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Trump e Musk: "barraco", entre aliados que viraram desafetos (foto montagem: Diário do Amanhã) |
Por Ivan Machado
Acho importante contextualizar os entreveros de Trump e Musk, fazendo analogia com um modo estereotipado e peculiar para o povo brasileiro de resolver conflitos entre parte, sobretudo entre pessoas tidas como pobres, apenas ressalvando que, no caso dos dois, os objetivos são outros.
Algumas pessoas não se constrangem em verbalizar publicamente questões de relacionamento. Em alguns casos, para constranger a outra parte ou mesmo para reafirmar a própria razão. O fato é que as antigas normas de etiqueta e bons modos não são hoje virtudes a zelar, nem mesmos entre pessoas financeiramente privilegiadas, sobretudo nesses novos tempos de ressignificação das relações globais.
Agora, com redes sociais diversas à nossa disposição, fica fácil tomar conhecimento desse ou daquele papo torto, ou de alguma indireta, lançados ao mundo no bom e velho padrão “malhação do Judas”. Nesses tempos de avanços tecnológicos, falar da vida alheia não é mais algo restrito àquela escuta feita por meio de um ouvido colado na parede ou fofoca de quem toma conhecimento do alheio na fila da padaria. Agora, capturas de tela e reposts escracham supostas verdades e isso não se restringe mais ao estereótipo da vizinha aos brados, debruçada em sua janela, discorrendo sobre a traição do marido. Quem diria então que veríamos lavação de roupa suja nos bem guardados gabinetes da Whith House. E nesse cado em particular, a fofoca se dá porque as estruturas públicas foram colocadas nas vitrines do varejo global.
Quando a gente vê ali, no nosso bairro, que um vereador recém eleito está mandando no posto de saúde ou naquela vaga de creche, fica difícil não se indignar, pois estamos falando de estruturas públicas que interferem diretamente na camada mais carente da sociedade. Com as eleições de 2018 a coisa pública virou definitivamente um produto. O Brasil aprendeu então que não há nada na estrutura republicana que não possa ser fatiado e vendido no varejo ao aliado político mais próximo de quem ascende ao poder. Ocorre que esse fatiamento da estrutura estatal, muitas vezes gera celeumas entre os envolvidos, de uma forma muito diferente do que víamos, desde o coronelismo até a chegada do neoliberalismo em nosso país.
Hoje, quem define a política nacional não são mais donos de engenho escravizadas ou intelectuais acadêmicos, economistas keynesianos ou mesmo detentores de grandes acervos literários. O estado brasileiro vive hoje uma infestação de parasitas, completamente dependentes de cargos públicos ou licitações bem articuladas, compondo uma casta de novos ricos ocupando uma camada social que aprendemos a chamar de emergentes. A maioria desses estaria, no entanto, disputando mercado com seus antigos amigos no Uber ou iFood, não fossem as compras de voto ou os lobs feitos com prefeitos, ou empreiteiros. E o que falar dos militares, na maioria oriundos das periferias, que se aposentam aos 50 anos e enxergam na política uma forma de ocupar o tempo, criando uma nova função social para aquela arma de estimação.
Não é de hoje que liberais que se autointitulam Outsiders, vêm tentando transformar o Estado em empresa, sob o argumento furado de dar-lhe mais agilidade e eficiência. O Mercado, por sua vez, sente pavor da palavra “regulamentação“. Além disso, há também a possibilidade de ampliar riqueza com o domínio das estruturas burocráticas, organizando processos a partir da eleição de aliados nos parlamentos, vide as extra-oficiais bancadas ruralistas, do agro ou da bala. Quando a mídia lança a público alguma notícia que expõe as espúrias relações, não é raro ver manifestações em plenário, expondo a parte podre de vínculos antes lucrativos e amistosos entre parlamentares de direita.
Na relação entre Musk e Trump essas questões são levadas aos mais altos níveis de loucura, haja vista que ambos entram para a política já detentores de fortunas que superam o raciocínio matemático de pessoas comuns. O resultado não poderia ser pior. Em um país onde NASA, empresa pública estadunidense extremamente estratégica, privatiza a chamada “corrida espacial”, não fica difícil compreender a frustração daquele que ansiava em ser o primeiro trilionário do planeta, às custas da Terra das Oportunidades, como era vendida a imagem dos EUA aos imigrantes, no início do século passado.
Já Trump, figura que sempre fez espetáculo com seus negócios, transfere essa espetacularização midiática para a gestão pública, nesse seu segundo mandato presidencial. Nós brasileiros conhecemos bem esse perfil de empreendedor governamental, através das figuras de João Dória em São Paulo e Romeu Zema em Minas Gerais, ambos buscando implementar a ideia de estado Mínimo onde há carência de atenção máxima do Estado. O resultado é o desmonte de estruturas que garantam suporte aos menos favorecidos, haja vista que a Saúde, como exemplo, detém uma fatia muito lucrativa do orçamento, aos olhos de empresários do setor privado, antes de ser um direito fundamental de cada cidadão ou cidadã.
O barraco, que superou o estereótipo de moradia precária, virou verbete relacionado a confusão, tendo como referência os difíceis, prolongados e insolúveis problemas discutidos aos brados, entre pessoas pobres, em uma casa tão precária que a gritaria decorrente do conflito transpassa as frágeis paredes. Agora, essa ideia é transferida a todo e qualquer desentendimento discutido publicamente, sem o menor desejo entre as partem em sanar pacificamente alguma questão. Entre Trump e Musk, a publicidade desse desentendimento deixa claro que o mundo capitalista vê o Estado em fatias, onde o nível de influência e poder econômico são fundamentais para garantir a maior garfada nesse mercado. Viemos uma conjuntura política e econômica, na qual cada nova geração de políticos amplia-se a consciência de que a gestão do bem público é um grande CEASA, onde as melhores mercadorias devem ser disputadas no grito.