Vale lembrar que gerações de brasileiros foram levadas a adotar a cultura estadunidense como modo de vida, a partir de filmes, séries e animações, ao longo dos últimos 60 anos. Agora, o “não” às expressões artísticas, temperado pelo negacionismo estratégico e modelo neoliberal de Trump, pode ser o empurrão que faltava para a indústria do cinema consolidar o papel de chacoalhador de mentes, a partir da diversidade de ideias e abordagens que a telona possibilita.
Segundo publicação do Instituto da Cultura Árabe no Brasil, data de 1985 o início de investimento estatal no cinema iraniano, que vem crescendo e ampliando sua visibilidade desde então. O que inicialmente surge como iniciativa de poucos e pequenos produtores audiovisuais, gradativamente cria adesão junto a sociedade, convencendo o próprio governo que o investimento em cinema poderia ser transformar em um valioso capital cultural a ser exportado, como cita o próprio site:
Com um investimento anual superior a U$ 1,5 bilhões, o Irã lança cerca de 100 longas de ficção e mais de 2 mil curtas-metragens, o que coloca o país entre os dez maiores produtores mundiais. As escolas de cinema estão presentes em 52 cidades, mas há deficiências a serem corrigidas: “Além de ter apenas 400 salas de projeção para uma população de 70 milhões de habitantes, há falta de equilíbrio entre a quantidade de filmes de arte e comerciais”, afirma Massoud Bakhshi, ex-diretor do Documentary na Experimental Fim Center, que organiza o Festival Cinema Verdade e encarrega-se da distribuição e promoção dos filmes experimentais e pequenos documentários
No Brasil, a ANCINE cumpre um papel de mediação junto a cadeia produtiva do cinema e a iniciativa privada, de modo que seja possível uma melhor fruição da produção cinematográfica brasileira, dentro e fora do território nacional. Segundo Daniel Rezende, produtor do filme Chico Bento, que também é um dos avaliadores do Oscar, a Academia estadunidense conta hoje com um grande número de avaliadores oriundos de diversos países, conferindo a diversidade necessária para que as surpresas que temos hoje sejam possíveis. No Brasil, no entanto, a surpresa de ter a pioneira Ruth de Souza indicada a Melhor Atriz no Festival de Veneza em 1954 e Fernanda Torres ao Oscar 2025, é a prova de que a consolidação do cinema nacional é um longo e teimoso processo, mesmo no Brasil de hoje.
Hollywood modelo Tramp |
No que se refere a dar apoio à cultura enquanto política pública, Trump deixou claro que aquele velho cinema estadunidense, no melhor modelo “tiro, porrada e bomba”, precisa voltar a ser dominante a nivel global. Dias antes de sua posse, em 16 de janeiro, ele publicou no X (antigo Tweeter), sua decisão de indicar os atores Jon Voight, Mel Gibson e Sylvester Stallone, como Embaixadores de Hollywood. Voight, pai de Angelina Jolie, atuou em filmes super conhecidos no Brasil, como Inimigo do Estado, Missão Impossível e Transformers. Mel Gibson que, para surpresa de muitos, é inclusive misógino, fez fala preconceituosa em relação à candidata Democrata, como vemos na matéria do site O Antagonista, no dia 23/01:
Gibson já insinuou algumas vezes que Kamala Harris tinha pouca inteligência: “Histórico miserável. Não há diretrizes para falar. Ela tem o QI de um poste de cerca.”, disse o ator e diretor sobre a candidata democrata.
Já Stallone considera Trump o “segundo George Washington”, o que foi motivo de críticas por parte de seus seguidores nas redes sociais.
O que vemos no cenário do cinema aqui e no restante do mundo, é o sentimento que leva esse segmento a um necessário enfrentamento ao totalitarismo, sem falar da vergonha à qual é submetido quem vai na direção contrária desse expressão artística que, por parte de pessoas acolhe a diversidade como marco civilizatório.
Ainda Estou Aqui: reflexo da repressão pelo mundo |
Nesse momento que precede a mais uma entrega do Oscar, o perfil dos indicados já dá conta de que conflitos entre a indústria do cinema e o Trumpismo é inevitável. Se levarmos em conta ao menos duas indicações a Melhor Atriz para esse ano, será possível sentir a temperatura das próximas edições. A atriz Fernanda Torres retrata como a esposa do Engenheiro Rubens Paiva lutou pelo reconhecimento legal do assassinato de seu marido, por parte do regime militar. O filme Ainda Estou Aqui já disse ao que veio, deixando claro que a perseguição política abordada pelo filme de Walter Sales, reflete uma realidade que nunca esteve distante de nós. A coerção estatal, aliada ao uso de força militar, é algo que o restante do mundo conhece bem, fazendo com que o filme serva não apenas como marco histórico, mas também como um alerta contra o totalitarismo, que hoje brota em todos os continentes.
O filme Emilia Perez, estrelado por Karla Sofía Gascón tem, por sua vez, 13 indicações, incluindo Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante e Música Original. Segundo Emma Jones da BBC Brasil. “O filme mescla vários gêneros para contar a história de um senhor das drogas mexicano. Ele faz a transição para se tornar mulher e busca restaurar a justiça pelos "desaparecidos” do país — pessoas mortas e ausentes, vítimas da violência relacionada aos crimes e às drogas.” A protagonista não se ilude, entendendo que a possível premiação e o atual reconhecimento não refletem a realidade social, sobretudo no que se refere a uma pessoa trans. Em matéria publicada no site do UOL no dia 24 de janeiro, a atriz espanhola diz o seguinte: “Não sou uma atriz melhor agora, nem era pior antes. Não sou uma pessoa melhor, nem sou nada, sou a mesma pessoa, simplesmente, colocada em outro lugar”.
Filme Emilia Perez: sofre críticas pela abordagem |
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*Ivan Machado é professor de História, Mestre em Educação, especialista em Arte-Educação e presidente do Centro de cultura Popular da Baixada Fluminense.
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https://www.icarabe.org.br/artigos/projecao-internacional-apesar-da-censura?form=MG0AV3
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