubada de cortiços e remoções em massa, promovidas por Pereira Passos durante sua gestão (1902-1906) que se prolongou até 1910. Nesse mesmo período ocorria a “revolta da  vacina” (10 a 16 de novembro de 1904), quando as pessoas eram obrigadas a se vacinar, inclusive com o direito de ter suas casas invadidas pela polícia. Os constantes rumores e manifestações políticas então contribuíram significativamente para que a população compreendesse claramente o que significava tal levante, considerando também que a Marinha mantinha completo silencio sobre o fato, de modo a evitar repercussão pública.
Marujada no Navio Minas Gerais, já dominado - Acervo Biblioteca Nacional
Em 2010 João Cândido foi homenageado, dando nome a um navio petroleiro, tido como o maior da história da Marinha Mercante brasileira.  Essa embarcação, no entanto, entrou em atividade dois anos depois, por conta de problemas de engenharia, o que levou a Transpetro a processar a o Estaleiro Atlântico Sul, responsável pela construção do navio petroleiro. Outra importante homenagem foi feita em São João de Meriti, com a inauguração de um busto em homenagem ao nosso herói. Nosso Almirante Negro teve dois bustos erguidos em sua homenagem. O primeiro em Porto Alegre sua terra natal, no ano de 2001, instalado na Praça da Marinha e em São João de Meriti, onde passou seus últimos anos de vida. Ele também dá nome a dezenas de unidades escolares no estado do Rio de Janeiro, entre escolas estaduais e municipais, espalhadas nas dez regiões fluminenses. Ainda em relação a São João de Meriti, está em fase final de estudos no município a criação do Museu João Candido. O projeto de instalação desse museu conta com suporte técnico da Superintendência de Museus do Estado o Rio de Janeiro. O projeto foi elaborado através de uma ação conjunta entre o Movimento Negro meritiense e a Subsecretaria de Igualdade Racial, que tem Frei Tatá a frente.
Frei Tatá, Jorge Florêncio e Adalberto Cantinho, filho de João Cândido em audiência pública no MPF/Meriti
Cândido e o Livro de Heróis Fluminenses
Há uma virtude importante na promulgação da Lei Nº 5808, de 25 de agosto de 2010, que cria o Livro de Heróis Fluminenses. Se considerarmos o peso que a história oficial carrega, estabelecendo o perfil dos vultos históricos exaltados desde sempre em nosso país, entenderemos que essa forma de registro pode se tornar um importante espaço de reparação e estabelecimento de um mecanismo de resguardo da memória de figuras verdadeiramente dignas de nota. Os critérios para escolha de nomes estabelecidos na lei são de igual modo importantes. O primeiro critério que considero fundamental é o que estabelece o número mínimo de 1/3 dos votos em plenário, para aprovação dos projetos apresentados, sendo que o homenageado deve ter pelo menos 50 anos de falecido ou desaparecido para que seu nome seja apreciado em plenário. Outro fator que considero importante é que o projeto de inserção de nome ao livro não deve tramitar em regime de urgência, o que configuraria impeditivo ao debate amplo e público em relação a figura a ser contemplada.

Por fim, em um momento no qual as estruturas democráticas veem sendo abaladas, com claros indícios de desmoronamento iminente, torna-se urgente e extremamente relevante estabelecer mecanismos de resguardo da memória de heróis e heroínas nacionais com os quais a população possa se espelhar.