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Nilo Peçanha, o único Presidente negro brasileiro: fez a BF avançar? |
Em mais um 30 de abril, dia da Baixada Fluminense, devemos parar para refletir. De onde vem esse nosso desapego pelo verde, se vivemos ao redor da maior floresta urbana do mundo? O adensamento populacional nos territórios mais pobres, que antes eram terras férteis e produtivas, reflete o décfit habitacional brasileiro e a constante luta por direito a terra, ao passo que famílias buscam afinidades e pertencimento em seus territórios, ignorando fatores ambientais fundamentais para qualidade de vida. E como preservar sem conhecer? A urgência com a qual pessoas de baixa renda ocupam os territórios leva as populações a ignorar, em primeiro lugar, a história de cada lugar.
A ideia de Baixada Fluminense, enquanto fenômeno geográfico, se define pela quantidade de cursos d´água (flumens) que escorrem das montanhas verdejantes para as planícies (baixada) tendo o mar como destino. Essa descrição quase poética é bela, porém contrastante com a realidade que vivemos, em relação como ocupamos a periferia metropolitana. É uma realidade que confronta a rápida e intensa ocupação urbana para a região, amplificada após a Segunda Grande Guerra.
Com terras abundantes e baratas, sobretudo com o fim do ciclo da laranja em Nova Iguaçu (tida como a mãe da Baixada), tem início um novo ciclo de enriquecimento para poucos, com os loteamentos e a vinda de imigrantes europeus e retirantes nordestinos. A maioria desses, de baixa renda, vem em busca de uma nova vida, aproveitando a utilidade de cada pedaço de chão para si e seus familiares. Muitos desses se mantém próximos, tendo em vista a realidade social e econômica que também se reproduz nas gerações futuras.
Será então que essas pessoas trouxeram consigo algo além da necessidade de sobrevida? E nessa bagagem, veio por ventura alguma consciência quanto ao convívio junto às riquezas naturais locais ou até exploração saudável dessas riquezas? Com baixa ou nenhuma escolaridade em sua maioria, esses novos habitantes sonhavam com a chegada do progresso, capaz de combater a malária, entre outras dificuldades, como a precária mobilidade por estradas em péssimas condições.
O ”Nilismo” e a eterna carência de um mito político
É sabido que existiram esforços do governo federal via onerosas campanhas de saneamento desde 1910 até a década de 40, no sentido de ampliar as margens dos rios, buscando assim diminuir os impactos dos constantes alagamentos na Baixada Fluminense. Com a ascensão de Nilo Peçanha à Presidência do após a morte de Afonso Pena, duas importantes decisões foram tomadas, no sentido de propor avanços focados em nossa Região. A primeira foi a mudança da Capital brasileira de Petrópoolis para Niteroi. A segunda medida foi a criação da omissão de Saneamento da Baixada Fluminense, que na ocasião se estendia até Campos do Goitacases. Tais movimentações integrava um movimento político conhecida à época como Nilismo, no qual seus apoiadores entendiam que a vocação a Baixada deveria ser elevada à condição de celeiro da Capital.
Porém, não tenho notícia de ações educativas eficientes voltadas aos que aqui viviam, no sentido de desenvolver uma autogestão e um convívio saudável com a natureza, que se mostrava extremamente hostil em alguns momentos.
A década de 40, já no espéctro da Era Vargas, marca o início da fragmentação da região da Baixada Fluminense, período no qual Duque de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis tiveram decretas suas respectivas autonomias político-administrativas. Após uma lacuna de cinco décadas foi a vez de Queimados (1990), Japeri (1991) e Mesquita (1999) se emanciparem de Nova Iguaçu, todos esses superando de longe o número de 100 mil habitantes em 2016, segundo números do IBGE. Vale lembrar que cerca de 88% dos municípios brasileiros têm menos de 50 mil habitantes, colocando a Baixada Fluminense entre as regiões mais densamente povoadas do Brasil.
Ocorre que, diferente de Mesquita, que contou com um longo processo plebiscitário, mobilizando moradores a um processo de emancipação que se inicia nos anos 50, os processos de separação administrativos dos demais municípios têm motivação estritamente política, emancipados via decreto do governo do estado, por intermédio de figuras públicas sob risco de apagamento político, que buscavam a criação de um novo nicho eleitoral com condições mais favoráveis.
É importante fechar o recorte temporal e político da região da Baixada Fluminense no texto das emancipações, citando a matéria publicada na Agência Folha, publicada no dia 12 de setembro de 1997:
O governador do Rio, Marcello Alencar (PSDB), promete investir cerca de R$ 400 milhões em obras de infra-estrutura na Baixada Fluminense até o fim de 1998. A maior parte do dinheiro vai para um conjunto de obras de saneamento e urbanização. A região é uma das mais pobres do Estado, marcada por altos índices de mortalidade infantil e criminalidade.
É no mínimo interessante notar que o vanguardismo político do século XX desenvolveu “um museu de grandes novidades” para as periferias urbanas, mascarando com obras públicas o estado Mínimo Tucano. Na mesma matéria, a Folha coloca tais obras como contrapartida do Programa Estadual de Desestatização, através do qual são passadas para a iniciativa privada, empresas públicas como o Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ), as empresas de iluminação CERJ e a Companhia Estadual de Gás CEG, perfazendo um montante previsto em 1.6 Bi a mais para o superavit do estado. Obviamente os prefeitos e vereadores da região, sobretudo os de prefeituras mais pobres, compreenderam a relevância desse montante financeiro circulando pela região, enquanto o slogan do governo do estado veiculado na mídia era: “Eu nem posso acreditar. Nem parece que é Brasil!’’. Era o discurso recorrente de um governo que alardeava a virtude de levar água, luz, esgoto e asfalto aos mais pobres.
O ano era 2002 e acontecia no bairro da Chatuba em Mesquita, a segunda e última etapa do programa Nova Baixada, em um território entre os que apresentam até hoje um dos mais baixos indicadores sociais e econômicos de nosso estado fluminense. Era um programa que destinava 350 milhões de dólares para obras de saneamento, infraestrutura urbana e educação ambiental, com vistas à despoluição da Baia de Guanabara. Cabe lembrar que o programa recebe esse nome em março de 2001, através do decreto Nº27.882 do então governador Antony Garotinho, sucessor de Leonel Brizola, que denominou de Baixada Viva aquele conjunto de intervenções urbanísticas em sua primeira edição.
Os avanços desenvolvidos não vieram acompanhados de diálogo com os territórios, onde as populações encontraram seu jeito de lidar com as diversas dificuldades urbanísticas. Diferente da ocupação desordenada em diversos bairros da Capital, a Baixada Fluminense é ocupada a partir de ruas e lotes devidamente registrados em cartórios, contado com iluminação pública e algo próximo do aceitável em relação a saneamento básico. Porém, são áreas geridas por prefeituras carentes de figuras pirolíticas com algum nível de capacitação para a gestão pública e desenvolvimento humano.
Antes favela que roça?
Alguns avanços tecnológicos marcam a história da humanidade, dando sentido concreto ao que chamamos de progresso. Construir ferrovias é sem dúvida um desses marcos histórico, sobretudo em se tratando de uma região com perspectivas de desenvolvimento como a Baixada Fluminense. Com a construção da primeira ferrovia do Brasil nodia 30 de abril de 1954, é possível imaginar que era essa a região que abraçaria com riqueza e desenvolvimento a chegada do século XX. No entanto, não foi esse o caminho literalmente trilhado. A ferocidade da natureza local, comparável à grandiosidade biológica e hídrica da Amazônia, fez naufragar as primeiras iniciativas de ocupação e desenvolvimento local.
Nossa região refuta o ditado popular que afirma que “o tempo resolve tudo”. Muitas décadas após, percebemos que, no que se refere à população, os problemas somente mudaram de caraterística.
“No tempo em que tudo aqui era mato”, é uma das falas iniciais de qualquer história contada por moradores antigos, que tenham construído suas memórias na Baixada Fluminense, sobretudo entre meados dos anos 70 e a primeira década dos anos 2000. Quem viveu em bairros como Jardim Tropical em Nova Iguaçu, Areia Branca em Belford Roxo ou Jacutinga em Mesquita, festejou a chegada da pavimentação asfáltica e a iluminação pública, sinal concreto de desenvolvimento local. Antes disso, os imensos terrenos baldios eram ocupados por criações de porcos, hortas comunitárias ou mesmo campos de futebol, oportunizando saídas para a fome e ao lazer, desenvolvidos coletivamente e é nesse período que as associações de moradores cumpriam papel fundamental na organização social e política de diversos bairros.
No entanto, o anseio de gerações anteriores por progresso em seu lugar leva os novos habitantes a ver os avanços nas questões urbanísticas como um tipo de levante anti-ambientalista. Nem mesmo a Eco 92, com suas alarmantes projeções quanto aos impactos ambientais, fez algum sentido na mente de urbanistas e gestores públicos, em relação a perspectivas de longo prazo sobre o que vemos hoje quanto às mudanças climáticas, provocadas por mãos humanas. Não cabia o desenvolvimento de estratégias de controle ambiental à população ansiosa por um bom e barato lugar para viver. O resultado é a importação de um modelo de gradativa favelização de áreas que deveriam ter suas estruturas aprimoradas, sobretudo com a criação do Fundo de Participação dos Municípios, proposto pela Constituição promulgada em 1988.
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