O Comercio de Campinas.
Campinas (SP), n.3115, 26 nov. 1910. Capa. (APESP)
A SUPIR (Superintendência de Igualdade Racial) de S.J. Meriti, então coordenada pela minha amiga Leila Regina, em parceria com a Universidade Estácio daquele Município, realizou em uma segunda-feira, 16 de maio de 2010 das 08h30m às 16h, o SEMINÁRIO RAÍZES DA COR – 100 ANOS DA REVOLTA DA CHIBATA. Com o objetivo de “discutir o legado de João Cândido, a sua influência no fortalecimento das Políticas de Ações Afirmativas e do Movimento Negro no Ano da Afro-descendência”.
Tive a oportunidade de conhecer parentes de João Cândido, no período em que atuei como arte-educador na Casa da Cultura, dirigida por Jorge Florêncio. Fui de fato um prazer enorme prazer conhecer de perto a história de um herói negro de nossos tempos, que morreu de velho, sem passar pelos martírios que acompanham nossos grandes nomes oriundos do povo.
João Cândido, cantado em prosa e verso por João Bosco, que inclusive teve sua letra caçada pelos militares no período da repressão, exatamente por enaltecer um “insurgente”, segundo a marinha do Brasil na época, tem sua maior homenagem hoje, na gestão Dilma, quando temos o primeiro navio petroleiro totalmente construído no Brasil que leva seu nome.
João Cândido já idoso, em Meriti
Revolta da Chibata
No dia 22 de novembro de 1910, João Cândido, ao assumir, por indicação dos demais líderes, o comando do Minas Gerais e de toda a esquadra revoltada, controla o motim, faz cessar as mortes, e envia radiogramas pleiteando a abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra brasileira. Foi designado à época, pela imprensa, como Almirante Negro. Por quatro dias, os navios de guerra Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro apontaram os seus canhões para a Capital Federal mostrando grande habilidade e conhecimento das possibilidades de manobras de guerra em um dos dois maiores navios de combate da América Latina . No ultimato dirigido ao Presidente Marechal Hermes da Fonseca, os revoltosos declararam: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira". A rebelião terminou com o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da chibata na Marinha e de conceder anistia aos revoltosos. Entretanto, no dia seguinte ao desarmamento dos navios rebelados, dia 27, o governo promulgou em 28 de novembro um decreto permitindo a expulsão de marinheiros que representassem risco, o que era um nítida quebra de palavra, uma traição do texto da lei de anistia aprovada no dia 25 pelo Senado da República e sancionada pelo presidente Hermes da Fonseca, conforme publicação no diário oficial de 26 de novembro, levado ao Minas Gerais pelo capitão Pereira Leite.
João Candido, sendo conduzido preso
Em São João de Meriti inclusive, exatamente no Bairro Praça da Bandeira, foi postado em 1999 um busto de nosso herói, o primeiro no Brasil, de modo a homenagear e eternizar na comunidade onde viveu e faleceu a memória de nosso grande herói negro. O então Vereador Jorge Florêncio criou Projeto de Lei Municipal homenageando João Cândido. Em 2019 um grupo de lideranças comunitárias e culturais locais criou o espaço Cultura João Cândido, exatamente em frente à praça onde está postado o busto do nosso Almirante Negro.
A Academia contribuindo com a Memória
Álvaro Pereira do Nascimento é um historiador premiado por conta da relevância de sua pesquisa sobre os eventos que se antecederam à revolda de novembo de 1910 e que consta do acervo do Arquivo Nacional desde 2001. No Rio de Janeiro o jornal Folha de São Paulo publicou no dia 09 de fevereiro de 2002 um artigo muito importante apresentando a óbra do pesquisador, com assinatura da jornalista Claudia Antunes. Segue abaixo a íntegra da publicação:
A história vista de baixo, sob a ótica das estratégias populares para driblar ou mesmo transformar em lucro as situações adversas, é o sentido que percorre "A Ressaca da Marujada - Recrutamento e Disciplina na Armada Imperial", livro que pretende levantar os antecedentes, na Marinha, da Revolta da Chibata, já no período republicano, em 1910.
Apresentada como tese de mestrado na Unicamp, a obra do historiador Álvaro Pereira do Nascimento, 37, foi premiada pelo Arquivo Nacional em 1999 e editada no ano passado.
Usando como fontes boletins policiais e processos submetidos ao Conselho de Guerra da Armada, Nascimento conclui que a rebelião comandada pelo marinheiro de primeira classe João Cândido Felisberto não foi um acontecimento isolado. Ao contrário, ela foi precedida de um clima de inquietação constante entre a marujada, na época do Império, e de pelo menos três rebeliões em navios de guerra depois de 1889.
O mais interessante, porém, é que as fontes usadas por Nascimento desvendam a mistura de atração e de repulsa exercida pelo serviço militar nos marinheiros, que naquela época vinham dos estratos mais desfavorecidos da sociedade -ex-escravos, filhos de escravos e uma minoria de brancos muito pobres.
Ao mesmo tempo em que eram submetidos, na Armada, a um regime draconiano de disciplina, com castigos corporais constantes, esses homens viam no alistamento ou no recrutamento forçado (usado pela polícia para "limpar" as cidades de desempregados e de infratores) "caminhos para conquistarem suas liberdades". Uma vez em serviço, eles não abriam mão, mesmo sob punição física, dos "valores e costumes construídos nas ruas" -a turma, as mulheres, a bebida-, o que os levava a infringir as regras da oficialidade.
"A Ressaca da Marujada" está dividida em três partes. Na primeira, a partir do processo a que foi submetido em 1873, no Conselho de Guerra, o oficial José Cândido Guilhobel, Nascimento descreve a prática do "tribunal do convés". Numa analogia com o que chamaria hoje de "tribunal do camburão", o historiador mostra como, nos navios do Brasil imperial, os oficiais julgavam e puniam, passando por cima dos códigos escritos de Justiça.
Num caso que Nascimento considera atípico, Guilhobel foi levado a julgamento (e absolvido) por submeter um marinheiro a 500 chibatadas de uma só vez, quando o máximo permitido eram 25 chibatadas por dia. Em sua defesa, o oficial argumentou: "Será lógico e justo que eu responda por aquilo que já encontrei como praxe a bordo dos navios de guerra?"
Na segunda parte, o historiador mostra como era feito o alistamento no século 19. À falta de voluntários, prevaleciam o recrutamento forçado, feito pela polícia, e o arrolamento de menores, que passavam antes por escolas de aprendizes. O serviço militar era considerado um castigo, mas Nascimento enumera casos em que homens presos por "arruaça" optavam pelo alistamento, para escapar da cadeia.
Na última parte do livro, dedicada aos tempos conturbados que marcaram a Abolição e a transição para a República, Nascimento mostra como os marujos usaram o "privilégio" da farda para acertar contas, nas ruas do Rio, com policiais repressores. O historiador ressalta que os marinheiros não se movimentaram em prol da monarquia, apesar de a corrente majoritária da historiografia destacar a simpatia dos negros pela família imperial.
Eufóricos, no segundo dia da República, com o decreto que aboliu os castigos corporais na Armada, os marujos logo se sentiram traídos por uma medida que, cinco meses depois, restabeleceu essas punições.
Portadores de uma nova consciência política, eles deram início a uma série de motins, culminando com a revolta liderada pelo "almirante negro". Nela, cita Nascimento, os marinheiros não reclamavam somente o fim da chibata, mas "os direitos sagrados que as leis da República nos facultam" -e que ainda deve a muitos de seus cidadãos.
Leia mais:
Edição da Revista O MALHO, que publicou o contexto sob o ponto de vista do governo e de parte da sociedade, na Capital da República, à época. Link a baixo:
http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/revista.asp?rev=429&ano=1910
NASCIMENTO, Álvaro Pereira - A ressaca da marujada: recrutamento e disciplina na Armada Imperial. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001
Veja mais detalhes no site abaixo, onde importantes documentos e matérias estão disponíveis. a baixo:
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/exposicao_chibata/
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