O
ESTRANHO “MUNDO DO TRABALHO” NO BRASIL DE HOJE
“O meu patrão
sou eu mesmo!”
Essa frase é antiga. Porém, tem
conotações distintas na história do trabalhador brasileiro.
O site oficial do Senado Federal, em texto publicado hoje, (28 de junho de 2019), informa que a Medida Provisória 873/2019 expirou, tendo em vista o tempo legal para tramitação e devidos encaminhamentos nas duas Casas Legislativas. O texto da MP preconizava que estariam barrados os descontos do Imposto Sindical em folha de pagamento do trabalhador formal, no valor referente a um dia trabalhado, por ano. O fim da vigência desse dispositivo governamental não chega ser uma vitória para o trabalhador mas, sem dúvida, é uma derrota para o governo Bolsonaro, que tem reafirmado a cada dia seu compromisso com um modelo de Estado Liberal, onde as contrapartidas sociais estão longe de ser prioridade do governo. Fatalmente, o mundo do trabalho é o alvo fundamental das políticas públicas implementadas, sobretudo desde que Temer assume a presidência do Brasil, dedicando esforço intensivo a Reforma trabalhista, do mesmo modo como o atual governo prioriza, de forma acalorada, a Reforma da Previdência, sob resistência de uma camada importante de formadores de opinião.
Se considerarmos que essa queda de braço entre direitos trabalhador e interesses do empregador pode ser demarcada pelo menos a partir do governo Collor, a quem atribuo o primeiro lampejo neo-liberal no Brasil, veremos que uma estrutura hegemônica se estabeleceu. Estrutura essa capaz de incutir na cabeça do trabalhador contemporâneo a naturalização dessa crescente perda de direitos, o que justifica o estabelecimento de uma cultura empreendedora, em detrimento das formas coletivas do articulação de trabalhadores.
O fato é que algumas profissões já nascem com características autônomas, como o caso do artesão, que exerce suas práticas de forma criativa e única, muitas vezes utilizando tecnologia desenvolvida pelo mesmo. Outras, como o técnico de informática, palestrantes, ou o personal treiner, são profissões contemporâneas que possibilitam ao trabalhador estabelecer as próprias regras na geração de renda pessoal.
Se considerarmos que essa queda de braço entre direitos trabalhador e interesses do empregador pode ser demarcada pelo menos a partir do governo Collor, a quem atribuo o primeiro lampejo neo-liberal no Brasil, veremos que uma estrutura hegemônica se estabeleceu. Estrutura essa capaz de incutir na cabeça do trabalhador contemporâneo a naturalização dessa crescente perda de direitos, o que justifica o estabelecimento de uma cultura empreendedora, em detrimento das formas coletivas do articulação de trabalhadores.
O fato é que algumas profissões já nascem com características autônomas, como o caso do artesão, que exerce suas práticas de forma criativa e única, muitas vezes utilizando tecnologia desenvolvida pelo mesmo. Outras, como o técnico de informática, palestrantes, ou o personal treiner, são profissões contemporâneas que possibilitam ao trabalhador estabelecer as próprias regras na geração de renda pessoal.
Grupo "SIPATSHOW": palestras com o uso de linguagem artística em empresas |
No entanto, o modo de produção ou
prestação de serviço que deveria se caracterizar pelo vínculo temporário, hoje
se tornou pré-requisito para contratação permanente, por parte de empresas no
Brasil, com o uso do chamado pejotismo. Esse método de contratação
de terceiros via pessoa jurídica tem sido Método adotado para flexibilização
de vínculo empregatício, eximindo a empresa contratante de encargos previstos
na legislação trabalhista.
O modelo Pessoa Jurídica de vínculo nasce com
a função de possibilitar prestação temporária de serviço, considerando que muitas
empresas, por seu perfil operacional, não possui em seu quadro funcional alguns
profissionais em áreas específicas. Nesse caso, o vínculo contratual ou via CLT
levaria a tal empresa à um vínculo desnecessário com determinado trabalhador.
Bom exemplo disso é que:
Para
efeitos de comparação entre as duas modalidades de contratação, em 1994, na
virada do Plano Real, um analista de sistemas sênior celetista que ganhava, em
média, R$ 2.000,00, era contratado como pessoa jurídica por aproximadamente R$
23,00 por hora, aproximadamente R$ 4.000,00. Desta forma, podemos observar que
há nítida vantagem financeira na modalidade PJ em relação à celetista, fazendo
com que este fenômeno se tornasse cada vez mais popular na área de tecnologia
da informação (MARTINS, 2013, p.8).
No entanto, vemos exemplos atuais que
demonstram o uso de um truque no que se refere à contratação de trabalhadores,
com a utilização desse mecanismo. Em matéria do site G1, publicado no dia 09 de
janeiro, vemos que a Secretara de saúde de Aracajú fez uso desse dispositivo
para contratar médicos para atuarem em Unidade de Pronto Atendimento-UPA. Por
ser uma modalidade que se caracteriza pelo vínculo temporário e autônomo em relação
prestador de serviço e o contratante, notamos nesse caso que a finalidade é
eximir a prefeitura de responsabilidades quando ao servidor público.
Trabalhadores de Aracaju cobrando direitos:site G1 em 09/01/2019 |
O Art. 3º da CLT deixa bem claro que “Considera-se
empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a
empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” Ou seja, se existe plantão
continuado e salário pré-estabelecido também com rotina mensal, está
caracterizado o vínculo empregatício. Logo, o modelo PJ não deveria ser
utilizado nesses casos.
Em se tratando de prestação de serviço
entre empresas, o trabalhador PJ tem a possibilidade inclusive de aumentar
significativamente sua renda, como já comentamos anteriormente. No entanto, tem
sido muito comum o uso desse tipo de artifício nas estruturas públicas,
sobretudo nas prefeituras.
A contratação de cooperativas, por exemplo, fui um
mecanismo amplamente utilizado na Baixada fluminense, em particular na Prefeitura
de Mesquita, onde até três cooperativas operaram simultaneamente na contratação
de “prestadores de serviço”. No entanto os vínculos trabalhistas eram claros,
vide o grande número de ações na justiça que deram ganho de causa aos
trabalhadores desvinculados à critério do gestor da pasta e não da cooperativa
à qual esse trabalhador estivesse ligado (COSTA, 2018)
De igual modo, a iniciativa privada tem
feito uso desses mecanismos, sendo esse grupo de empregadores, na verdade, os
que vêm alavancando a precarização das relações trabalhistas ao longo de
décadas. O que ocorre é que algumas profissões não exercem necessariamente atividades
informais. No entanto, existe uma tradição de vínculo menos rígidos entre
algumas categorias profissionais, como é o caso de artistas e produtores culturais.
Ao observarmos as formas de
vínculo empregatício entre produtores ou agente culturais diversos e as instituições
privadas, vemos uma tendência à informalidade ou inexistência de vínculo
trabalhista, considerando às formas precárias de contratação de agentes
culturais. Bom exemplo a ser observado diz respeito sistema Fecomércio RJ, em
particular o SESC RJ e sua atuação no estado do Rio de Janeiro.
Com um pouco mais de 50 anos realizando
atividades artísticas e culturais interna e externamente às suas dependências, nos
últimos 15 anos o SESC vem adotando uso de vínculos precários de trabalho,
desde que Orlando Diniz, hoje denunciado por corrupção pela operação Lava Jato, tornou-se Presidente daquela
instituição e Arauto da precarização dos vínculos de trabalho dentro dessa
instituição patronal. Os primeiros contratos de trabalho do SESC RJ via CLT
passam na última década a condição de contrato temporário de trabalho chegando
ao pejotismo, quando os trabalhadores são contratados via pessoa jurídica, através
do sistema de microempreendedor individual - MEI, não criando assim ônus algum a
instituição, no tocante a seu quadro funcional.
Como exemplo disso vemos que o SESC/RJ
lançou em 23 de março de 2018 seu edital 01/2018, para fins de “credenciamento
de pessoa física e microempreendedor individual para prestação de serviço
técnicos em atividades finalísticas nas unidades operacionais do SESC/ARRJ no
Estado do Rio de Janeiro – instrutor, monitor e oficineiro”. Esse edital marca
a retomada das atividades artísticas e arte-educativas do SESC/RJ, após a
prisão de Orlando Diniz, ex-presidente do Sistema FECOMÉRCIO, pela Força Tarefa
Lava-Jato no estado fluminense. O que vemos é que Diniz se utilizada desse tipo de vínculo precário inclusive para beneficiar financeiramente o grupo ao qual, a Lava-Jato lhe atribuía vínculo.
Diniz é acusado de contratar funcionários de forma fraudulenta: imagem RJTV 23/02/2018 |
Ocorre que até mesmo os mais aguerridos movimentos culturais trazem no conjunto de suas lutas algumas reivindicações nas quais excluem questões relacionadas aos vínculos precários de trabalho. Fato que nos dá o entendimento de que as estruturas tradicionais de poder financeiro vêm conseguindo implementar e consolidar na sociedade tanto o modelo de estado mínimo quanto os meios mais incisivos de precarização nas relações de trabalho e geração de renda no estado do Rio de Janeiro.
Nesse contexto vemos que trabalhadores
pertencentes à classe artística têm se mostrado dispostos a abrir mão de
direitos históricos em favor da garantia da geração de renda. Cabe observar que
esse fenômeno se dá mesmo entre trabalhadores que apresentam bom nível de
informação quando as desigualdades sociais e as interferências, visando
implementar e consolidar a flexibilização das leis trabalhistas.
Estamos em um novo ano, com um novo
governo no Brasil. Temos notícias de diversas articulações que visam passar do
processo de flexibilização dos vínculos trabalhistas à efetiva precarização das
relações de trabalho. Há em nosso país hoje uma cortina de legalismo e
moralidade encobrindo intenções muito mais sérias. Intenções essas que tem
o trabalhador como alvo, sobretudo aquele que apresenta alguma capacidade de
aglutinação e mobilização de classe.
Nesse caso nós, trabalhadores, vivemos
em um ambiente no qual uma nova cultura, com seus código e valores, se
estabelece. Para além disso,
A cultura do trabalho pode também ser definida pela forma como se
constroem os valores de um conjunto de trabalhadores diante da sociedade.
Valores esses que os indivíduos aprendem então a criar e reproduzir, a partir
de uma realidade que lhes é oferecida, interferindo em seu meio a partir da
mesma lógica de criação e reprodução (COSTA, 2018, p.52).
Torna-se fundamental então ver o
trabalho como elemento humanizador da sociedade e não apenas como mecanismo de
geração de renda. Abrir mão à fragmentação dos trabalhadores enquanto um
conjunto de pessoas que produzem e vivem do trabalho é trazer para dentro de
nossas casas esse ideário de individualismo e impessoalidade.Ou seja, é investir no desenvolvimento de uma consciência do papel de cada profissional, diante do conjunto dos trabalhadores à nossa volta, para a qualidade de vida, bem antes de ser um fator de geração de riqueza à quem emprega e mera forma de levantar recurso para pagar as despesas. É importante
então estar ciente de que tem se estabelecido uma nova cultura do trabalho, que
impõe agora regras políticas/partidárias, morais e éticas, associadas às já
consolidadas justificativas econômicas para a flexibilização das relações de
trabalho no Brasil.
Por fim, fica a reflexão de que,
diferente do anseio de ser dono de si e de sua produção, o trabalhador tem
vivido uma condição de “estranhamento” (OLIVEIRA, 2010). Ou seja, mesmo ciente
de sua capacidade técnica e qualificação profissional, é o empregador quem
define o grau de competência para exercício da atividade para qual esse
trabalhador se qualificou, bem como o valor financeiro desse trabalho. Esse
estranhamento então surgem a partir do entendimento que, mesmo sendo a mão do
trabalhador a que produz riqueza, o que lhe é dado de retorno não condiz com o
nível de esforço empenhado, gerando assim conflitos internos e externos em quem
de fato produz riqueza.
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Referências:
COSTA,
Ivan José Machado da. Cultura do trabalho: histórico de lutas e a atuação de
agentes de combate a endemias no município de Mesquita-RJ. 2018, 120 f.
Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Profissional em Saúde) -
Fundação Oswaldo Cruz. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Rio de
Janeiro, 2018.
MARTINS, Edney Sabioni. A Modernização
das Relações de Trabalho no Âmbito da Prestação de Serviços na Área de Tecnologia
da Informação. apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de
Bacharelado em Direito da Universidade Católica de Brasília, no primeiro
semestre do ano de 2013.
Matéria G1, publicada em 09 de janeiro
de 2018. Link: https://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2019/01/09/tce-diz-que-vai-auditar-contratacao-de-empresa-terceirizada-para-administrar-o-nestor-piva.ghtml
OLIVEIRA, R.A. A Concepção de Trabalho na Filosofia do Jovem
Marx e suas Implicações Antropológicas. Kínesis, v. 2, n. 3, abr. 2010, p.
72-88.
SIPATSHOW. Grupo teatral. Link:
https://sipatshow.com.br/quem-somos.html
https://sipatshow.com.br/quem-somos.html
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