terça-feira, 6 de agosto de 2024

OLIMPÍADAS 2024 – EUROPA, IMIGRAÇÃO E A NOVA CORRIDA DO OURO

 



As últimas edições das Olimpíadas vêm mostrando a nova cara do protagonismo esportivo europeu, no cenário internacional. A quantidade de africanos, latinos e asiáticos levantando bandeiras de países europeus destoa do acentuado crescimento da extrema Direita naquele continente, deixando claro que não há uma contradição histórica, mas sim uma nova forma de apropriação dos corpos, visando ampliar a grandeza de um país, mais uma vez mostrando assim uma nova cara da “corrida do ouro”, que eles mesmos inauguraram.

A Escravidão de pessoas negras, no que se refere ao uso do ser humano como forma de concentração de riqueza e demonstração de poder, continua sendo o capítulo mais hediondo no processo que chamamos de civilizatório. Paralelo a isso, a premissa de desumanizar o escravizado e descredenciar suas construções culturais, tornou-se uma necessidade, em se tratando de naturalizar a submissão do outro e justificar o distanciamento entre pessoas esteticamente diferentes. Quando um país europeu como a França, em pleno Século XXI, admite selecionar atletas africanos às suas equipes olímpicas, me leva a questionar a dicotomia entre o crescimento da extrema-direita naquele país e a necessidade de elevar seu número de medalhas de ouro. Questiono então se é possível que as Olimpíadas de Paris em 2024 reflitam uma nova forma de valorização da grandeza nacional, reciclando o antigo método de apropriação da força de trabalho negra, todavia com novos códigos e algumas concessões. Ou seria possível ignorar as constantes críticas do jogador Mbappe às recorrentes expressões de racismo sofridas por ele em solo francês? Cabe observar que, em linhas gerais, tal reação não ocorre em situações opostas, onde estrangeiros ocupam, lugares de protagonismo nos chamados “países em desenvolvimento”, quase que em condições de direito adquirido.

Em alguns casos, a imigração europeia em terras brasileiras atualmente nos remete a um modelo capitalista de miscigenação, nos levando a crer que só é possível avançar, se o intercâmbio com a europeu for uma condição sine qua non. No dia 30 de julho último, o jornalista Raul Justi Lopes publicou matéria, na qual aborda a questão da conquista de medalhas olímpicas que dificilmente seriam conquistadas por algumas nações, sem que imigrantes integrassem suas equipes. O colunista do UOL retoma a ideia de “Complexo de  Vira-lata”, usada por Nelson Rodrigues, ao apontar que nosso país não é atraente para imigrantes, nos dias de hoje, em relação ao nosso passado. Segundo ele:

“O Censo brasileiro nem indica quantos professores estrangeiros atuam nas universidades brasileiras. O número deve ser menor ainda. Mas certamente há mais docentes estrangeiros na Universidade de Pequim que na Unicamp ou na Unesp (...)A ‘viralatagem mor’ é bloquear a possibilidade de termos chineses, americanos ou europeus por aqui, com a desculpa de que não teríamos como competir, nem aprender. É de uma falta de fé total no nosso potencial” - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/raul-juste-lores/2024/07/31/olimpiada-jogos-paris-celine-dion-vira-lata.htm?cmpid=copiaecola

Será mesmo que nosso país tem atrativos ou riquezas a serem apreciados, mas não plenamente no sentido intelectual, como aborda o jornalista, nesse parágrafo de seu texto? Nossas riquezas culturais não são fator de disputa de espaço na vitrine internacional, ainda que a construção de nossa identidade nacional tenha sido forjada fundamentalmente através da miscigenação e interação com outros povos, inclusive o europeu. Quando existiram incentivos governamentais para a vinda de estrangeiros, o Brasil sofria com a ideia de que nossa negritude nos transformava em uma nação de preguiçosos e “incultos”. É sempre bom relembrar que fomos colônia portuguesa e, mesmo com a presença da família real a partir de 1808, continuamos sendo vistos como sub-povo, carente da presença de “povos evoluídos” entre nós, na esperança de que o futuro nos garantisse espaço no mundo civilizado.

O que nos diferencia dos países europeus de histórico escravocrata é exatamente esse desapego pela disputa de hegemonia cultural, política e, porque não dizer, esportiva também. Diferente dos anos da Guerra Fria, a União Europeia tem no esporte um sentido de unidade, que, na prática não se reflete nos jogos, inclusive pela tendência de endurecimento nas relações com imigrantes, a partir da influência dos partidos de Estrema Direita entre países como a França e Alemanha. Já em se tratando de Brasil, se considerarmos a passagem de mais de uma dezena de craques europeus por clubes brasileiros nos últimos vinte anos, nos daremos conta de que nossa relação com atletas latino-americanos é mais promissora. O grande número de atletas vindos de países vizinhos atuando no futebol brasileira já não nos assusta faz tempo, demonstrando que o tal “viralatismo brasileiro” é relativo, sobretudo no mundo dos esportes.

É nítida a nós a estratégia de países europeus, na busca por um quadro de medalhas que reflita sua almejada grandeza nacional. Porém, no sentido patriótico, há incômodas controvérsias que desmontam o ideário de elevação de virtudes olímpicas, sobretudo quando a realidade política é contraditoriamente e gritante. Não atoa, a China se alterna na liderança dessas olimpíadas com os EUA. País que, de fato, assume sua necessária mistura de origens como virtude para se manter no topo e onde as divisões étnicas já não causa estranhamento a nós, muito menos entre eles. Vale também lembrar que Japão, que não nega em nenhum momento sua opção pelo isolamento cultural, se coloca à frente de antigos colonizadores como Espanha, Alemanha, Bélgica e Portugal, que inclusive ocupa as últimas posições no quadro de medalhas.

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