quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

0 08 DE JANEIRO E O PERMANENTE ESTADO DE GOLPE, NO BRASIL

 

Simbolo do golpismo - foto: Gazeta do Brasil


Esse 08 de janeiro de 2025 já pode ser considerado o novo marco histórico da didática golpista no Brasil, tendo a Caserna como esteio. Esse momento é um fato recente, mas não um fato isolado, se considerarmos essa promíscua relação entre concentração de poder econômico, extremismo de direita e as forças militares, no Brasil. Um exemplo raramente citado e o primeiro com maior relevância na história republicana brasileira é o de Ruy Barbosa, em sua campanha presidencial de 1909, que sofreria um golpe militar após sua exitosa “Caravana da Cidadania”, com a qual percorreu diversos cantos do país. Retratado como baixinho chato e metido a “sabe tudo” por veículos de imprensa como a Revista O Malho, Ruy era alvo do ódio de militares e demais representantes das estruturas de poder, que tinham a mídia da época a seu favor. Na ocasião, o sobrinho do Duque de Caxias, também candidato a presidente, o Marechal Hermes da Fonseca, protagonizou uma virada de mesa com o apoio do Exército, desconsiderando o resultado das urnas e empossando o militar, naquele ano. 

Rui Barbosa, candidato a presidente e primeiro exemplo
de golpe militar nas eleições modernas, no Brasil

Se hoje podemos olhar para os atos golpistas do passado com o devido distanciamento histórico, devemos então olhar as particularidades sociais e estruturas midiáticas de cama um daqueles momentos, com maior clareza e um olhar mais crítico, se a proposta for analisar fatos de hoje. Devemos também compreender que os sinais apontam para uma horizontalização do golpismo, agora em escala global. Não fosse a derrota de Trump para Biden em 2020, é bem provável que os atos golpistas em Brasília tomariam outros caminhos, sobretudo se considerarmos que, assim como no exemplo de Ruy Barbosa, a comunicação de massa cumpre papel fundamental no suporte social do golpe. Inclusive, não devemos nos esquecer que estruturas de poder econômico vêm investindo pesado na acuidade do faro sobre o pensamento popular, através das corporações ligadas às mídias sociais. 


Vale lembrar que em 2008 o Facebook se mostrou uma ferramenta eficaz para os Democratas nos EUA, enquanto estratégia viável para a tomada de poder, vide a eleição de Obama que, inclusive, foi o primeiro presidente a usar o Tweeter e fazer lives. A partir e então, as redes sociais não deveriam ser utilizadas apenas em campanhas eleitorais. Já no Brasil, o golpe contra Dilma deixa claro que o chamado pacto federativo não tem a menor relevância, quendo se refere a tomada de poder a qualquer custo, o que a própria ex-presidente relata em seu artigo, publicado no site Brasil de Fato, em 2019:


O golpe resultou numa calamidade econômica e social sem precedentes para o Brasil e, em seguida, na eleição de Bolsonaro. Direitos históricos do povo estão sendo aniquilados. Avanços civilizatórios alcançados no período democrático que sucedeu à ditadura militar vão sendo dilapidados. Conquistas fundamentais obtidas nos governos do PT passaram a ser revogadas. Este processo radicalizou-se com um governo agressivamente neoliberal na economia e perversamente ultraconservador nos costumes. Um governo com uma inequívoca índole neofascista.


Biden alerta Dilma sobre golpe


Em 2014 o então Vice-Presidente Joe Biden, veio ao Brasil para entregar um HD contendo dez anos de investigações sobre a ditadura militar no Brasil, como forma de desmontar as mentiras que vinham sendo construídas para desestabilizar o governo Dilma. O conteúdo desses documentos não vieram a público, numa tentativa de não tencionar a já frágil relação entre Dilma e os militares. Ocorre que poucos países têm uma estrutura republicana com um alinhamento tão estreito com as forças armada, como o Brasil. Vale também lembrar que o investimento dos governos Lula superaram inclusive o aporte de recursos dos governos Temer e Bolsonaro, demonstrando assim que o suposto medo de uma intentona comunista nacional por parte da Esquerda, é infundada.


Pra onde aponta o 08 de janeiro?


Não dá pra negar que a aura golpista no Brasil é um tipo de “Camada de Ozônio”, que sofre interferências humanos constantes, em um espectro cujo entendimento popular, pouco aguçado, não consegue mensurar com clareza. Assim, do mesmo modo como podemos apenas analisar indicadores ambientais e seus impactos à qualidade de vida no planeta, de igual modo lidamos como fatores políticos históricos, olhando em perspectiva para as estruturas que sustentam o golpismo em terras tupiniquins. Asim, não há como prever por exatamente quais perigos passa a Democracia. Porém, é possível sim estar atentos quanto aos fatores ambientais propícios às novas tempestades anti-democráticas.


Aquele presidente golpista do início da República o qual citamos no início desse texto, assume o governo em 1910, mesmo da chamada Revolta Chibata, quando a marujada negra se mobiliza contra os castigos físicos nos navios da Marinha brasileira tomando estrategicamente dois navios de guerra. Segundo jornais da época, a população acreditava ser aquele, apenas mais um levante separatista entre tantos, em pouco mais de 20 anos do fim da monarquia, o que demonstra o já corriqueiro estado de emancipações políticas na virada do século XX. 20 anos depois, sob a justificativa de cessar levantes regionais e a proibição de exércitos próprios nos diversos territórios, surge a Revolução de 1930, literalmente capitaneada por Getúlio Vargas, em um conjunto de justificativas que já conhecemos em nossos dias. 



Filho de um general e após ter a própria carreira interrompida no Exército, Vargas absorve em 1930 o ideário de seus antigos colegas tenentes que, por sua vez, o apoiam na deposição de Whashington Luis. Como forma de consolidar o golpe, vargas impõe uma nova Constituição, de modo a ratificar legalmente as mudanças estruturais que planejara. Agora, diferente das estratégias golpistas do Marechal Hermes, Vargas tratou de deixar suas intenções bem claras à sociedade, posteriormente interferindo também nas mentalidades, sobretudo dos mais pobres e desinformados, fazendo com que a desinformação se tornasse uma estratégia permanente de governo, enquanto perseguia ferozmente opositores, como Luiz Carlos Prestes.


Militar do GSI, dá água a golpistas dentro do Planalto

Naquele 08 de janeiro de 2023, a imagem do golpista segurando a constituição em pleno STF, resume a intentona da extrema-direita bolsonarista. O conteúdo simbólico daquelas invasões serviriam como uma fábrica de heróis, em uma tentativa de tomada do poder, não fosse o fato de Flávio Dino, então Ministro da Justiça, estar em Brasília naquele fatídico domingo. A partir de seu olhar sobre os fatos que se desenrolaram diante de seus olhos, Dino pode constatar a conivência mascarada de fragilidade, por parte do governo do Distrito Federal. Vale lembrar que durante gestão Bolsonaro, cerca de 7 mil militares da ativa e da reserva, ocuparam cargos no governo federal, alguns deles ainda ocupando espaços no governo Lula. O Coronel Horta, comandante da Guarda Presidencial naquele momento, foi filmado, questionando PMs do DF sobre a prisão de manifestantes. Ouro militar, identificado como José Eduardo Natale, foi filmado oferecendo água aos golpistas dentro do Palácio presidencial, ele que era responsável pela segurança interna do espaço. Seria então possível governar o país sem o histórico protagonismo de militares, nas decisões estratégicas que mantenham firmes as estruturas da democracia e da República?


Enquanto o governo Dilma teve à frente do Ministério da Defesa nomes como o ex-Presidente do STF Nelson Jobim e o diplomata de carreira celso amorim, o governo Bolsonaro nomeou três generais do Exército durante seu governo. o atual Ministro da defesa José Mucio, tido como articulador político e exímio conciliador, declarou hoje que sua pasta “é mais tranquila do que se pode imaginar”, minimizando a importância de ações firmes na defesa da democracia e do direito. É possível, a final, encontrar um caminho do meio, que possibilite aliar um acesso  saudável à gestão das forças armadas e um conjunto de relações políticas que garantam a soberania nacional, sob o olhar preponderante da camada civil da sociedade?


O presidente Lula tomou a importante decisão de usar a entrega das obras de arte do Planalto, vandalizadas no 08 de janeiro de 2023, como marco histórico. De fato, precisamos de referenciais marcantes de memória da tentativa de golpe daquele dia, espalhados por todo território nacional, começando pelo principal alvo, o qual foi a Praça dos Três poderes. Não façamos daqui para diante, como o ocorrido entre os anos de 1964 e 1985, quando o desejo da classe politica foi majoritariamente a do apagamento histórico por interesses próprios, colocando a ávida busca por privilégios por parte de militares, como escudo para a intolerância, que concentra poder, constrói riqueza através do estado e corrói criminosamente a república por dentro.

 

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