terça-feira, 6 de agosto de 2024

OLIMPÍADAS 2024 – EUROPA, IMIGRAÇÃO E A NOVA CORRIDA DO OURO

 



As últimas edições das Olimpíadas vêm mostrando a nova cara do protagonismo esportivo europeu, no cenário internacional. A quantidade de africanos, latinos e asiáticos levantando bandeiras de países europeus destoa do acentuado crescimento da extrema Direita naquele continente, deixando claro que não há uma contradição histórica, mas sim uma nova forma de apropriação dos corpos, visando ampliar a grandeza de um país, mais uma vez mostrando assim uma nova cara da “corrida do ouro”, que eles mesmos inauguraram.

A Escravidão de pessoas negras, no que se refere ao uso do ser humano como forma de concentração de riqueza e demonstração de poder, continua sendo o capítulo mais hediondo no processo que chamamos de civilizatório. Paralelo a isso, a premissa de desumanizar o escravizado e descredenciar suas construções culturais, tornou-se uma necessidade, em se tratando de naturalizar a submissão do outro e justificar o distanciamento entre pessoas esteticamente diferentes. Quando um país europeu como a França, em pleno Século XXI, admite selecionar atletas africanos às suas equipes olímpicas, me leva a questionar a dicotomia entre o crescimento da extrema-direita naquele país e a necessidade de elevar seu número de medalhas de ouro. Questiono então se é possível que as Olimpíadas de Paris em 2024 reflitam uma nova forma de valorização da grandeza nacional, reciclando o antigo método de apropriação da força de trabalho negra, todavia com novos códigos e algumas concessões. Ou seria possível ignorar as constantes críticas do jogador Mbappe às recorrentes expressões de racismo sofridas por ele em solo francês? Cabe observar que, em linhas gerais, tal reação não ocorre em situações opostas, onde estrangeiros ocupam, lugares de protagonismo nos chamados “países em desenvolvimento”, quase que em condições de direito adquirido.

Em alguns casos, a imigração europeia em terras brasileiras atualmente nos remete a um modelo capitalista de miscigenação, nos levando a crer que só é possível avançar, se o intercâmbio com a europeu for uma condição sine qua non. No dia 30 de julho último, o jornalista Raul Justi Lopes publicou matéria, na qual aborda a questão da conquista de medalhas olímpicas que dificilmente seriam conquistadas por algumas nações, sem que imigrantes integrassem suas equipes. O colunista do UOL retoma a ideia de “Complexo de  Vira-lata”, usada por Nelson Rodrigues, ao apontar que nosso país não é atraente para imigrantes, nos dias de hoje, em relação ao nosso passado. Segundo ele:

“O Censo brasileiro nem indica quantos professores estrangeiros atuam nas universidades brasileiras. O número deve ser menor ainda. Mas certamente há mais docentes estrangeiros na Universidade de Pequim que na Unicamp ou na Unesp (...)A ‘viralatagem mor’ é bloquear a possibilidade de termos chineses, americanos ou europeus por aqui, com a desculpa de que não teríamos como competir, nem aprender. É de uma falta de fé total no nosso potencial” - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/raul-juste-lores/2024/07/31/olimpiada-jogos-paris-celine-dion-vira-lata.htm?cmpid=copiaecola

Será mesmo que nosso país tem atrativos ou riquezas a serem apreciados, mas não plenamente no sentido intelectual, como aborda o jornalista, nesse parágrafo de seu texto? Nossas riquezas culturais não são fator de disputa de espaço na vitrine internacional, ainda que a construção de nossa identidade nacional tenha sido forjada fundamentalmente através da miscigenação e interação com outros povos, inclusive o europeu. Quando existiram incentivos governamentais para a vinda de estrangeiros, o Brasil sofria com a ideia de que nossa negritude nos transformava em uma nação de preguiçosos e “incultos”. É sempre bom relembrar que fomos colônia portuguesa e, mesmo com a presença da família real a partir de 1808, continuamos sendo vistos como sub-povo, carente da presença de “povos evoluídos” entre nós, na esperança de que o futuro nos garantisse espaço no mundo civilizado.

O que nos diferencia dos países europeus de histórico escravocrata é exatamente esse desapego pela disputa de hegemonia cultural, política e, porque não dizer, esportiva também. Diferente dos anos da Guerra Fria, a União Europeia tem no esporte um sentido de unidade, que, na prática não se reflete nos jogos, inclusive pela tendência de endurecimento nas relações com imigrantes, a partir da influência dos partidos de Estrema Direita entre países como a França e Alemanha. Já em se tratando de Brasil, se considerarmos a passagem de mais de uma dezena de craques europeus por clubes brasileiros nos últimos vinte anos, nos daremos conta de que nossa relação com atletas latino-americanos é mais promissora. O grande número de atletas vindos de países vizinhos atuando no futebol brasileira já não nos assusta faz tempo, demonstrando que o tal “viralatismo brasileiro” é relativo, sobretudo no mundo dos esportes.

É nítida a nós a estratégia de países europeus, na busca por um quadro de medalhas que reflita sua almejada grandeza nacional. Porém, no sentido patriótico, há incômodas controvérsias que desmontam o ideário de elevação de virtudes olímpicas, sobretudo quando a realidade política é contraditoriamente e gritante. Não atoa, a China se alterna na liderança dessas olimpíadas com os EUA. País que, de fato, assume sua necessária mistura de origens como virtude para se manter no topo e onde as divisões étnicas já não causa estranhamento a nós, muito menos entre eles. Vale também lembrar que Japão, que não nega em nenhum momento sua opção pelo isolamento cultural, se coloca à frente de antigos colonizadores como Espanha, Alemanha, Bélgica e Portugal, que inclusive ocupa as últimas posições no quadro de medalhas.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

OUTUBRO ROSA, A PORTA DE ENTRADA DO NOVEMBRO AZUL?

 


O CCPBF tem se deparado na prática com a realidade que já conhecemos, que é o desapego dos homens a qualquer tratamento preventivo de saúde, o que nos leva a refletir sobre quais mecanismos adotar para o enfrentamento de doenças como Tuberculose, câncer da próstata ou as corriqueiras mas não menos alarmantes, hipertensão e diabetes. 

Bastariam os dados do INCA, apontando que aproximadamente 1% dos casos de câncer de mama são atribuídos aos homens. Porém, o Outubro Rosa tem caráter fundamental de adesão do público masculino ao Programa de Saúde do Homem, sobretudo por sua visibilidade nacional. Nesse caso não é apenas o apoio e a solidariedade dos homens em relação as mulheres ao seu redor, que deve ser colocado como prioridade, mas também que não sejam só as mulheres que devam ter o serviço público e gratuito de saúde como algo relevante à sociedade, considerando que existem estratégias de saúde inclusive para o público masculino.  

Durante a gestão do então Ministro da Saúde José Gomes Temporão, o SUS já apresentou experiência de buscar uma maior aproximação do público masculino ao trabalho de prevenção da saúde o que, por fim, não deu muito certo. Segundo o Ministério da Saúde,  " Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) foi implementada em 2009 com o objetivo de promover a melhoria das condições de saúde da população masculina brasileira, contribuindo para a redução da morbidade e da mortalidade dessa população, abordando de maneira abrangente os fatores de risco e vulnerabilidades associados" 1

Ocorre que os homens acessam bem menos as Unidades de Saúde, que são a forma de acessar o SUS. Os homens, no geral, não dão a devida atenção às ações de prevenção, o que contribuiu com o declínio do programa, que prevê atenção a cinco fatores fundamentais:

  1. Acesso e Acolhimento: objetiva reorganizar as ações de saúde, por meio de uma proposta inclusiva, na qual os homens considerem os serviços de saúde também como espaços masculinos e, por sua vez, os serviços reconheçam os homens como sujeitos que necessitam de cuidados e acesso à saúde;
  2. Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva: promove a abordagem às questões sobre a sexualidade masculina, nos campos psicológico, biológico e social. Busca respeitar o direito e a vontade do indivíduo de planejar, ou não, ter filhos;
  3. Paternidade e Cuidado: busca sensibilizar gestores (as), profissionais de saúde e a sociedade em geral sobre os benefícios da participação ativa dos homens no exercício da paternidade em todas as fases da gestação e nas ações de cuidado com seus (suas) filhos (as), destacando como esta participação pode contribuir a saúde, bem-estar e fortalecimento de vínculos saudáveis entre crianças, homens e suas (seus) parceiras (os);
  4. Doenças prevalentes na população masculina: reforça a importância da atenção primária no cuidado à saúde dos homens, facilitando e garantindo o acesso e a qualidade dos cuidados necessários para lidar com fatores de risco de doenças e agravos à saúde mais prevalentes na população masculina;
  5. Prevenção de Violências e Acidentes: visa a conscientização sobre a relação significativa entre a população masculina e violências e acidentes. Propõe estratégias preventivas na saúde, envolvendo profissionais e gestores de saúde e toda a comunidade.

segundo o DVIASHV, que monitora dados de Tuberculose e HIV/AINDS, os homens sofrem o dobro da incidência de Tuberculose em relação as mulheres, numa proporção de 4,3 casos por 100 mil, enquanto os números são de 21,2 no caso das mulheres. Números que demonstram o tamanho do distanciamento dos homens em relação ao serviço público de saúde. Além disso, vale lembrar que esses números refletem dados oficiais. Ou seja, é possivel que essa disparidade entre mulheres e homens seja ainda maior, se considerarmos que muitos casos não chegam a ser notificados, devido a não visita dos homens ao posto de saúde. 

Então, a maior relevância do Outubro Rosa é sua visibilidade, que pode contribuir significativamente para o acesso dos homens ao Novembro Azul. Longe de lançar sobre a mulher mais uma responsabilidade em relação aos homens, entendemos ser fundamental que a cultura da atenção básica a saúde seja reafirmada nos nos lares. Entendemos que o machismo, por mais estranho que pareça, impõe uma forte carga de medo sobre os homens que, por sua vez, se sentem responsáveis por uma imagem de ser invencível, sobretudo diante de suas famílias. 

Precisamos urgentemente levar os homens ao convencimento de que, pedir ajuda, não é um fator depreciativo, muito pelo contrário. 

A LEI PAULO GUSTAVO E OS DESAFIOS DO PACTO FEDERATIVO NA CULTURA

 

Artistas, em contante expectativa quanto aos rumos das políticas culturais 

Pacto Federativo é um conjunto de regras constitucionais que determina a divisão de responsabilidades entre a União, os estados e os municípios (CF Arts. 1;18).


Foram quatro anos de lutas constantes, resistindo a um governo que, declaradamente, se posicionou como inimigo da cultura e dos agentes culturais. Superado esse período de trevas nas políticas públicas de cultura e nas relações institucionais, vivemos o desafio de esticar as lonas e re-pavimentar caminhos, ainda sob a resistência de muitos gestores que apoiavam abertamente um modelo centralizador e avesso à participação popular, em discordância com nossa Constituição.

Para ilustrar o tema, é no mínimo interessante observar o paralelo entre a Covid-19, que ainda mata cerca de vinte brasileiros por dia, e o modelo anterior de gestão pública, que mantém seus tentáculos nas prefeituras da Baixada Fluminense como vemos hoje. Ainda que o número de mortos seja bem menor, e o diálogo com o governo federal esteja em franco processo de retomada, ainda percebemos consequências pouco saudáveis daquele momento surdez  administrativa, como percebemos em relação à execução da Lei Paulo Gustavo até o momento.

Como muitos de nós sabe, a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo são duas iniciativas legislativas voltadas ao apoio e ao fomento do setor cultural brasileiro, que foi fortemente afetado pela pandemia de Covid-19. Para termos uma visão mais clara sobre o que foi esse constante vai e vem e seus impactos na relação entre os entes federativos e demais instâncias de Poder, traçamos aqui uma linha do tempo, demonstrando o duro processo de efetivação de um apoio justo à classe artística, grupos tradicionais, técnicos, produtores e demais agentes culturais por todo Brasil, com impacto direto em nossa Região, bem como a resistência do governo anterior à sua execução:

Junho de 2020: A Lei Aldir Blanc (Lei n.º 14.017) é sancionada, prevendo o repasse de R$ 3 bilhões a estados, municípios e Distrito Federal para medidas de apoio e auxílio aos trabalhadores da cultura atingidos pela pandemia. A lei é uma resposta da sociedade brasileira ao impacto da crise sanitária no setor cultural e uma homenagem ao compositor e escritor Aldir Blanc, que faleceu vítima do coronavírus.

Janeiro de 2021: A Lei Aldir Blanc é prorrogada por meio da Lei n.º 14.150, que amplia o prazo para utilização dos recursos e estende o auxílio emergencial aos trabalhadores da cultura.

Julho de 2021: O então presidente da República edita uma Medida Provisória (MP) que altera leis de apoio financeiro ao setor cultural, incluindo a Aldir Blanc. A nova determinação autoriza o Governo Federal a destinar os recursos, desde que respeitadas as disponibilidades orçamentárias e financeiras. Porém, protela os prazos para o repasse. A MP é vista como uma tentativa de inviabilizar a execução da lei e de desrespeitar a autonomia dos entes federativos na gestão dos recursos.

Agosto de 2021: O Supremo Tribunal Federal (STF) anula a MP e determina que os recursos da Lei Aldir Blanc sejam repassados aos estados, municípios e Distrito Federal, conforme previsto na legislação original. A decisão é comemorada pela classe artística e pela sociedade civil, que se mobilizaram em defesa da lei.

Julho de 2022: A Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar n.º 195) é aprovada, viabilizando o maior investimento direto no setor cultural da história do Brasil. São R$ 3,862 bilhões para a execução de ações e projetos em todo o território nacional. A lei é, também, um símbolo de resistência da classe artística e uma homenagem a Paulo Gustavo, artista símbolo da categoria, vitimado pela Covid-19.

Agosto de 2022: O Executivo tenta impedir os repasses da Lei Paulo Gustavo por meio do veto integral da lei, alegando inconstitucionalidade e falta de previsão orçamentária. O veto é criticado pelo segmento artístico-cultural e pela sociedade civil, que acusam o governo de negligenciar a cultura e de desrespeitar a memória de Paulo Gustavo.

Setembro de 2022: O Congresso Nacional derruba o veto presidencial e promulga a Lei Paulo Gustavo, garantindo a sua execução. A decisão é celebrada pela classe artística e pela sociedade civil, que se engajaram na campanha #DerrubaVetoPauloGustavo nas redes sociais.

Março de 2023: A recriação do Ministério da Cultura abre o caminho para a plena execução da Lei Paulo Gustavo. Após um intenso processo de escuta, a pasta edita o decreto regulamentar da lei, permitindo que estados, municípios e Distrito Federal pleiteiem a verba.

Novembro de 2023: Diversos estados e municípios lançam editais, chamamentos públicos, prêmios e outras formas de seleção pública para destinar os recursos da Lei Paulo Gustavo aos fazedores de cultura. A proposta é que trabalhadores da cultura tenham acesso aos valores por meio desses mecanismos, que contemplam diversas áreas das artes, com respeito à diversidade e à democratização cultural.

Ocorre que o Governo Federal e a Secretária de estado de Cultura e Economia Criativa-SECEC, pelo bem do que chamamos de Pacto Federativo, vêm buscando uma aproximação com os municípios, que nem sempre aderem ao princípio constitucional de que a cultura é um bem inalienável do povo brasileiro, como determina o Art. 215 de nossa Carta Magna. A LPG prevê que estados e municípios deveriam realizar “oitivas”, de modo a receber contribuições da sociedade civil na elaboração dos chamados Planos de ação que, por sua vez, foram encaminhados ao MinC para apreciação. Pelo que foi apurado, poucos planos de ação sofreram veto ou alguma proposta de alteração. O município de Mesquita-RJ, por exemplo, teve seu Plano de Ação aprovado na íntegra, mesmo após diversas alegações e observações feitas pela sociedade civil que, na prática, não foi ouvida no período de oitivas.

No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, 08 dos 92 municípios não realizaram conferências municipais e suas respectivas oitivas para receber os recursos da LPG. São eles: Angra dos Reis, Araruama, Carapebus, Piraí, São José do Vale do Rio Preto, Saquarema e Sumidouro. As conferências municipais deveriam ser realizadas até o dia 08 de outubro, conforme regulamentação da 5ª Conferência Estadual de Cultura. Ainda assim, a SECEC definiu os Encontros Setoriais de Cultura como mecanismo alternativo para eleição de Delegados à Conferência estadual, de modo a possibilitar que agentes culturais não fossem excluídos do encontro. Citando mais uma vez Mesquita, a gestão municipal da cultura agendou sua Conferência para o dia 21 de outubro e, portanto, fora do prazo definido pela SECEC, teve sua agenda corroborada pelo MINC, inclusive com a presença de representante do Ministério no conclave. A justificativa dada na ocasião pela Secretária dos Comitês de Cultura do MINC, Roberta Martins, foi a de que “estamos em um novo tempo de repactuação e que todos nós, sociedade civil e governos, devemos olhar pra frente”.

Entendemos que, de fato, estamos em um novo tempo de reconstruir pontes e repactuar políticas, de modo a retomar o respeita a princípios básicos como a descentralização de recursos financeiros a estados e municípios. Todavia, esses novos ares devem ter como premissa a aproximação com a cadeia produtiva da cultura que, de fato, é o público alvo das políticas públicas.  Nós, agentes culturais, vemos com muita preocupação a possibilidade de que o marco legal da cultura se torne volátil a ponto de aproximar governos e perpetuar o distanciamento entre gestores e a sociedade civil. Me vem à mente a ideia de Gramsci, quando afirma que o Estado (brasileiro, no nosso caso), é composto de sociedade civil e sociedade política, dando a entender que é letal à democracia que essas duas instâncias sejam adversárias, sobretudo quando os poderes constituídos pactuam apoio mútuo e espaços de consenso.

 

 

terça-feira, 29 de agosto de 2023

LEI PAULO GUSTAVO, UM FATO NO GOVERNO LULA

Lula assina LPG, com a Min. Margarete Menezes


Não há como negar que o termo “progressista” se adequa perfeitamente ao terceiro governo Lula, a frente das decisões políticas de nosso país. Ao optar por Margarete Meneses para ocupar o lugar de decisão mais elevado do país no tocante a políticas culturais, Lula acerta. Uma mulher negra, produtora e gestora cultural como Menezes reflete a verdadeira face do que significa produzir arte, renda e, ao mesmo tempo, representar a imagem de nosso país pelo mundo. No entanto, há uma vasta cadeia produtiva que ainda se recupera da recessão econômica desde 2016, dos efeitos da Covid-19 e dos desgovernos da presidência anterior. É nesse sentido que surge, por parte de parlamentares da Esquerda brasileira, a iniciativa de propor uma lei capaz de minorar os impactos de tantas adversidades na vida de quem vive da e para a cultura nacional.     

Lei Paulo Gustavo (LPG)2 é uma lei que foi criada para apoiar o setor cultural diante dos desafios impostos pela pandemia da Covid-19. A lei, batizada em homenagem ao popular ator e humorista brasileiro que morreu de Covid-19, prevê o repasse de R$ 3,862 bilhões a estados, municípios e Distrito Federal para ações emergenciais de combate e mitigação dos efeitos sociais e econômicos da pandemia no setor cultural1.

No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a lei foi implementada com grande sucesso. Todos os 27 estados e quase 100% dos 5.570 municípios brasileiros apresentaram propostas de projetos culturais para receber financiamento da LPG. A lei tem sido celebrada como uma ferramenta para resgatar os incentivos culturais no Brasil após anos de desmonte, com o presidente Lula afirmando que seu governo está reconstruindo uma política séria para a cultura brasileira, com geração de empregos e crescimento para o país2.

Em termos de recursos financeiros, o estado do Rio de Janeiro é a quarta Unidade Federal com mais recursos reservados pela Lei Paulo Gustavo, totalizando R$ 271,1 milhões, dos quais quase R$ 139 milhões serão geridos pelo governo estadual e R$ 132,1 milhões serão repassados aos 92 municípios fluminenses3.

A aplicação desses recursos será realizada por meio de editais lançados pelos próprios estados e municípios. O Ministério da Cultura vai liberar os recursos após aprovação das propostas2. Estes planos de ação destinam-se a garantir que cada comunidade sinta que a sua cultura, como expressão de identidade, está a ser respeitada.

A importância da cultura para os cidadãos e para o país não pode ser exagerada. A cultura é um poderoso mediador da transformação social e desempenha um papel fundamental na formação do corpo social, político e cultural de um país. A cultura enriquece nossas vidas internas e mundo emocional, ao mesmo tempo em que tem um impacto profundo em nossa economia, saúde, bem-estar e educação. Ao promover a diversidade cultural e o acesso à cultura, podemos promover a empatia, a coesão social, o crescimento pessoal e o desenvolvimento cognitivo4.

Em síntese, a Lei Paulo Gustavo representa um investimento significativo no setor cultural brasileiro e tem sido amplamente adotada por estados e municípios de todo o país. Por meio dessa lei, o Brasil demonstra seu compromisso em apoiar seu rico patrimônio cultural e promover o bem-estar de seus cidadãos. 

Leis emergenciais: de onde surgiram

A Lei Aldir Blanc (LAB) foi criada para apoiar o setor cultural diante dos desafios impostos pela pandemia da COVID-19. A lei, que leva o nome do músico e escritor popular brasileiro falecido em decorrência da COVID-19, prevê o repasse de R$ 3 bilhões a estados, municípios e Distrito Federal para ações emergenciais destinadas a combater e mitigar os efeitos sociais e econômicos da a pandemia no setor cultural². A lei foi proposta pela deputada Benedita da Silva (PT) e aprovada pelo Congresso Nacional em 29 de junho de 2020¹. Já a Lei Paulo Gustavo (LPG) é uma lei que foi criada para apoiar o setor cultural diante dos desafios impostos pela pandemia da COVID-19 e prevê o repasse de R$ 3,862 bilhões a estados, municípios e Distrito Federal para ações emergenciais destinadas a combater e mitigar os efeitos sociais e econômicos da a pandemia no setor cultural⁵. A lei foi proposta pelo senador Paulo Rocha (PT/PA) como Projeto de Lei Complementar (PLC) 73/21. Foi aprovado pelo Congresso em 2021, mas vetado pelo Governo Federal na época. Depois de muita mobilização social, esse veto foi derrubado pelo Congresso em julho de 2022⁵.

Ambas as leis representam investimentos significativos no setor cultural do Brasil e foram amplamente adotadas por estados e municípios de todo o país. Através destas leis, o Brasil demonstra o seu compromisso em apoiar a sua rica herança cultural e promover o bem-estar dos seus cidadãos.

Um governo negacionista e inimigo da Cultura nacional

O Ministério da Cultura foi criado em 1985 com a missão de ser responsável pelo desenvolvimento e implementação das políticas culturais nacionais. Porém, em 2019, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Cultura foi extinto e suas funções foram transferidas para uma recém-criada Secretaria Especial de Cultura, vinculada ao Ministério da Cidadania.

O governo Bolsonaro sempre foi criticado pela forma como conduzia as questões culturais, com uma agenda negacionista e por desconsiderar a importância da cultura nacional. Por exemplo, o governo foi acusado de espalhar desinformação sobre a Lei Rouanet, uma lei federal de incentivo a projetos culturais que está em vigor desde 1991. A lei foi falsamente acusada de ser um mecanismo de corrupção e uso indevido de fundos públicos, apesar de inúmeras auditorias e controles que demonstraram que a grande maioria dos projetos apoiados pela lei são realizados com transparência e eficiência.

É sempore importante reafirmar que a cultura é uma parte fundamental de qualquer sociedade e desempenha um papel crucial na formação da nossa identidade, valores e crenças. Apoiar e promover a cultura nacional é essencial para o bem-estar, para o auto reconhecimento de um povo e o desenvolvimento de qualquer país, de forma identitária.

sábado, 8 de abril de 2023

DICAS SOBRE A LEI PAULO GUSTAVO E SUA IMPORTÂNCIA

 




LEI PAULO GUSTAVAVO, UM AVANÇO PARA A ESTRUTURAÇÃO DA CULTURA NACIONAL

Lei promulgação no dia 08/07/22 (R$ 1.464.461,75 par Mesquita)

A LPG (Lei Complementar 195/2022) não é apenas uma forma de diminuir os impactos das crises econômica e sanitária na vida cultural e artística Brasileira. Ela também é uma lei que dá estrutura à cultura nacional, no sentido de garantir conduções para todos os municípios brasileiros estejam alinhados ao Sistema Nacional de Cultura e com isso, garantir o acesso à cidadania cultural plena tanto da sociedade como a quem integra a cadeia produtiva da cultura.

A LPG pretende vincular cada município ao Sistema Nacional de Cultura e cria um cadastro nacional de Indicadores Culturais e o mapa da cultura. A ideia é dar tempo suficiente para que cada gestão local se organize, criando seu CPF da cultura de modo que, até a execução de todo processo de recebimento e repasse dos recursos, todos os municípios envolvidos tenham seus conselhos, planos e fundos de cultura ativos.

Calendário da LPG para 2023

A previsão de regulamentação é para o mês de abril de 2023, com abertura da Plataforma Mais Brasil (agora chamada de Transfere gov) em abril, com recebimento doa planos de ação junto ao MinC, em um prazo limite de 60 dias pra aprovação. Após envio e avaliação por parte do MinC, os municípios têm 120 duas para adequar orçamentos e 180 dias para executá-los. Indicando também se os editais usarão recursos do Art. 5 referente aos Fundo do Audiovisual, do Art.8, destinados aos demais segmentos ou ambos.

O MinC pretende disponibilizar em abril uma série de documentos que darão suporte para elaboração, execução e prestação de contas. Para isso, os Comitês de Cultura estão se regularizando e se organizando para dar suporte aos municípios.

A LPG e a 4a Conferência Nacional de Cultura e SNC

A LPG pressupões garantias para a implementação dos Sistemas Municipais de Cultura e adesão ao SNC. No conjunto de definições estruturantes propostas pela LPG temos a realização encontros que possibilitem a troca de ideias entre sociedade civil e gestores. Um desses mecanismos é a exigência de encontros, como as conferências municipais, com proposta de que ocorram entre os meses de junho e agosto, onde serão estabelecidas as definições dos Sistemas Municipais. Entre os meses de setembro e outubro, conferências estaduais e conferência nacional de cultura em dezembro. Ocorre que os municípios têm seis meses para organizar seu CPF, com vistas ao repasse de recursos Fundo a Fundo, com toda essa estrutura legal estabelecida no município antes da vigência da Lei Aldir Blanc 2.

A lei prevê garantia acesso a grupos vulneráveis e ações de enfrentamento ao racismo, nos editais, daí a importância das oitivas em caráter o mais amplo possível;

A LPG não garante, em princípio, remanejamento de recursos do Audiovisual para outros segmentos, ainda que amplie, no entanto, a ideia de audiovisual, de modo a contemplar o maior número possível de agentes culturais e grupos. Os municípios dever realizar oitivas ou mecanismos do gênero, garantindo escuta pública quanto ao recebimento e gestão dos recursos e elaboração doa editais, logo após a adequação orçamentária, garantindo assim a transparência dos processos (Art.4 § 2º);

As ações contempladas devem realizar contrapartidas previstas em edital local, pactuado com a gestão local da cultura e os editais devem contemplar projetos em duas linhas de ação;

Art. 5 – Audiovisual:

Inciso I: Apoio a produções audiovisual;

Inciso II: Reforma e manutenção de salas de cinema;

Inciso III: Formação, apoio a cineclubes e festivais online/digitais

Inciso IV: Apoio a micro e pequenas do setor;

Art. 8 – Outras fontes:

Inciso I: Economia solidária/criativa;

Inciso II: Produções ou cursos já em andamento ou existentes a serem transmitidos via internet;

Inciso III: Desenvolvimentos de espaços culturais de micro ou pequenas empresas ou organizações sociais de cultura;

Vale sempre lembrar que um dos direitos garantidos na lei é a acessibilidade, de modo que pessoas com deficiência tenho pleno acesso aos bens culturais produzidos, tais como leitura em Braile para produção literária e Libras para deficientes auditivos.

Após uma ampla discussão dos gestores municipais com os agentes culturais, os valores repassados dependem de um Projeto de Lei de adequação orçamentária, junto ao legislativo municipal. Ou seja, por força de lei, o orçamento anual deve ser modificado, adequando essa entrada de recursos e sua destinação específica, que não pode ser remanejada par outros fins não sejam o apoio à cadeia produtiva da cultura e fruição de bens culturais.

O mês de abril é o prazo limite previsto pelo MinC para publicação da regulamentação, com 24 meses para prestação de contas por parte dos contemplados;

A LPG garante acesso a recursos para a cultura em caso de calamidade ou pandemia, não sendo possível repasse para demandas da estrutura municipal;

Tributação dos recursos deve ser informada aos agentes culturais com antecedência, com a possibilidade de isenção a micro projetos;

Com a prorrogação dos prazos para relatório de execução da LAB, não haverá impedimento de acesso aos agentes culturais, e os recursos da LPG  a serem repassados não podem ser menores que  aos da LAB;

Não deve haver impedimento de acesso aos recursos da LPG em caso de inadimplência dos municípios, de modo a não que os agentes culturais tenham acesso aos recursos financeiros;

A regulamentação vai abordar a ideia de “ desenvolvimento de espaços artísticos”, bem como a situação de coletivos informais e a flexibilização da Lei de Licitações (Lei. 8.666);

As contrapartidas devem ser simplificadas, inclusive cabendo orientações por parte do MinC às procuradorias de estados e municípios;

É possível a destinação de recursos para consultorias e pareceristas, além de capacitação de servidores estatutários que atuem na cultura;

 

segunda-feira, 23 de maio de 2022

QUE LUZ É ESSA NO FIM DO TÚNEL? A luta por políticas culturais e o acesso a renda em tempos de declínio pandêmico

 


 Com o veto presidencial às Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, agravado em relação as incertezas quanto a retomada da economia, me vem à mente uma frase que ouvi muito na adolescência. “Quando ouvir falar em ‘luz no fim do túnel’, cuidado. Pode ser um trem vindo na tua direção”. Ainda não é possível também identificar o que representa a luz no fim do túnel da Covid-19, tanto no contexto global quanto em nosso país, que passou da média diária de aproximadamente 80 mil casos para pouco mais de 13 mil entre maio de 2021 e maio deste ano, com números de hospitalização e mortalidade que já não são mais alarmantes, ainda que preocupantes de igual modo. O mitológico número que atingimos, de 666 mil mortes por Covid-19 no Brasil, nos dá uma noção aproximada do que cada família passou nesses últimos dois anos de medo, perdas e sofrimento, período esse que nos descolou da ideia natural de alegria e festa, sobretudo se levamos a sério o que foi a necessidade de isolamento social.  Nesse sentido, poucas coisas foram tão difíceis e traumáticas quanto se afastar dos espaços de expressão artística naquele período do qual nunca esqueceremos. Se foi duro para todas as idades e camadas sociais estar distante fisicamente das expressões artísticas, pensemos então no tamanha da perda sofrida por produtores, técnicos e artistas em geral, que contribuem para nosso estado de bem estar e felicidade. Nesse sentido a abordagem aqui consiste em traçar uma linha de raciocínio que descreva a condição de fragilidade financeira que ainda assombra toda cadeia produtiva da cultura, bem como as ações que surgiram nesses dois anos, tanto por parte da sociedade civil quanto no campo das políticas públicas com foco na cultura em nosso país. 


Com a adoção da estratégia de isolamento social, gradativamente as casas noturnas, teatros e demais espaços de fruição de bens culturais entenderam que o estado de Pandemia declarado pela OMS em 11 de março de 2020 deveria ser acatado. Com a vertiginosa queda na renda, no entanto, muitos artistas literalmente se desesperaram, considerando que para essa categoria de trabalhadores o público sempre foi fator fundamental no que diz respeito a geração de renda. O músico e produtor mineiro Rodrigo Unno, diante da situação difícil com a qual se deparou naquele momento, optou por uma estratégia diferenciada que surgia, que foram as lives, através das quais os shows e demais espetáculos poderiam ser transmitidos via plataformas digitais na internet. “Era investir ou fechar o estúdio”, afirmou Unno em entrevista ao canal da UFMG no Youtube, diante do impasse no qual vivia naquele momento. A partir de abril daquele ano então, boa parte dos produtores passaram a direcionar os recursos que lhes restavam para estruturas audiovisuais como filmadoras, refletores entre outros equipamentos específicos de produção de vídeo, como tentativa de diminuir os impactos do isolamento social, possibilitando também uma aproximação entre artista e público. 


Foi no dia 28 de março de 2020 que a produção do cantor sertanejo Gustavo Lima abriu as porteiras da internet para um show ao vivo, que se transformaria rapidamente em alternativa para o público brasileiro carente de entretenimento. Em cinco horas de show o cantor fez uma performance em um formato indireto, com o qual muitos outros artísticas precisariam se acostumar. As lives se tornaram em boa medida naquele momento uma saída para artistas, sobretudo músicos que, por sua vez, mobilizavam uma equipe técnica grande em muitos casos. No dia 08 de abril de 2020 se deu o que foi considerado o ponto alto dessa tendência no mundo. O show da cantora goiana Marilia Mendonça transmitido ao vivo, contou com mais de 3,3 milhões de visualizações e foi considerado o mais assistido simultaneamente no mundo, contando com maquiadores, iluminador, eletricista, entre outros profissionais além de seus músicos. A principal virtude desses shows transmitidos via internet foi a visibilidade que eventuais patrocinadores perceberam, garantindo assim o cachê desses artistas e sua produção mas, acima de tudo, mostrando que de fato surgia uma nova forma de visibilidade midiática. Entre artistas menos conhecido houveram também avanços interessantes quanto ao uso de tecnologias digitais para financiamento dos shows. O uso do QRCode foi amplamente usado nesse período, podendo direcionar o público à uma conta corrente, inclusive sendo útil para fidelizar o público ao artista através do acesso com o próprio celular. Em novembro do mesmo ano o mercado financeiro apresenta o PIX, uma inovação que surge exatamente no momento em que a crise financeira se agrava em decorrência da pandemia. Importante observar o fato desse mecanismo ser isento de tarifas bancárias, além de zerar a burocracia quanto ao tempo de transferência entre bancos diferentes, o que acabou dando mais um fôlego às lives, através das quais os artistas pediam seu cachê bem diante de seu público e com inédita e oportuna agilidade de acesso ao montante levantado. 


A plataforma Google chegou a divulgar em agosto de 2020 que aproximadamente 85 milhões de pessoas assistiram live até aquele mês. No entanto o agravamento da crise financeira no Brasil e as dificuldades do público em contribuir com seus artistas favoritos se tornou mais um entrave no desenvolvimento econômico a partir de nossa produção cultural. Nesse contexto diversos movimentos populares e a Comissão Parlamentar de Cultura no Congresso Nacional já vinham fazendo discussões dentro e fora do Legislativo, no sentido de articular a publicação de lei capaz de atender a classe artística, haja vista que o Decreto Legislativo No 6 de 20 de março do mesmo ano dava conta de reconhecer o estado de calamidade pública, possibilitando que medidas emergenciais fossem adotadas no sentido de viabilizar mecanismos de aporte de recursos financeiros em prol da cultura. Na esteira do Decreto de Calamidade Pública a Deputada Federal Benedita da Silva apresentou na Casa Legislativa o PL 1075/20, que na verdade tornou-se um texto de consenso, considerando que outros Projetos de Lei de apoio a cultura já estavam em fase de discussão. Ocorre que o agravamento da situação dos artistas motivou a categoria a criar uma ampla mobilização entre parlamentares, o que surtiu um efeito extremamente positivo. Em 26 de maio o texto foi aprovado no Plenário da Câmara e transformada na Lei Ordinária 14017/20 em 30 de junho. A Lei recebe então o nome de Aldir Blanc, compositor que morreu em consequência da Covid-19 em 04 de maio.  


A Lei Aldir Blanc tem seus recursos financeiros em um montante de 3 bilhões de Reais extraídos do Fundo Nacional de Cultura e 3% da renda das loterias federias repassados aos estados e municípios, de modo a garantir três parcelas de um auxílio mensal de 1.045 reais a cada agente cultural, além de recursos para manutenção dos espaços culturais não governamentais. bastava cada beneficiado comprovar sua prática artística por pelo menos 24 meses, além de comprovar também o não recebimento de outros benefícios governamentais ou fonte de renda continuada. Do montante dos recursos 20% deveria se destinar a editais públicos de fomento, garantindo que fossem realizados projetos online, obedecendo a necessidade distanciamento social. Ocorre que os indicadores da pandemia davam conta de que a Covid-19 estava longe de entrar numa fase de declínio e o decreto de Calamidade Pública tinha vigência até 31 de dezembro daquele ano. Logo se fez urgente discutir a prorrogação da Lei Aldir Blanc. Os recursos previstos para a execução desse abrangente projeto, porém, não foram totalmente utilizados e havia riscos de recolhimento do saldo para os cofres da União. Logo uma longa quebra de braço se deu entre o Parlamento juntamente com a classe artística em esfera nacional, em ação contrária ao governo, que via com grande interesse o saldo da Lei 14017/20 não executado de aproximadamente 700 milhões de Reais. Naquela primeira etapa de mobilização, chega a um total de 75% de projetos de execução enviados ao governo, totalizando 4.178 municípios. Após logos debates, mais uma vez o Congresso nacional cumpriu seu papel republicano e emendou a lei, que agora constava como Lei 14150/21. O Planalto por sua vez apresentou 8 vetos, sob a alegação de que o projeto “fere o interesse público”. Ainda assim, em 13 de maio de 2021 finalmente foram liberados os recursos restantes aos agentes culturais em todo país. 

Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 em mais uma queda de braço com o governo 


Com o aporte de 3.86 bilhões dos juros da Fundo Nacional de Cultura, o primeiro paradigma superado foi o de prejuízo aos cofres públicos e comprometimento do teto de gastos de estados e municípios, fator fundamental inclusive para o convencimento de parlamentares das mais diferentes siglas partidárias. Se há com isso um avanço incontestável nesse duro processo de reconhecimento do necessário apoio à cadeia produtiva da cultura com algo fundamental é a ampla adesão do Congresso Nacional as pautas da cultura. Sem nenhum voto contrário desde a primeira votação sobre o tema na Câmara e no Senado, parece ter ficado claro aos nossos parlamentares que discutir cultura não é dar palanque para algum dos lados da atual polarização de ideologias políticas. Bom exemplo disso é afala do relator da Lei Paulo Gustavo no Senado, o Senador Alexandre Silveira (PSD-MG), ao afirmar que:

 

“A cultura não é sinal de trânsito: não é vermelha, amarela ou verde. Não é de esquerda, de centro ou de direita. Cultura tem a ver com a nossa tradição. O país não aguenta mais essa discussão infrutífera e mesquinha que prega que não devemos investir em cultura para não beneficiar lado A ou B. Cultura é enriquecimento intelectual. Nação nenhuma vai se desenvolver sem valorizar ou incentivar sua cultura” Fonte: Agência Senado 


Aprovada no Congresso em março, a Lei Aldir Blanc 2, que prevê recursos para os próximos 5 anos com aporte de 3 bilhões anuais oriundos de diversas fontes além do orçamento da União, sofreu veto total do atual presidente. No entanto há possibilidade de derrubada do veto, dependendo apenas de maioria absoluta nas duas casas (257 deputados e 41 senadores votando favoravelmente). Da mesma forma como se deu em relação a Lei Paulo Gustavo, o veto presidencial se baseia na ideia de contrariedade com o interesse público e a Lei de Responsabilidade Fiscal junto a estados e municípios, argumentação que não procede. O que esse governo ignora é a perda de renda e infraestrutura por parte de agentes culturais e salas de espetáculo, em grande maioria situados em espaços onde a população não tem acesso aos grande e tradicionais ambientes artísticos. Ou seja, garantir a rápida recuperação estrutural de artistas e técnicos é também possibilitar acesso à cidadania cultural que a população faz jus, sobretudo a camada de menor renda. 


Vale lembrar que a necessidade constante de apoio financeiro a quem circula a economia nacional diz respeito a uma cadeia produtiva que movimenta cerca de 3% do PIB segundo dados do IPEA, montante esse que em 2019 que foi de pouco mais de 7 trilhões de Reais. Ou seja, antes do período de dois anos de distanciamento social e quebra generalizada dos meios de produção cultural, a massa de trabalhadores da cultura mereceria apoio financeiro equivalentes estados de alguns países periféricos ao nosso como argentina, com um PIB de aproximadamente 400 bilhões no mesmo ano de 2019. Com a iminente aprovação dos dispositivos de apoio a cultura, porém, há a necessidade de que os municípios se qualifiquem ainda mais quanto aos mecanismos de repasse, gestão e acompanhamento dos recursos financeiros. Sendo a cultura um direito fundamental segundo a Constituição em seu Artigo 2015, assim como Saúde e Educação, vale considerar da mesma forma que já é hora de pensarmos uma campanha nacional massiva para efetivação dos fundos municipais de cultura. No contexto dos sistemas de controle e acompanhamento locais, podemos viver uma cidadania cultural plena e didática, sob o ponto de vista de participação popular nas políticas setoriais de cultura Brasil a dentro, que pode dar acuidade visual ao conjunto de formuladores de políticas culturais de apoio à cadeia produtiva da cultura.  

(arte: site PT/Cultura)

terça-feira, 5 de abril de 2022

31 DE MARÇO OU PRIMEIRO DE ABRIL? Memes e fake News, no início da Ditadura de 1964

Charge de Henfil: criatividade contundente


Esse texto foi publicado inicialmente em 31 de março no site Vozes de Mesquita. Estou replicando aqui para registro no blog, de modo a amplificar o alcance dessa discussão que mostra a importancia da resistencia ao regime ditatorial brasileiro, que se deu entre 1964 e 1995, com o uso de arte e muito humor no conteúdo das informações e notícias para além dos canais de comunicação aliados ao golpe militar.
 
Se existem duas peculiaridades no que diz respeito a comunicação informal para o povo em geral é a capacidade de proliferar notícias falsas e fazer piada com coisa séria. Com câmeras fotográficas, aplicativos de edição de áudio e vídeo e acesso gratuito a canais digitais, todo brasileiro portador de um smatphone pode divulgar uma ideia à seu bel prazer com poucas consequências negativas para si. O fato é que a proliferação de notícias falsas e essa pródiga capacidade de fazer piada jocosa em relação a fatos políticos não é de agora. Quem dá alguma atenção à nosso história recente consegue facilmente levantar fatos capazes de reafirmar que nosso povo de fato é, acima de tudo, extremamente criativo, o que não nos exime de cairmos nas próprias ciladas, no que se refere à comunicação popular com matérias tendenciosas de caráter “chapa branca”, nome dado a tudo que é de fonte oficial. Quando olhamos as sementes plantadas há mais de meio século pelos EUA no período da Guerra Fria referente a informação, veremos que fomos alvos fáceis para o que se tornou o estado de coisas que culminou com o golpe civil/militar de 64. 

Quem nunca ouviu a máxima “nos tempos da ditadura isso não era assim” ? Quem então desdenhava ou achava graça desse tipo afirmação viveu pra ver o nível de repressão a ideias de vanguarda e ataque a direitos civis sob os quais vivemos hoje, quando temos mais de seis mil militares em cargos civis, segundo o site RBA (Publicado 18/05/2021). A propaganda feita durante duas décadas de ditadura foi tão eficiente que hoje, mesmo com mais uma centena de denúncias formais no judiciário, há quem ainda defenda o atual estado de coisas. E nos chamados “anos de chumbo”, assim como hoje, não é apenas a propaganda militar que alavancou o movimento armado que surgiu de dentro do Estado brasileiro. Não atoa, quem olha a história desse período classifica hoje aquele levante como uma ditadura civil/militar, considerando a atuante participação e coautoria da camada mais favorecida da sociedade urbana e rural à época. São tantos paralelos em relação ao que temos hoje, que entendi ser relevante levantar alguns pontos, muito peculiares hoje e que têm lastro no que ocorreu naquele tenebroso período de silencio, conivência e, felizmente, bastante resistência. 

Os comunistas, sempre eles! 
A Guerra Fria, como sabemos, tem a ver com a corrida armamentista entre os EUA e o território que compreendia a antiga União Soviética. Desconsiderando aqui nessa abordagem as questões relacionada ao expansionismo territorial russo e estadunidense, além da já conhecida busca por ampliação de mercado consumidor de seus produtos, quero enfocar a eficiente estrutura de convencimento internacional aos interesses dos nossos vizinhos americanos. Logo no início dos anos 50 o senador estadunidense Joseph McCarthy iniciou uma verdadeira campanha anticomunista, a tal ponto de levar parte da população às raias da paranoia. O político, inicialmente por iniciativa própria, passa a incentivar o povo a perseguir os comunistas ou pessoas com ideias que se afinassem com o ideário russo. Não tardou para que tal ideia, conhecida posteriormente como Macartismo, se convertesse a uma maior repressão a negros e seus movimentos de aceitação e melhores condições de acesso à cidadania, por exemplo. O filme Boa Noite, Boa Sorte, de 2005 retrata bem o que foi esse primeiro movimento de uma ópera de terror psicológico no território norte-americano, que só teria paralelo com a chamada Guerra ao Terror, promovida décadas depois, pelo presidente Jorge Bush. 

O jornalista Joremir da Silva publicou em 01 de abril de 2019 no Jornal Correio do Povo uma interessante matéria, na qual ele discorre sobre o ex-presidente João Goulart e o processo que culminou com sua derrubada do poder. Taxado já em 1955 como comunista, Jango foi alvo do que chamaríamos hoje de fake News. O jornalista inclusive mostra um trecho no qual o presidente John Kennedy envia carta à Jango, como era apelidado, com uma posterior resposta ao presidente norte-americano, o que ilustra bem os motivos que o levaram à ser deposto e exilado: 
John Kennedy, em carta de 22 de outubro de 1962, arriscou: “Quero convidar Vossa Excelência para que as suas autoridades militares possam conversar com os meus militares sobre a possibilidade de participação em alguma base apropriada com os Estados Unidos e outras forças do hemisfério em qualquer ação militar que se torne necessária pelo desenvolvimento da situação em Cuba”. Jango respondeu com altivez: “A defesa da autodeterminação dos povos, em sua máxima amplitude, tornou-se o ponto crucial da política externa do Brasil, não apenas por motivo de ordem jurídica, mas por nele vermos o requisito indispensável à preservação da independência e das condições próprias sob as quais se processa a evolução de cada povo”. 

Não há indício algum de que Jango tivesse inclinações ao bloco comunista. Ao contrário, ele, que era um liberal de Direita, também entendia que seria ruim para o desenvolvimento nacional o alinhamento com aliados da União Soviética, considerando seu ideário de avanço econômico nos moldes ocidentais. Joremir Silva ainda completa em seu artigo: 
Teria Jango respondido dessa maneira por nutrir simpatias pelo comunismo e por querer transformar o Brasil numa grande Cuba? Ele tratou de eliminar qualquer dúvida: “O Brasil é um país democrático, em que o povo e governo condenam e repelem o comunismo internacional, mas onde se fazem sentir ainda perigosas pressões reacionárias, que procuram sob o disfarce do anticomunismo defender posições sociais e privilégios econômicos, contrariando desse modo o próprio processo democrático de nossa evolução”. Os Estados Unidos da América veriam nessa manifestação de independência uma clara inclinação ao comunismo. Assim se fez a história. 

O fato é que, ao discordar da proposta de alinhamento com os EUA, em favor da defesa da soberania nacional de todo e qualquer país, Jango se tornou alvo fácil para a sociedade política alinhada com a estratégia de hegemonia estadunidense. Logo, não demorou para que a mídia da época e a parcela mais abastada da sociedade o estigmatizasse como “o presidente que quer instaurar o comunismo no Brasil”. 

Marcha, em resposta ao discurso de Jango



“Deus, pátria e família”, como antigamente 
Algumas pessoas ainda hoje ficam abismadas pela forma como a igreja está estreitamente alinhada com o Estado brasileiro ou ao menos com governos em particular. Quando interesses se alinham, é comum ao redor do Globo que religiões se aproximem de governos auto intitulados conservadores. O que se torna um prato cheio para denominações religiosas que aspiram ascensão e credibilidade junto as massas, como vemos em nosso país. Se observarmos atos políticos fundamentalistas como o PL 4322/2019, que estabelece a bíblia como Patrimônio imaterial brasileiro, entenderemos que a necessidade de aproximação com as estruturas de poder tem na verdade tudo a ver com o projeto de expansionismo religioso, que visa, na verdade, sobrepujar a histórica proximidade com as religiões de matriz africana e estabelecer uma nova hegemonia religiosa no Brasil. Digo nova em consideração à tradicional relação entre a igreja católica romana e os três poderes da União, desde sempre, vide os crucifixos tão comuns em repartições públicas ainda hoje. Não distante dessa realidade, em 13 de março de 1964 Jango faz um ato público onde apresenta um conjunto de propostas e medidas visando o desenvolvimento social e econômico do Brasil. Tamanha foi a campanha contraria ao ato, que eclodiram várias manifestações públicas, sobretudo nas capitais do Rio e de São Paulo, congregando diversas instituições da sociedade civil em favor de ações capazes de resguardar o país de uma ameaça possível comunista, segundo a fala dos manifestantes. A chamada “Marcha da Família com Deus, pela Liberdade”, promovida sobretudo por mulheres com anuência da igreja católica, foi crucial para justificar a derrubada de João Goulart do poder e o efetivo golpe entre a noite de 31 de março e a madrugada do dia 01 de abril. 

A pegadinha do 01 de abril 
Relatórios de militares não deixam dúvidas de que, sim. Em 31de março de 1964, tropas da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, sob o comando do General Olímpio Mourão Filho (sim, eu disse Mourão), já se encontravam em prontidão as 7 da manhã em Juiz de Fora, Minas Gerais, no dia 31. Porém, ao meio dia de 01 de abril Jango ainda se encontrava despachando no Rio, sob a guarda do comando da 1ª Região Militar do Exército e o comando da 3ª Zonas Aérea da Aeronáutica. Houve também no bairro da Cinelândia uma verdadeira batalha das forças militares contra apoiadores de Jango, no fim do dia 01/04, quando efetivamente Jango sai de Brasilia e se refugia no Rio Grande do Sul, já na madrugada do dia 02/04. Ai sim, ratificado o golpe por parte do comando da Junta Militar que tomou o poder. 

 Pasquim: resistencia e informação de forma de deboche 


Eles não tiveram sossego 
Comentei no início que hoje é muito mais fácil de se fazer um meme relacionado a alguma figura pública, por conta da agilidade da internet e os apps à mão de adultos e crianças. Aplicativos como o Telegram, atrás do que se escondem tantas fake News, dificultam o rastreamento de mensagens que não condizem com a verdade em muitos dos casos. Mas não é só de publicações negativas que é feita a mídia popular. Basta uma gafe e, pronto! Mais uma imagem viralizando em pouquíssimo tempo em canais como Youtube ou sendo passada à milhares de pessoas em segundos, através do Watssap. Mas, acho importante imaginar a situação de jornalistas em pleno período de excessão, não alinhados ao regime militar ou mesmo fazendo-lhe oposição, todos com nomes e endereços de conhecimento público, produzindo material facilmente rastreado e confiscado. São inúmeros os casos de jornalistas desaparecidos, sobretudo a partir de 1968 quando foi publicado o Ato Institucional nº5, exatamente no ano em que foi criado o lendário tabloide O Pasquim. 

Contando inicialmente com o cartunista Jaguar e os jornalistas Tarso de Castro e Sergio Cabral (o de verdade), O Pasquim já inicia o ano de 1969 provocando a criação da Censura Prévia de publicações e shows, por conta da entrevista feita a Leila Diniz, com ideias que inclusive já viraram letra de música. Mesmo assim, com toda repressão e severo controle de suas publicações O Pasquim se manteve firme e inspirador durante quase todo o período de ditadura, com sua última publicação datada de fevereiro de 1991. Antes disso tal ato de resistência jocosa ainda agregou outras feras, como Ziraldo, Millor Fernandes, Rui Castro e Henfil. Esse último, imortalizado por suas charges e personagens que ilustram publicações e até camisetas, até hoje. Essa forma criativa de enfrentamento engraçado e criativo foi seguido pelo veículo mais em voga na época. Nesse percurso surgiram programas de TV que não se furtavam a alfinetar os militares e seus aliados, com O Planeta dos Homens de 1977 e Viva o Gordo, com Jô Soares em 1981. 

O Planeta dos Homens: como o jargão "o macaco tá certo" 


Muito já foi falado em relação a memória da resistência nesse controvertido 31 de março, que em nada contribui de fato quando o assunto é questionar se o golpe ocorreu ou não no 01 de abril. Basta lembrar que em 2016 passamos por uma manobra extremamente tendenciosa que depôs Dilma Roussef do poder, com o uso de métodos semelhantes de depreciação da imagem de uma presidência que segue na contramão da macroeconomia e da avareza. Importante aqui é a relevância dos fatos e dos atos, exatamente porque golpe é golpe, seja em que tempo for. 

Leia mais em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/5-filmes-para-voce-estudar-a-guerra-fria/ https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/jango-e-o-comunismo-1.330072 https://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/03/30/por-que-a-data-do-golpe-e-1o-de-abril-de-1964-e-nao-31-de-marco-2/?cmpid=copiaecola