A Revolta da Chibata no discurso de Rui Barbosa
Escritor, Diplomata,
Jornalista, Jurista, Advogado, Rui Barbosa que nasceu na Bahia em 5 de novembro de 1849, no auge da escravidão e um
ano antes da Lei Euzébio de Queiróz, conheceu bem de perto os efeitos da discriminação e se posicionava
politicamente quanto aos direitos civis, inclusive compondo a primeira comissão
brasileira à Convenção de Haia em 1907 na condição de Vice-chefe. Pouco
conhecimento existia por parte da sociedade da época quanto as condições de
trabalho das praças de baixo escalão, sobretudo no que diz respeito aos marinheiros, que em sua
esmagadora maioria era analfabeta e filhos de ex- escravos. No entanto, a
Marinha do Brasil também propiciou sem saber, um intercâmbio que se tornou
fundamental para o entendimento de quais seriam os anseios e necessidades
básicas da Marinha de Guerra em outros países. Rui Barbosa então deparou-se com
uma grande oportunidade de debater e fazer alavancar no Brasil as primeiras e
efetivas mudanças estruturantes para minimizar ao menos no campo da legalidade
a discriminação de cor, a partir do Legislativo.
A voz do povo: Revolução ou golpe
de Estado
A República ainda era jovem aos
olhos do povo. Muitos dos defensores do novo sistema estiveram muito próximos
da corte, à exemplo do próprio Rio Barbosa que chegou a ser oficialmente um
Conselheiro do Império. Por outro lado, era já uma prática política muito comum
a atuação de militares na política. Particularmente no ano de 1909 uma acirrada
campanha eleitoral dividia as opiniões entre militares e “civilistas”, como
eram chamados os militantes que pregavam o afastamento daquela classe do jogo
político. No entanto foi o Marechal Hermes da Fonseca o eleito, sendo o Senador
Rui Barbosa derrotado, tornado-se então o líder principal da oposição. Uma coincidência
interessante é que o fato ocorreu na mesma data em que o Marechal Deodoro da
Fonseca, Tio do Presidente Recém eleito, foi deposto, dando lugar a Floriano
Peixoto, também militar. Nas ruas ouvia-se rumores constantes, sobretudo no que
se refere a direitos civis a avanços no campo social que garantisse melhores
condições de vida para a população. Por outro lado, as oligarquias zelavam pela
manutenção de privilégios a acesso ao poder e Rui Barbosa de origem nordestino
era então um grande defensor de mudanças estruturantes na sociedade da época. no
dia seguinte ao evento em que os
amotinados marujos tomaram o Minas Gerais, os jornais estampavam manchetes como
Revolução no Rio, entendendo que uma
iniciativa de tal envergadura somente se justificaria em caso de golpe de
Estado e por elementos tomados por interesses ligados ao poder central, por
conta da ameaça ao Palácio do Governo com o uso de tão potente máquina de
guerra. Um
periódico paulista chamado A Ilustração
Brasileira compara a motivação e ação dos amotinados com fatos supostamente
similares ocorridos na Europa:
Na são até freqüentes as greves militares baseadas na queixa de má
qualidade das rações; em França, ainda há pouco tempo a marinhagem de uma
divisão de couraçados aproveitou a visita do presidente da República para
reclamarem contra o descuido na alimentação das guarnições. Mas no nosso caso o
levante não se limitou a recusa de serviço e gritos subversivos; houve ameaça
brutal de guerra, de agressão feroz, houve o aprisionamento de nossos melhores
vasos de guerra, assassinato de oficiais e – o que é mais – um alarde
censurável de forças, humilhar todas as autoridades constituídas e portanto a própria
nação.
É fato que era uma afronta à
oficialidade da Marinha de Guerra que os dois navios mais poderosos da América
Latina fossem dominados por um contingente de marujos analfabetos, rudes e – ao
que pensavam eles – despreparados. No entanto não era essa a realidade a bordo
do São Paulo e do Minas Gerais.
Castigos na forma da Lei
Os castigos físico impostos a praças eram
uma forma a mais de punir um marujo
infrator. João Cândido que já estava a mais de dez anos na marinha, foi
rebaixado de cabo à soldado de primeira classe por levar à bordo um baralho de
cartas. É claro que o nível de desordem e insubordinação era grande. Uma
jornada de trabalho longa e insalubre, com baixos salários e pouquíssimas possibilidades de ascensão fazia da vida nos
navios uma tarefa extremamente dura. Rui Barbosa em seu discurso no dia 23 de
novembro de 1910 esclarece.
Navios construídos para 900 homens de tripulação, não podem ser
guarnecidos, asseados e conservados por
300 marinheiros. Qualquer de nós pode avaliar a imensidade, a enormidade da
carga posta sobre os ombros dessas
criaturas por uma diferença tamanha entre os serviços que lhe impõem e as
forças de que elas podem dispor.
Um Regulamento Disciplinar que
era utilizado desde o Século XVIII foi modificado a partir da República. Antes
disso as chibatadas eram lugar comum na Marinha do Brasil, sendo reduzidas a no
máximo vinte e cinco em cada ato infracionário. no entanto acrescentava-se reclusão à punição imposta. Além do pedido do fim dos c astigos físicos, sobretudo o castigo da chibata, os
marujos um pouco mais esclarecidos pediam um acesso à educação além da questão
do soldo, haja visto que era impossível a aceitação da reivindicação que
antecedeu a todas as outras, que era o afastamento dos oficiais que se excediam
nesse tipo de punição. Com a chegada dos “vasos de guerra” Minas Gerais e São
Paulo, a carga de trabalho e de responsabilidades se multiplicou com ele as
inevitáveis punições. O oficial médico Raja Gabaglia relata ao Senador Rui
Barbosa o que viu em uma de suas visitas a uma marujo convalescente:
Tão generalizado está o deprimente hábito que comandantes de
merecimento não se envergonham de anotar
nos livros de castigo sinais convencionais a fim de – impunemente – iludir a
lei; por exemplo, onde se lê quatro horas de golinha ou seis horas de barra,
aplica-se um número de chibatadas (...) presenciei o castigo de um foguista com
oitocentas chibatadas de uma só vez. Sei que aprendiz marinheiro tem sido
castigado com 125 bolos de uma só feita; é banal a aplicação de três penas pelo
mesmo delito.
Tais punições eram de total
desconhecimento da população geral que aceitaram facilmente a motivação atribuída
à insurreição injusta e descabida, haja visto que a nobre Marinha de Guerra era
um dos maiores motivos de orgulho para a Nação Brasileira, onde só os mais
capazes e inteligentes teriam condições de exercer alguma atitude de comando e
controle.
A marujada no comando
Segundo o jornal O Paiz de 23 de novembro de 1910, O Almirante
Batista das Neves retorna ao Minas Gerais por volta das 22h de um banquete oferecida pelo capitão de mar e guerra De La
Croix, comandante de uma fragata francesa. Encontrou ali uma “incontrolável balburdia” pós a punição
de duzentas chibatadas no marinheiro Marcelino Rodrigues. Os demais marinheiros
atiravam objetos e peças de navio nos oficiais. Nesse confronto, tombaram o Almirante,
comandante do Minas Gerais e mais dois oficiais. Envolveram-se o encouraçado
Deodoro e o cruzador Bahia, onde morreu o capitão-Tenente Mário Alves de Sousa.
No São Paulo, um outro oficial. Rapidamente os amotinados tomaram o navio e
isso foi fruto de uma inteligente articulação. É um engano acreditar que ali
estavam apenas marujos analfabetos e incompetentes. Cabe observar que aquela
marujada esteve na Inglaterra, onde acompanhou os últimos ajustes do Minas e do
São Paulo, conduzindo-os ao Brasil após aprender as funções e usos de todas as
capacidades mecânicas dessas máquinas de guerra, claro que por conta da
manutenção dos mesmos. Soma-se a isso o fato de que, entre esses marinheiros encontrava-se Francisco Dias Martins, o Mão Negra que foi fundador de uma
associação literária. Em carta entregue à oficialidade do Minas, ele escreveu: lembrem-se da esquadra russa! Referindo-se
a tripulação do navio encouraçado Potemkim,
no ano de 1905, onde os marujos tomaram os navio exigindo melhores condições de
trabalho, alimentação e salário. Diversos encontros secretos foram realizados,
preparando a ação. Algumas inclusive durante a estada na Inglaterra, onde a vigilância
era menos intensa. As reivindicações dos marinheiros eram as seguintes: afastamento dos oficiais considerados incompetentes e, segundo a carta entregue ao Presidente Hermes da Fonseca, incompatíveis com o perfil de um oficial da Marinha brasileira. Além disso pediam mudanças no Código Penal e Disciplinar da Armada, de modo a extinguir o uso de castigos físicos. Almento do soldo, escala de serviço, diminuindo a estafante carga de trabalho e garantia de acesso à educação para os marujos eram as reivindicações encaminhadas ao Chefe do Executivo e corroboradas no Senado, sobretudo por Rui Barbosa em discurso aos seus colegas de Lelgislativo.
Um Senador na luta pela anistia

No programa com que me apresentei na luta eleitoral, na última eleição
de Presidente da República, reclamava eu, Sr. Presidente, para o marinheiro e
para o soldado, o aumento do soldo e a extinção dos castigos servis, a que o
marinheiro e o soldado continuavam no exército e na marinha(...) Estou persuadido
intimamente de que a grande parte, AM maior parte, dos males sociais pelos
quais ainda pena-se no Brasil, se deve à influência moral da escravidão, há
tantos anos entre nós extinta.
João Cândido, considerado
almirante da esquadra revoltosa, coloca exatamente a anistia dos amotinados
como necessidade fundamental. Ciente de tomar um caminho sem volta em prol do
dos castigos físicos, teve na ação eficaz de Rui Barbosa junto ao Legislativo,
um fundamental apoio sob o ponto de vista da legalidade, para além das meras
palavras do Ministério da Marinha, ambos conhecimento do perfil conservador e
agressivo da oficialidade brasileira.
O Senador, na defesa de seu ponto
de vista, traz á tona o que é a sociedade da época. uma nova e ainda inacabada
pintura de país, separando pela cor da pele um cidadão do outro. É claro que a
luta política também era, para além das forças armadas, um rincão de dominação para além do poder. As oligarquias,
os grandes produtores rurais ainda estavam aí, espalhados pelo Brasil local,
com sua cultura de ocupação de espaço. Negar o subordinado com capacidade de assimilação
e liderança também era um mecanismo de poder muito claro para Rui Barbosa, que
acompanhava bem de perto a vida da Nação, consciente da linguagem necessária
para dialogar com as bases da sociedade, sem necessariamente, estar em tempo
real no controle do sotaque do povo. Todavia, por sua longa jornada, sabedor de
que o mundo demandava um estado mínimo de cidadania, ainda distante do Brasil
que amava.
A REVOLTA da marinhagem. São Paulo. São Paulo, n.1779, 30 nov. 1910. p.2. B (APESP)
A REVOLTA da marinhagem. São Paulo. São Paulo, n.1779, 30 nov. 1910. p.2. B (APESP)
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Referências:
Obras Completas de Rui Barbosa - Discursos Parlamentares - Senado Federal Vol 37 tomo III - 1910
João Cândido e a Chama da Liberdade - NASCIMENTO, Alvaro Pereira do - CEAP, 2010
Jornal O Paiz - 23 de novembro de 1910, Rio de Janeiro
Senado Federal - Portal Publico
Arquivo Geral do Estado de São Paulo - Acervo digital
Iconografias: Periódico A Ilustração Brasileira - 01 dezembro de 1910
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