As últimas edições das Olimpíadas
vêm mostrando a nova cara do protagonismo esportivo europeu, no cenário internacional.
A quantidade de africanos, latinos e asiáticos levantando bandeiras de países
europeus destoa do acentuado crescimento da extrema Direita naquele continente,
deixando claro que não há uma contradição histórica, mas sim uma nova forma de
apropriação dos corpos, visando ampliar a grandeza de um país, mais uma vez mostrando
assim uma nova cara da “corrida do ouro”, que eles mesmos inauguraram.
A Escravidão de pessoas negras,
no que se refere ao uso do ser humano como forma de concentração de riqueza e demonstração
de poder, continua sendo o capítulo mais hediondo no processo que chamamos de civilizatório.
Paralelo a isso, a premissa de desumanizar o escravizado e descredenciar suas
construções culturais, tornou-se uma necessidade, em se tratando de naturalizar
a submissão do outro e justificar o distanciamento entre pessoas esteticamente
diferentes. Quando um país europeu como a França, em pleno Século XXI, admite selecionar
atletas africanos às suas equipes olímpicas, me leva a questionar a dicotomia
entre o crescimento da extrema-direita naquele país e a necessidade de elevar seu
número de medalhas de ouro. Questiono então se é possível que as Olimpíadas de
Paris em 2024 reflitam uma nova forma de valorização da grandeza nacional,
reciclando o antigo método de apropriação da força de trabalho negra, todavia com
novos códigos e algumas concessões. Ou seria possível ignorar as constantes
críticas do jogador Mbappe
às recorrentes expressões de racismo sofridas por ele em solo francês? Cabe
observar que, em linhas gerais, tal reação não ocorre em situações opostas,
onde estrangeiros ocupam, lugares de protagonismo nos chamados “países em
desenvolvimento”, quase que em condições de direito adquirido.
Em alguns casos, a imigração europeia
em terras brasileiras atualmente nos remete a um modelo capitalista de
miscigenação, nos levando a crer que só é possível avançar, se o intercâmbio
com a europeu for uma condição sine qua non.
No dia 30 de julho último, o jornalista Raul Justi Lopes publicou matéria, na
qual aborda a questão da conquista de medalhas olímpicas que dificilmente
seriam conquistadas por algumas nações, sem que imigrantes integrassem suas
equipes. O colunista do UOL retoma a ideia de “Complexo de Vira-lata”, usada por Nelson Rodrigues, ao
apontar que nosso país não é atraente para imigrantes, nos dias de hoje, em
relação ao nosso passado. Segundo ele:
“O Censo brasileiro nem indica quantos professores estrangeiros atuam
nas universidades brasileiras. O número deve ser menor ainda. Mas certamente há
mais docentes estrangeiros na Universidade de Pequim que na Unicamp ou na Unesp
(...)A ‘viralatagem mor’ é bloquear a possibilidade de termos chineses,
americanos ou europeus por aqui, com a desculpa de que não teríamos como
competir, nem aprender. É de uma falta de fé total no nosso potencial” - Veja
mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/raul-juste-lores/2024/07/31/olimpiada-jogos-paris-celine-dion-vira-lata.htm?cmpid=copiaecola
Será mesmo que nosso país tem atrativos
ou riquezas a serem apreciados, mas não plenamente no sentido intelectual, como
aborda o jornalista, nesse parágrafo de seu texto? Nossas riquezas culturais
não são fator de disputa de espaço na vitrine internacional, ainda que a
construção de nossa identidade nacional tenha sido forjada fundamentalmente
através da miscigenação e interação com outros povos, inclusive o europeu.
Quando existiram incentivos governamentais para a vinda de estrangeiros, o
Brasil sofria com a ideia de que nossa negritude nos transformava em uma nação
de preguiçosos e “incultos”. É sempre bom relembrar que fomos colônia
portuguesa e, mesmo com a presença da família real a partir de 1808,
continuamos sendo vistos como sub-povo, carente da presença de “povos evoluídos”
entre nós, na esperança de que o futuro nos garantisse espaço no mundo
civilizado.
O que nos diferencia dos países europeus
de histórico escravocrata é exatamente esse desapego pela disputa de hegemonia
cultural, política e, porque não dizer, esportiva também. Diferente dos anos da
Guerra Fria, a União Europeia tem no esporte um sentido de unidade, que, na prática não se reflete nos jogos, inclusive pela tendência de endurecimento nas
relações com imigrantes, a partir da influência dos partidos de Estrema Direita
entre países como a França e Alemanha. Já em se tratando de Brasil, se considerarmos a passagem de mais de uma dezena de craques europeus por clubes
brasileiros nos últimos vinte anos, nos daremos conta de que nossa relação com atletas
latino-americanos é mais promissora. O grande número de atletas vindos de
países vizinhos atuando no futebol brasileira já não nos assusta faz tempo, demonstrando
que o tal “viralatismo brasileiro” é relativo, sobretudo no mundo dos esportes.
É nítida a nós a estratégia de
países europeus, na busca por um quadro de medalhas que reflita sua almejada grandeza
nacional. Porém, no sentido patriótico, há incômodas controvérsias que
desmontam o ideário de elevação de virtudes olímpicas, sobretudo quando a realidade
política é contraditoriamente e gritante. Não atoa, a China se alterna na
liderança dessas olimpíadas com os EUA. País que, de fato, assume sua
necessária mistura de origens como virtude para se manter no topo e onde as
divisões étnicas já não causa estranhamento a nós, muito menos entre eles. Vale
também lembrar que Japão, que não nega em nenhum momento sua opção pelo
isolamento cultural, se coloca à frente de antigos colonizadores como Espanha,
Alemanha, Bélgica e Portugal, que inclusive ocupa as últimas posições no quadro
de medalhas.