quinta-feira, 1 de maio de 2025

"PT PELA BASE". A CHEGADA DE UMA CORRENTE POPULAR E DEMOCRÁTICA

Uma corrente partidária que respeita as bases sociais

Nós, militantes e dirigentes do PT do Rio de Janeiro nos dirigimos à toda militância e simpatizantes do PT para anunciar a nossa decisão de criar uma corrente própria no Rio de Janeiro. Entendemos que é preciso renovar o partido, não só pelo ingresso de mais jovens em nossos quadros, mas, de práticas que atualizem o ideário de um partido militante, democrático e de base popular com vistas à construção do socialismo, como preconiza o Manifesto de Criação do PT. 

É crescente o processo de burocratização, centralização de decisões e de concentração de prioridade nas capitais e áreas de influência de parlamentares, retirando a capacidade das áreas periféricas das metrópoles e do interior de produzirem política e fortalecerem o campo popular. A política de alianças, indispensável para a garantia de governabilidade do governo Lula e a qual defendemos, não pode tirar do PT a sua capacidade de se colocar como alternativa política local e disputar a sociedade.       

As últimas eleições no Rio de Janeiro apontaram um quadro bastante difícil para o PT e as forças democráticas no estado. A extrema direita ampliou o seu espaço institucional e político. Grande parcela da população, seja pelo controle territorial, medo, manipulação pela religião, clientelismo ou mesmo, identificação com as ideias de “moral” e combate à esquerda, elegeu um contingente de parlamentares e prefeitos que se constituem numa base forte para as eleições nacionais em 2026.

É preciso reencantar o PT, fortalecer uma base orgânica e ideológica, atuar junto aos movimentos sociais e populares e ampliar a nossa relação com setores médios da população e os evangélicos para que se engajem na luta por democracia e direitos sociais. A direção nacional e a estadual do Rio de Janeiro devem estar sintonizadas com essa estratégia, mapear a presença de nossas organizações sociais e militantes e contribuir para o crescimento de diversas experiências políticas que estão pulverizadas no território fluminense e sem apoio.

Em Maricá, se experimenta o modo petista de governar com inversão de prioridades, participação e experimento de inciativas que fortalecem a economia popular e solidária, cultiva-se ideais de solidariedade e de enfrentamento às desigualdades sociais. Maricá pode ser uma referência na combinação de crescimento com igualdade social e é preciso dar mais visibilidade, bem como as demais cidades administradas pelo PT no estado, que devem ser apoiadas para que se tornem referência e nos coloquem no debate das políticas públicas.

É também importante o PT entrar no debate das políticas estaduais com foco no combate às desigualdades sociais. É histórico o quadro de concentração de renda e de políticas na capital e exclusão das áreas de periferia da metrópole carioca e interior. A experiência de Maricá e a ampliação de nossa influência no Leste Fluminense é a demonstração de que devemos ser mais proativos na luta e proposição de políticas estaduais.

A criação da nossa corrente no Rio de Janeiro visa: 

- estreitar as relações entre os diretórios nacional e estadual do Rio de Janeiro com as direções municipais; 

- contribuir para a dinamização das instâncias partidárias em todos os níveis, superando a burocratização e centralização; 

- ampliar o debate e a formulação de políticas públicas; 

- fortalecer os movimentos sociais, populares e sindicais; 

- estreitar nosso relacionamento com o meio evangélico;

- priorizar a Baixada Fluminense, zona oeste da capital e interior fluminense e; 

- ampliar a base de apoio ao governo Lula e à sua reeleição. 

Reafirmamos nosso compromisso com um PT plural, democrático, popular e de massas e nossa prioridade em 2025 é fortalecer a nossa presença e influência no diretório estadual do Rio de Janeiro e nas direções municipais, a partir dos pressupostos acima. As articulações no plano nacional estarão subordinadas a esses objetivos, não estando condicionadas a nenhuma corrente nacional.

ASSINAM ESSE MANIFESTO

Militantes do PT/RJ:

Jorge Florêncio – Diretório Nacional / ex-presidente estadual RJ

Leticia Florêncio – Executiva Estadual 

Carlos Ferreira – Ex-vereador e vice-prefeito Nova Iguaçu

Dema – Secretário de Organização PT Capital

Pedro Lucas - Secretário Estadual de Organização JPT

Milton Mano - Coordenador Estadual Setorial Interreligioso

Ivan Machado – Presidente do CCPBAIXADA / Secretário de Cultura DM/Mesquita

Zelder Reis – Coordenador de Cultura Região dos Lagos / Diretório Municipal Cabo Frio

Claudio Moradia – União de Moradia Popular / Coordenador Setorial de Moradia e Direito à Cidade 

Weslei Anacleto - Diretor Movimento Nacional Quilombo Novembro Negro (MONAQNNE)

Paulo Tomé - Diretor Movimento Nacional Quilombo Novembro Negro (MONAQNNE)

Davi da Silva – Ex-diretor Sindicato Ferroviários Central do Brasil /Coordenação Setorial de Moradia e Direito à Cidade 

Ademir – Sindicato dos Correios

Ricardo Cardoso – Associação Trabalhadores NUCLEP

Júlio Fava - Diretoria do SINTUR/Sindicato dos Trabalhadores Técnicos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Ismael Lopes - Militante do Movimento dos Evangélicos pela Democracia

Maria Ferreira - Sindicato das Domésticas da Baixada

Jô Xuxa - Movimento LGBTQIPNA+ da Baixada Fluminense

Flávio Médici - Coordenação do Comitê de Lutas Sindical e Popular da Baixada Fluminense 

Luzinete Atanazio - Coordenação Movimento de Mulheres Dandaras dos Palmares

Cileide Jardim - Coordenação Associação de Mulheres Evangélicas com Cristo e Pela Vida (AMEVIDA) 

Missionária Taís - Coordenação Associação de Mulheres Evangélicas com Cristo e Pela Vida (AMEVIDA)

Evangelista Valdete - Coordenação da Associação de Mulheres Evangélicas com Cristo e Pela Vida (AMEVIDA)

Antônio Carlos - Militante do Meio Ambiente Pedra de Guaratiba

Ana Cristina - Mãe Ana da Umbanda Sepetiba

Pastor Carlinhos - Assembleia de Deus Campo Grande 

João Firmino - Coordenador Associação de Moradia Popular da Zona Oeste 

Mario Sérgio - Militante do PT Santa Cruz

Luis Carlos Cardoso - Presidente 6ª Zonal PT Capital

Zeca Carvalho – Presidente Diretório Nilópolis

Toinho- Secretário de Organização – Nilópolis

Margareth Felipe – Executiva S J Meriti 

Pedro Rodrigues – Secretário de Comunicação S J Meriti

Leila Regina – Executiva S J Meriti / ex-secretária municipal igualdade racial S J Meriti

Diestefano Sant´ana – Secretário Organização S J Meriti / ex-secretário assistência social S J Meriti

Delmar Cavalcante – Diretório Municipal S J Meriti / ex-secretário municipal de cultura Mesquita

Vitor Soares – Diretório Municipal S J Meriti 

Vinicius Ribeiro - Diretório Municipal S J Meriti

Marcos Paulo – Presidente Conselho Cultura S J Meriti

Ronaldo Monteiro – Secretário de Organização Nova Iguaçu 

Guilherme Monteiro - Diretório Municipal Nova Iguaçu 

Laiza Verena - Diretório Municipal Nova Iguaçu 

Tia Rose - Coordenação do Projeto Ginástica Nos Bairros PMV Nova Iguaçu

Edivanildo - Diretor do MAB - Federação das Associações de Moradores de Nova Iguaçu

Graça Machado - Diretora da LUBESNI - Liga União de Blocos e Escolas de Samba de Nova Iguaçu

Pastor Claudio Márcio - Assembleia de Deus Ministério Uma Grande Nação Nova Iguaçu

Pastora Ruth Garcia - Assembleia de Deus Ministério Pronto Socorro Espiritual Nova Iguaçu

Ailton dos Quartetos - Igreja Batista Nova Iguaçu / ex-candidato a vereador

Telmo de Oliveira - Diretoria/Sindicato dos Comerciários de Nova Iguaçu e Região

Marcelo Baena - Diretoria do Sindicato dos Comerciários de Nova Iguaçu e Região

Sérgio Bruno - Presidente do Sindicato dos Vigilantes de Nova Iguaçu

Sandoval Marques - Presidente do Sindicato dos Químicos de Nova Iguaçu e Região

Maria Eduarda - Estudante de Nanotecnologia da UFRJ

Elisa Campos - Diretora do Sindicato dos Comerciários, ex-candidata a vereadora em Mesquita.

Rose Torquato – APN RJ / Diretório Municipal Mesquita 

Geilson – Diretório Municipal Mesquita

Laurinda – Diretório Municipal Mesquita

Alcebíades – Diretório Municipal Mesquita 

Carminha – Diretório Municipal Belford Roxo

Sebastião – Diretório Municipal Belford Roxo

Valdo – Diretório Municipal Belford Roxo

Claudia – Executiva Municipal Belford Roxo

Pastor Silas Gonçalves - Assembleia de Deus em Nova Aurora - Belford Roxo 

Ana Cristina – Creches comunitárias Belford Roxo

Pastor Getúlio – Ex-presidente PT Queimados

Ismael Lopes – Ex-vereador e atual primeiro suplente Queimados

Maurício – Diretório Municipal Queimados

Sérgio Maurício de Lorena - Diretório Queimados

Rosemery Lourenço - Diretório Queimados

Lauricy – Diretório Municipal Duque de Caxias

Dionísio – Coordenador ong PROFEC Duque de Caxias

Isaías – Líder comunitário Duque de Caxias

Lili Moraes – Ex-candidata vereadora Mangaratiba

Jurandir – Advogado PT Itaguaí

Marcos Vinicius – Ex-presidente Mangaratiba

Ana Cruz – Militante movimento mulheres Niterói

Antônia Pedrosa - Militante Setorial Moradia e Direito a Cidade São Gonçalo

Prof. Luizinho - Presidente Rio das Ostras

Profa. Maria Augusta – Presidenta Municipal Armação dos Búzios

Dandara Melo – Executiva Municipal Arraial do Cabo

Zé Dias – Diretório Municipal Arraial do Cabo

Marilda de Jesus – Secretária de Organização Armação dos Búzios

Venilci Anne – Secretaria Mulheres Araruama

Prof. Serjão - Executiva Municipal São Pedro de Aldeia

Luciano Silveira – Vice-presidente Cabo Frio

Carminha – Setorial Direito Animal Cabo Frio

Magno Alves – ex-candidato vereador 2024 Saquarema

Araquem Avenia – Setorial de Saúde Quissamã

Juliano da Construção – ex-candidato vereador 2024 Casemiro de Abreu

Izaias Queiroz - ex-vereador Cordeiro

Valteir Pereira da Costa - Diretório Macuco

Gabriel Gouvêa – Secretário de organização Santo Antônio de Pádua

quarta-feira, 30 de abril de 2025

30 de abril: a Baixada Fluminense e o progresso que exclui do pobre o chão e o verde

Nilo Peçanha, o único Presidente negro brasileiro: fez a BF avançar?

Em mais um 30 de abril, dia da Baixada Fluminense, devemos parar para refletir.  De onde vem esse nosso desapego pelo verde, se vivemos ao redor da maior floresta urbana do mundo? O adensamento populacional nos territórios mais pobres, que antes eram terras férteis e produtivas, reflete o décfit habitacional brasileiro e a constante luta por direito a terra,  ao passo que famílias buscam afinidades e pertencimento em seus territórios, ignorando fatores ambientais fundamentais para qualidade de vida. E como preservar sem conhecer? A urgência com a qual pessoas de baixa renda ocupam os territórios leva as populações a ignorar, em primeiro lugar, a história de cada lugar. 

A ideia de Baixada Fluminense, enquanto fenômeno geográfico, se define pela quantidade de cursos d´água (flumens) que escorrem das montanhas verdejantes para as planícies (baixada) tendo o mar como destino. Essa descrição quase poética é bela, porém contrastante com a realidade que vivemos, em relação como ocupamos a periferia metropolitana. É uma realidade que confronta a rápida e intensa ocupação urbana para a região, amplificada após a Segunda Grande Guerra. 

Com terras abundantes e baratas, sobretudo com o fim do ciclo da laranja em Nova Iguaçu (tida como a mãe da Baixada), tem início um novo ciclo de enriquecimento para poucos, com os loteamentos e a vinda de imigrantes europeus e retirantes nordestinos. A maioria desses, de baixa renda, vem em busca de uma nova vida, aproveitando a utilidade de cada pedaço de chão para si e seus familiares. Muitos desses se mantém próximos, tendo em vista a realidade social e econômica que também se reproduz nas gerações futuras.


Será então que essas pessoas trouxeram consigo algo além da necessidade de sobrevida? E nessa bagagem, veio por ventura alguma consciência quanto ao convívio junto às riquezas naturais locais ou até exploração saudável dessas riquezas? Com baixa ou nenhuma escolaridade em sua maioria, esses novos habitantes sonhavam com a chegada do progresso, capaz de combater a malária, entre outras dificuldades, como a precária mobilidade por estradas em péssimas condições. 


O ”Nilismo” e a eterna carência de um mito político

É sabido que existiram esforços do governo federal via onerosas campanhas de saneamento desde 1910 até a década de 40, no sentido de ampliar as margens dos rios, buscando assim diminuir os impactos dos constantes alagamentos na Baixada Fluminense. Com a ascensão de Nilo Peçanha à Presidência do após a morte de Afonso Pena, duas importantes decisões foram tomadas, no sentido de propor avanços focados em nossa Região. A primeira foi a mudança da Capital brasileira de Petrópoolis para Niteroi. A segunda medida foi a criação da omissão de Saneamento da Baixada Fluminense, que na ocasião se estendia até Campos do Goitacases. Tais movimentações integrava um movimento político conhecida à época como Nilismo, no qual seus apoiadores entendiam que a vocação a Baixada deveria ser elevada à condição de celeiro da Capital. 


Porém, não tenho notícia de ações educativas eficientes voltadas aos que aqui viviam, no sentido de desenvolver uma autogestão e um convívio saudável com a natureza, que se mostrava extremamente hostil em alguns momentos.

A década de 40, já no espéctro da Era Vargas, marca o início da fragmentação da região da Baixada Fluminense, período no qual Duque de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis tiveram decretas suas respectivas autonomias político-administrativas.  Após uma lacuna de cinco décadas foi a vez de Queimados (1990), Japeri (1991) e Mesquita (1999) se emanciparem de Nova Iguaçu, todos esses superando de longe o número de 100 mil habitantes em 2016, segundo números do IBGE. Vale lembrar que cerca de 88% dos municípios brasileiros têm menos de 50 mil habitantes, colocando a Baixada Fluminense entre as regiões mais densamente povoadas do Brasil.


Ocorre que, diferente de Mesquita, que contou com um longo processo plebiscitário, mobilizando moradores a um processo de emancipação que se inicia nos anos 50, os processos de separação administrativos dos demais municípios têm motivação estritamente política, emancipados via decreto do governo do estado, por intermédio de figuras públicas sob risco de apagamento político, que buscavam a criação de um novo nicho eleitoral com condições mais favoráveis. 

É importante fechar o recorte temporal e político da região da Baixada Fluminense no texto das emancipações, citando a matéria publicada na Agência Folha, publicada no dia 12 de setembro de 1997:

O governador do Rio, Marcello Alencar (PSDB), promete investir cerca de R$ 400 milhões em obras de infra-estrutura na Baixada Fluminense até o fim de 1998. A maior parte do dinheiro vai para um conjunto de obras de saneamento e urbanização. A região é uma das mais pobres do Estado, marcada por altos índices de mortalidade infantil e criminalidade.  


É no mínimo interessante notar que o vanguardismo político do século XX desenvolveu “um museu de grandes novidades” para as periferias urbanas, mascarando com obras públicas o estado Mínimo Tucano. Na mesma matéria, a Folha coloca tais obras como contrapartida do Programa Estadual de Desestatização, através do qual são passadas para a iniciativa privada, empresas públicas como o Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ), as empresas de iluminação CERJ e a Companhia Estadual de Gás CEG, perfazendo um montante previsto em 1.6 Bi a mais para o superavit do estado. Obviamente os prefeitos e vereadores da região, sobretudo os de prefeituras mais pobres, compreenderam a relevância desse montante financeiro circulando pela região, enquanto o slogan do governo do estado veiculado na mídia era: “Eu nem posso acreditar. Nem parece que é Brasil!’’. Era o discurso recorrente de um governo que alardeava a virtude de levar água, luz, esgoto e asfalto aos mais pobres.


O ano era 2002 e acontecia no bairro da Chatuba em Mesquita, a segunda e última etapa do programa Nova Baixada, em um território entre os que apresentam até hoje um dos mais baixos indicadores sociais e econômicos de nosso estado fluminense. Era um programa que destinava 350 milhões de dólares para obras de saneamento, infraestrutura urbana e educação ambiental, com vistas à despoluição da Baia de Guanabara. Cabe lembrar que o programa recebe esse nome em março de 2001, através do decreto Nº27.882 do então governador Antony Garotinho, sucessor de Leonel Brizola, que denominou de Baixada Viva aquele conjunto de intervenções urbanísticas em sua primeira edição.


Os avanços desenvolvidos não vieram acompanhados de diálogo com os territórios, onde as populações encontraram seu jeito de lidar com as diversas dificuldades urbanísticas. Diferente da ocupação desordenada em diversos bairros da Capital, a Baixada Fluminense é ocupada a partir de ruas e lotes devidamente registrados em cartórios, contado com iluminação pública e algo próximo do aceitável em relação a saneamento básico. Porém, são áreas geridas por prefeituras carentes de figuras pirolíticas com algum nível de capacitação para a gestão pública e desenvolvimento humano. 


Antes favela que roça?

Alguns avanços tecnológicos marcam a história da humanidade, dando sentido concreto ao que chamamos de progresso. Construir ferrovias é sem dúvida um desses marcos histórico, sobretudo em se tratando de uma região com perspectivas de desenvolvimento como a Baixada Fluminense. Com a construção da primeira ferrovia do Brasil nodia 30 de abril de 1954, é possível imaginar que era essa a região que abraçaria com riqueza e desenvolvimento a chegada do século XX. No entanto, não foi esse o caminho literalmente trilhado. A ferocidade da natureza local, comparável à grandiosidade biológica e hídrica da Amazônia, fez naufragar as primeiras iniciativas de ocupação e desenvolvimento local.


Nossa região refuta o ditado popular que afirma que “o tempo resolve tudo”. Muitas décadas após, percebemos que, no que se refere à população, os problemas somente mudaram de caraterística. 


“No tempo em que tudo aqui era mato”, é uma das falas iniciais de qualquer história contada por moradores antigos, que tenham construído suas memórias na Baixada Fluminense, sobretudo entre meados dos anos 70 e a primeira década dos anos 2000. Quem viveu em bairros como Jardim Tropical em Nova Iguaçu, Areia Branca em Belford Roxo ou Jacutinga em Mesquita, festejou a chegada da pavimentação asfáltica e a iluminação pública, sinal concreto de desenvolvimento local. Antes disso, os imensos terrenos baldios eram ocupados por criações de porcos, hortas comunitárias ou mesmo campos de futebol, oportunizando saídas para a fome e ao lazer, desenvolvidos coletivamente e é nesse período que as associações de moradores cumpriam papel fundamental na organização social e política de diversos bairros.


No entanto, o anseio de gerações anteriores por progresso em seu lugar leva os novos habitantes a ver os avanços nas questões urbanísticas como um tipo de levante anti-ambientalista. Nem mesmo a Eco 92, com suas alarmantes projeções quanto aos impactos ambientais, fez algum sentido na mente de urbanistas e gestores públicos,  em relação a perspectivas de longo prazo sobre o que vemos hoje quanto às mudanças climáticas, provocadas por mãos humanas. Não cabia o desenvolvimento de estratégias de controle ambiental à população ansiosa por um bom e barato lugar para viver. O resultado é a importação de um modelo de gradativa favelização de áreas que deveriam ter suas estruturas aprimoradas, sobretudo com a criação do Fundo de Participação dos Municípios, proposto pela Constituição promulgada em 1988.


A imagem da Baixada Fluminense chega ao Século XXI carregando consigo o estigma de “lugar perigoso”, construído nos tempos do Mão Branca, período mais violento da ditadura civil-militar.  Chegamos a ¼ de século com ampliação do conceito de favela por todas as regiões fluminense, muito em função de questões ligadas à segurança pública, ou a falta dela. Nesse 30 de abril, com um número considerável de universidades públicas e uma renda Per capita muito maior que a maioria das demais regiões periféricas brasileiras, vale pensar na “Cidade Estilhaçada” do professor Ricardo Simões, no sentido se avaliar se nossa independência politica depende de heróis e mitos ou de mãos que constroem o futuro e a riqueza desse verdadeiro resumo do Brasil, qual é a nossa Baixada Fluminense.

sábado, 25 de janeiro de 2025

O CINEMA COMERCIAL E O TRUMPISMO 2.0: OLHARES DISTINTOS SOBRE A SOCIEDADE

  

Trump: tentou impedir o lançamento da própria cinebiografia

*Por Ivan Machado

Ao saber que o presidente recém-eleito Donald Trump, destinou cerca de 500 bilhões para o desenvolvimento de IA, sendo 100 Bilhões logo nesse primeiro ano de mandato, tive a curiosidade de buscar informações sobre o montante de recurso financeiros federais voltados à cultura. Sem surpresa alguma, zero é o número que define a previsão orçamentária para o setor. Considerando então a ideia de que revolução é um processo, a indústria do cinema faz algo que tem paralelo com o Carnaval do Rio, que nos últimos anos fincou pé na abordagem de nossas raízes ancestrais na elaboração dos enredos. A surpreendente entrega do Oscar 2024 para o filme coreano “Parasita” é sem dúvida uma quebra de paradigma. O Oscar de Melhor Filme no ano passado dá o tom do novo modelo de gestão da maior Academia de Cinema dos EUA, que possibilita, inclusive, que o filme “Ainda Estou Aqui” chegue a indicação de três estatuetas em 2025.  

Vale lembrar que gerações de brasileiros foram levadas a adotar a cultura estadunidense como modo de vida, a partir de filmes, séries e animações, ao longo dos últimos 60 anos. Agora, o “não” às expressões artísticas, temperado pelo negacionismo estratégico e modelo neoliberal de Trump, pode ser o empurrão que faltava para a indústria do cinema consolidar o papel de chacoalhador de mentes, a partir da diversidade de ideias e abordagens que a telona possibilita.


Segundo publicação do Instituto da Cultura Árabe no Brasil, data de 1985 o início de investimento estatal no cinema iraniano, que vem crescendo e ampliando sua visibilidade desde então. O que inicialmente surge como iniciativa de poucos e pequenos produtores audiovisuais, gradativamente cria adesão junto a sociedade, convencendo o próprio governo que o investimento em cinema poderia ser transformar em um valioso capital cultural a ser exportado, como cita o próprio site:


Com um investimento anual superior a U$ 1,5 bilhões, o Irã lança cerca de 100 longas de ficção e mais de 2 mil curtas-metragens, o que coloca o país entre os dez maiores produtores mundiais. As escolas de cinema estão presentes em 52 cidades, mas há deficiências a serem corrigidas: “Além de ter apenas 400 salas de projeção para uma população de 70 milhões de habitantes, há falta de equilíbrio entre a quantidade de filmes de arte e comerciais”, afirma Massoud Bakhshi, ex-diretor do Documentary na Experimental Fim Center, que organiza o Festival Cinema Verdade e encarrega-se da distribuição e promoção dos filmes experimentais e pequenos documentários


No Brasil, a ANCINE cumpre um papel de mediação junto a cadeia produtiva do cinema e a iniciativa privada, de modo que seja possível uma melhor fruição da produção cinematográfica brasileira, dentro e fora do território nacional. Segundo Daniel Rezende, produtor do filme Chico Bento, que também é um dos avaliadores do Oscar, a Academia estadunidense conta hoje com um grande número de avaliadores oriundos de diversos países, conferindo a diversidade necessária para que as surpresas que temos hoje sejam possíveis. No Brasil, no entanto, a surpresa de ter a pioneira Ruth de Souza indicada a Melhor Atriz no Festival de Veneza em 1954 e Fernanda Torres ao Oscar 2025, é a prova de que a consolidação do cinema nacional é um longo e teimoso processo, mesmo no Brasil de hoje.

Hollywood modelo Tramp

No que se refere a dar apoio à cultura enquanto política pública, Trump deixou claro que aquele velho cinema estadunidense, no melhor modelo “tiro, porrada e bomba”,  precisa voltar a ser dominante a nivel global. Dias antes de sua posse, em 16 de janeiro, ele publicou no   X (antigo Tweeter), sua decisão de indicar os atores Jon Voight, Mel Gibson e Sylvester Stallone, como Embaixadores de Hollywood. Voight, pai de Angelina Jolie, atuou em filmes super conhecidos no Brasil, como Inimigo do Estado, Missão Impossível e Transformers. Mel Gibson que, para surpresa de muitos, é inclusive misógino, fez fala preconceituosa em relação à candidata Democrata, como vemos na matéria do site O Antagonista, no dia 23/01:  


Gibson já insinuou algumas vezes que Kamala Harris tinha pouca inteligência: “Histórico miserável. Não há diretrizes para falar. Ela tem o QI de um poste de cerca.”, disse o ator e diretor sobre a candidata democrata. 


Já Stallone considera Trump o “segundo George Washington”, o que foi motivo de críticas por parte de seus seguidores nas redes sociais. 


O que vemos no cenário do cinema aqui e no restante do mundo, é o sentimento que leva esse segmento a um necessário enfrentamento ao totalitarismo, sem falar da vergonha à qual é submetido quem vai na direção contrária desse expressão artística que, por parte de pessoas acolhe a diversidade como marco civilizatório. 

Ainda Estou Aqui: reflexo da repressão pelo mundo

Nesse momento que precede  a mais uma entrega do Oscar, o perfil dos indicados já dá conta de que conflitos entre a indústria do cinema e o Trumpismo é inevitável. Se levarmos em conta ao menos duas indicações a Melhor Atriz para esse ano, será possível sentir a temperatura das próximas edições. A atriz Fernanda Torres retrata como a esposa do Engenheiro Rubens Paiva lutou pelo reconhecimento legal do assassinato de seu marido, por parte do regime militar. O filme Ainda Estou Aqui já disse ao que veio, deixando claro que a perseguição política abordada pelo filme de Walter Sales, reflete uma realidade que nunca esteve distante de nós. A coerção estatal, aliada ao uso de força militar, é algo que o restante do mundo conhece bem, fazendo com que o filme serva não apenas como marco histórico, mas também como um alerta contra o totalitarismo, que hoje brota  em todos os continentes. 


O filme Emilia Perez, estrelado por Karla Sofía Gascón tem, por sua vez, 13 indicações, incluindo Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante e Música Original. Segundo Emma Jones da BBC Brasil. “O filme mescla vários gêneros para contar a história de um senhor das drogas mexicano. Ele faz a transição para se tornar mulher e busca restaurar a justiça pelos "desaparecidos” do país — pessoas mortas e ausentes, vítimas da violência relacionada aos crimes e às drogas.” A protagonista não se ilude, entendendo que a possível premiação e o atual reconhecimento não refletem a realidade social, sobretudo no que se refere a uma pessoa trans. Em matéria publicada no site do UOL no dia 24 de janeiro, a atriz espanhola diz o seguinte: “Não sou uma atriz melhor agora, nem era pior antes. Não sou uma pessoa melhor, nem sou nada, sou a mesma pessoa, simplesmente, colocada em outro lugar”.

Filme Emilia Perez: sofre críticas pela abordagem
O lugar do cinema, pelo que vemos, continua em disputa, tanto por quem o faz quanto por quem o desafia, propondo uma relação utilitária entre poder, dinheiro e dominação ideológica. O cinema comercial é, sim, reflexo de nossa sociedade capitalista. Porém, vale lembrar que, se o cinema é um produto a ser consumido, a face de quem o consome também deve ser refletida nele, horizontalmente.


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*Ivan Machado é professor de História, Mestre em Educação, especialista em Arte-Educação e presidente do Centro de cultura Popular da Baixada Fluminense.


Veja mais em:

https://www.uol.com.br/splash/noticias/2025/01/24/indicada-ao-oscar-atriz-de-emilia-perez-quer-se-manter-na-realidade.htm?cmpid=copiaecola


https://www.icarabe.org.br/artigos/projecao-internacional-apesar-da-censura?form=MG0AV3


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

0 08 DE JANEIRO E O PERMANENTE ESTADO DE GOLPE, NO BRASIL

 

Simbolo do golpismo - foto: Gazeta do Brasil

Por Ivan Machado*

Esse 08 de janeiro de 2025 já pode ser considerado o novo marco histórico da didática golpista no Brasil, tendo a Caserna como esteio. Esse momento é um fato recente, mas não um fato isolado, se considerarmos essa promíscua relação entre concentração de poder econômico, extremismo de direita e as forças militares, no Brasil. Um exemplo raramente citado e o primeiro com maior relevância na história republicana brasileira é o de Ruy Barbosa, em sua campanha presidencial de 1909, que sofreria um golpe militar após sua exitosa “Caravana da Cidadania”, com a qual percorreu diversos cantos do país. Retratado como baixinho chato e metido a “sabe tudo” por veículos de imprensa como a Revista O Malho, Ruy era alvo do ódio de militares e demais representantes das estruturas de poder, que tinham a mídia da época a seu favor. Na ocasião, o sobrinho do Duque de Caxias, também candidato a presidente, o Marechal Hermes da Fonseca, protagonizou uma virada de mesa com o apoio do Exército, desconsiderando o resultado das urnas e empossando o militar, naquele ano. 

Rui Barbosa, candidato a presidente e primeiro exemplo
de golpe militar nas eleições modernas, no Brasil

Se hoje podemos olhar para os atos golpistas do passado com o devido distanciamento histórico, devemos então olhar as particularidades sociais e estruturas midiáticas de cama um daqueles momentos, com maior clareza e um olhar mais crítico, se a proposta for analisar fatos de hoje. Devemos também compreender que os sinais apontam para uma horizontalização do golpismo, agora em escala global. Não fosse a derrota de Trump para Biden em 2020, é bem provável que os atos golpistas em Brasília tomariam outros caminhos, sobretudo se considerarmos que, assim como no exemplo de Ruy Barbosa, a comunicação de massa cumpre papel fundamental no suporte social do golpe. Inclusive, não devemos nos esquecer que estruturas de poder econômico vêm investindo pesado na acuidade do faro sobre o pensamento popular, através das corporações ligadas às mídias sociais. 


Vale lembrar que em 2008 o Facebook se mostrou uma ferramenta eficaz para os Democratas nos EUA, enquanto estratégia viável para a tomada de poder, vide a eleição de Obama que, inclusive, foi o primeiro presidente a usar o Tweeter e fazer lives. A partir e então, as redes sociais não deveriam ser utilizadas apenas em campanhas eleitorais. Já no Brasil, o golpe contra Dilma deixa claro que o chamado pacto federativo não tem a menor relevância, quendo se refere a tomada de poder a qualquer custo, o que a própria ex-presidente relata em seu artigo, publicado no site Brasil de Fato, em 2019:


O golpe resultou numa calamidade econômica e social sem precedentes para o Brasil e, em seguida, na eleição de Bolsonaro. Direitos históricos do povo estão sendo aniquilados. Avanços civilizatórios alcançados no período democrático que sucedeu à ditadura militar vão sendo dilapidados. Conquistas fundamentais obtidas nos governos do PT passaram a ser revogadas. Este processo radicalizou-se com um governo agressivamente neoliberal na economia e perversamente ultraconservador nos costumes. Um governo com uma inequívoca índole neofascista.


Biden alerta Dilma sobre golpe


Em 2014 o então Vice-Presidente Joe Biden, veio ao Brasil para entregar um HD contendo dez anos de investigações sobre a ditadura militar no Brasil, como forma de desmontar as mentiras que vinham sendo construídas para desestabilizar o governo Dilma. O conteúdo desses documentos não vieram a público, numa tentativa de não tencionar a já frágil relação entre Dilma e os militares. Ocorre que poucos países têm uma estrutura republicana com um alinhamento tão estreito com as forças armada, como o Brasil. Vale também lembrar que o investimento dos governos Lula superaram inclusive o aporte de recursos dos governos Temer e Bolsonaro, demonstrando assim que o suposto medo de uma intentona comunista nacional por parte da Esquerda, é infundada.


Pra onde aponta o 08 de janeiro?


Não dá pra negar que a aura golpista no Brasil é um tipo de “Camada de Ozônio”, que sofre interferências humanos constantes, em um espectro cujo entendimento popular, pouco aguçado, não consegue mensurar com clareza. Assim, do mesmo modo como podemos apenas analisar indicadores ambientais e seus impactos à qualidade de vida no planeta, de igual modo lidamos como fatores políticos históricos, olhando em perspectiva para as estruturas que sustentam o golpismo em terras tupiniquins. Asim, não há como prever por exatamente quais perigos passa a Democracia. Porém, é possível sim estar atentos quanto aos fatores ambientais propícios às novas tempestades anti-democráticas.


Aquele presidente golpista do início da República o qual citamos no início desse texto, assume o governo em 1910, mesmo da chamada Revolta Chibata, quando a marujada negra se mobiliza contra os castigos físicos nos navios da Marinha brasileira tomando estrategicamente dois navios de guerra. Segundo jornais da época, a população acreditava ser aquele, apenas mais um levante separatista entre tantos, em pouco mais de 20 anos do fim da monarquia, o que demonstra o já corriqueiro estado de emancipações políticas na virada do século XX. 20 anos depois, sob a justificativa de cessar levantes regionais e a proibição de exércitos próprios nos diversos territórios, surge a Revolução de 1930, literalmente capitaneada por Getúlio Vargas, em um conjunto de justificativas que já conhecemos em nossos dias. 



Filho de um general e após ter a própria carreira interrompida no Exército, Vargas absorve em 1930 o ideário de seus antigos colegas tenentes que, por sua vez, o apoiam na deposição de Whashington Luis. Como forma de consolidar o golpe, vargas impõe uma nova Constituição, de modo a ratificar legalmente as mudanças estruturais que planejara. Agora, diferente das estratégias golpistas do Marechal Hermes, Vargas tratou de deixar suas intenções bem claras à sociedade, posteriormente interferindo também nas mentalidades, sobretudo dos mais pobres e desinformados, fazendo com que a desinformação se tornasse uma estratégia permanente de governo, enquanto perseguia ferozmente opositores, como Luiz Carlos Prestes.


Militar do GSI, dá água a golpistas dentro do Planalto

Naquele 08 de janeiro de 2023, a imagem do golpista segurando a constituição em pleno STF, resume a intentona da extrema-direita bolsonarista. O conteúdo simbólico daquelas invasões serviriam como uma fábrica de heróis, em uma tentativa de tomada do poder, não fosse o fato de Flávio Dino, então Ministro da Justiça, estar em Brasília naquele fatídico domingo. A partir de seu olhar sobre os fatos que se desenrolaram diante de seus olhos, Dino pode constatar a conivência mascarada de fragilidade, por parte do governo do Distrito Federal. Vale lembrar que durante gestão Bolsonaro, cerca de 7 mil militares da ativa e da reserva, ocuparam cargos no governo federal, alguns deles ainda ocupando espaços no governo Lula. O Coronel Horta, comandante da Guarda Presidencial naquele momento, foi filmado, questionando PMs do DF sobre a prisão de manifestantes. Ouro militar, identificado como José Eduardo Natale, foi filmado oferecendo água aos golpistas dentro do Palácio presidencial, ele que era responsável pela segurança interna do espaço. Seria então possível governar o país sem o histórico protagonismo de militares, nas decisões estratégicas que mantenham firmes as estruturas da democracia e da República?


Enquanto o governo Dilma teve à frente do Ministério da Defesa nomes como o ex-Presidente do STF Nelson Jobim e o diplomata de carreira celso amorim, o governo Bolsonaro nomeou três generais do Exército durante seu governo. o atual Ministro da defesa José Mucio, tido como articulador político e exímio conciliador, declarou hoje que sua pasta “é mais tranquila do que se pode imaginar”, minimizando a importância de ações firmes na defesa da democracia e do direito. É possível, a final, encontrar um caminho do meio, que possibilite aliar um acesso  saudável à gestão das forças armadas e um conjunto de relações políticas que garantam a soberania nacional, sob o olhar preponderante da camada civil da sociedade?


O presidente Lula tomou a importante decisão de usar a entrega das obras de arte do Planalto, vandalizadas no 08 de janeiro de 2023, como marco histórico. De fato, precisamos de referenciais marcantes de memória da tentativa de golpe daquele dia, espalhados por todo território nacional, começando pelo principal alvo, o qual foi a Praça dos Três poderes. Não façamos daqui para diante, como o ocorrido entre os anos de 1964 e 1985, quando o desejo da classe politica foi majoritariamente a do apagamento histórico por interesses próprios, colocando a ávida busca por privilégios por parte de militares, como escudo para a intolerância, que concentra poder, constrói riqueza através do estado e corrói criminosamente a república por dentro.

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*Ivan Machado é professor de História, Mestre em Educação, especialista em Arte-Educação e presidente do Centro de cultura Popular da Baixada Fluminense.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

OLIMPÍADAS 2024 – EUROPA, IMIGRAÇÃO E A NOVA CORRIDA DO OURO

 



As últimas edições das Olimpíadas vêm mostrando a nova cara do protagonismo esportivo europeu, no cenário internacional. A quantidade de africanos, latinos e asiáticos levantando bandeiras de países europeus destoa do acentuado crescimento da extrema Direita naquele continente, deixando claro que não há uma contradição histórica, mas sim uma nova forma de apropriação dos corpos, visando ampliar a grandeza de um país, mais uma vez mostrando assim uma nova cara da “corrida do ouro”, que eles mesmos inauguraram.

A Escravidão de pessoas negras, no que se refere ao uso do ser humano como forma de concentração de riqueza e demonstração de poder, continua sendo o capítulo mais hediondo no processo que chamamos de civilizatório. Paralelo a isso, a premissa de desumanizar o escravizado e descredenciar suas construções culturais, tornou-se uma necessidade, em se tratando de naturalizar a submissão do outro e justificar o distanciamento entre pessoas esteticamente diferentes. Quando um país europeu como a França, em pleno Século XXI, admite selecionar atletas africanos às suas equipes olímpicas, me leva a questionar a dicotomia entre o crescimento da extrema-direita naquele país e a necessidade de elevar seu número de medalhas de ouro. Questiono então se é possível que as Olimpíadas de Paris em 2024 reflitam uma nova forma de valorização da grandeza nacional, reciclando o antigo método de apropriação da força de trabalho negra, todavia com novos códigos e algumas concessões. Ou seria possível ignorar as constantes críticas do jogador Mbappe às recorrentes expressões de racismo sofridas por ele em solo francês? Cabe observar que, em linhas gerais, tal reação não ocorre em situações opostas, onde estrangeiros ocupam, lugares de protagonismo nos chamados “países em desenvolvimento”, quase que em condições de direito adquirido.

Em alguns casos, a imigração europeia em terras brasileiras atualmente nos remete a um modelo capitalista de miscigenação, nos levando a crer que só é possível avançar, se o intercâmbio com a europeu for uma condição sine qua non. No dia 30 de julho último, o jornalista Raul Justi Lopes publicou matéria, na qual aborda a questão da conquista de medalhas olímpicas que dificilmente seriam conquistadas por algumas nações, sem que imigrantes integrassem suas equipes. O colunista do UOL retoma a ideia de “Complexo de  Vira-lata”, usada por Nelson Rodrigues, ao apontar que nosso país não é atraente para imigrantes, nos dias de hoje, em relação ao nosso passado. Segundo ele:

“O Censo brasileiro nem indica quantos professores estrangeiros atuam nas universidades brasileiras. O número deve ser menor ainda. Mas certamente há mais docentes estrangeiros na Universidade de Pequim que na Unicamp ou na Unesp (...)A ‘viralatagem mor’ é bloquear a possibilidade de termos chineses, americanos ou europeus por aqui, com a desculpa de que não teríamos como competir, nem aprender. É de uma falta de fé total no nosso potencial” - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/raul-juste-lores/2024/07/31/olimpiada-jogos-paris-celine-dion-vira-lata.htm?cmpid=copiaecola

Será mesmo que nosso país tem atrativos ou riquezas a serem apreciados, mas não plenamente no sentido intelectual, como aborda o jornalista, nesse parágrafo de seu texto? Nossas riquezas culturais não são fator de disputa de espaço na vitrine internacional, ainda que a construção de nossa identidade nacional tenha sido forjada fundamentalmente através da miscigenação e interação com outros povos, inclusive o europeu. Quando existiram incentivos governamentais para a vinda de estrangeiros, o Brasil sofria com a ideia de que nossa negritude nos transformava em uma nação de preguiçosos e “incultos”. É sempre bom relembrar que fomos colônia portuguesa e, mesmo com a presença da família real a partir de 1808, continuamos sendo vistos como sub-povo, carente da presença de “povos evoluídos” entre nós, na esperança de que o futuro nos garantisse espaço no mundo civilizado.

O que nos diferencia dos países europeus de histórico escravocrata é exatamente esse desapego pela disputa de hegemonia cultural, política e, porque não dizer, esportiva também. Diferente dos anos da Guerra Fria, a União Europeia tem no esporte um sentido de unidade, que, na prática não se reflete nos jogos, inclusive pela tendência de endurecimento nas relações com imigrantes, a partir da influência dos partidos de Estrema Direita entre países como a França e Alemanha. Já em se tratando de Brasil, se considerarmos a passagem de mais de uma dezena de craques europeus por clubes brasileiros nos últimos vinte anos, nos daremos conta de que nossa relação com atletas latino-americanos é mais promissora. O grande número de atletas vindos de países vizinhos atuando no futebol brasileira já não nos assusta faz tempo, demonstrando que o tal “viralatismo brasileiro” é relativo, sobretudo no mundo dos esportes.

É nítida a nós a estratégia de países europeus, na busca por um quadro de medalhas que reflita sua almejada grandeza nacional. Porém, no sentido patriótico, há incômodas controvérsias que desmontam o ideário de elevação de virtudes olímpicas, sobretudo quando a realidade política é contraditoriamente e gritante. Não atoa, a China se alterna na liderança dessas olimpíadas com os EUA. País que, de fato, assume sua necessária mistura de origens como virtude para se manter no topo e onde as divisões étnicas já não causa estranhamento a nós, muito menos entre eles. Vale também lembrar que Japão, que não nega em nenhum momento sua opção pelo isolamento cultural, se coloca à frente de antigos colonizadores como Espanha, Alemanha, Bélgica e Portugal, que inclusive ocupa as últimas posições no quadro de medalhas.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

OUTUBRO ROSA, A PORTA DE ENTRADA DO NOVEMBRO AZUL?

 


O CCPBF tem se deparado na prática com a realidade que já conhecemos, que é o desapego dos homens a qualquer tratamento preventivo de saúde, o que nos leva a refletir sobre quais mecanismos adotar para o enfrentamento de doenças como Tuberculose, câncer da próstata ou as corriqueiras mas não menos alarmantes, hipertensão e diabetes. 

Bastariam os dados do INCA, apontando que aproximadamente 1% dos casos de câncer de mama são atribuídos aos homens. Porém, o Outubro Rosa tem caráter fundamental de adesão do público masculino ao Programa de Saúde do Homem, sobretudo por sua visibilidade nacional. Nesse caso não é apenas o apoio e a solidariedade dos homens em relação as mulheres ao seu redor, que deve ser colocado como prioridade, mas também que não sejam só as mulheres que devam ter o serviço público e gratuito de saúde como algo relevante à sociedade, considerando que existem estratégias de saúde inclusive para o público masculino.  

Durante a gestão do então Ministro da Saúde José Gomes Temporão, o SUS já apresentou experiência de buscar uma maior aproximação do público masculino ao trabalho de prevenção da saúde o que, por fim, não deu muito certo. Segundo o Ministério da Saúde,  " Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) foi implementada em 2009 com o objetivo de promover a melhoria das condições de saúde da população masculina brasileira, contribuindo para a redução da morbidade e da mortalidade dessa população, abordando de maneira abrangente os fatores de risco e vulnerabilidades associados" 1

Ocorre que os homens acessam bem menos as Unidades de Saúde, que são a forma de acessar o SUS. Os homens, no geral, não dão a devida atenção às ações de prevenção, o que contribuiu com o declínio do programa, que prevê atenção a cinco fatores fundamentais:

  1. Acesso e Acolhimento: objetiva reorganizar as ações de saúde, por meio de uma proposta inclusiva, na qual os homens considerem os serviços de saúde também como espaços masculinos e, por sua vez, os serviços reconheçam os homens como sujeitos que necessitam de cuidados e acesso à saúde;
  2. Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva: promove a abordagem às questões sobre a sexualidade masculina, nos campos psicológico, biológico e social. Busca respeitar o direito e a vontade do indivíduo de planejar, ou não, ter filhos;
  3. Paternidade e Cuidado: busca sensibilizar gestores (as), profissionais de saúde e a sociedade em geral sobre os benefícios da participação ativa dos homens no exercício da paternidade em todas as fases da gestação e nas ações de cuidado com seus (suas) filhos (as), destacando como esta participação pode contribuir a saúde, bem-estar e fortalecimento de vínculos saudáveis entre crianças, homens e suas (seus) parceiras (os);
  4. Doenças prevalentes na população masculina: reforça a importância da atenção primária no cuidado à saúde dos homens, facilitando e garantindo o acesso e a qualidade dos cuidados necessários para lidar com fatores de risco de doenças e agravos à saúde mais prevalentes na população masculina;
  5. Prevenção de Violências e Acidentes: visa a conscientização sobre a relação significativa entre a população masculina e violências e acidentes. Propõe estratégias preventivas na saúde, envolvendo profissionais e gestores de saúde e toda a comunidade.

segundo o DVIASHV, que monitora dados de Tuberculose e HIV/AINDS, os homens sofrem o dobro da incidência de Tuberculose em relação as mulheres, numa proporção de 4,3 casos por 100 mil, enquanto os números são de 21,2 no caso das mulheres. Números que demonstram o tamanho do distanciamento dos homens em relação ao serviço público de saúde. Além disso, vale lembrar que esses números refletem dados oficiais. Ou seja, é possivel que essa disparidade entre mulheres e homens seja ainda maior, se considerarmos que muitos casos não chegam a ser notificados, devido a não visita dos homens ao posto de saúde. 

Então, a maior relevância do Outubro Rosa é sua visibilidade, que pode contribuir significativamente para o acesso dos homens ao Novembro Azul. Longe de lançar sobre a mulher mais uma responsabilidade em relação aos homens, entendemos ser fundamental que a cultura da atenção básica a saúde seja reafirmada nos nos lares. Entendemos que o machismo, por mais estranho que pareça, impõe uma forte carga de medo sobre os homens que, por sua vez, se sentem responsáveis por uma imagem de ser invencível, sobretudo diante de suas famílias. 

Precisamos urgentemente levar os homens ao convencimento de que, pedir ajuda, não é um fator depreciativo, muito pelo contrário. 

A LEI PAULO GUSTAVO E OS DESAFIOS DO PACTO FEDERATIVO NA CULTURA

 

Artistas, em contante expectativa quanto aos rumos das políticas culturais 

Pacto Federativo é um conjunto de regras constitucionais que determina a divisão de responsabilidades entre a União, os estados e os municípios (CF Arts. 1;18).


Foram quatro anos de lutas constantes, resistindo a um governo que, declaradamente, se posicionou como inimigo da cultura e dos agentes culturais. Superado esse período de trevas nas políticas públicas de cultura e nas relações institucionais, vivemos o desafio de esticar as lonas e re-pavimentar caminhos, ainda sob a resistência de muitos gestores que apoiavam abertamente um modelo centralizador e avesso à participação popular, em discordância com nossa Constituição.

Para ilustrar o tema, é no mínimo interessante observar o paralelo entre a Covid-19, que ainda mata cerca de vinte brasileiros por dia, e o modelo anterior de gestão pública, que mantém seus tentáculos nas prefeituras da Baixada Fluminense como vemos hoje. Ainda que o número de mortos seja bem menor, e o diálogo com o governo federal esteja em franco processo de retomada, ainda percebemos consequências pouco saudáveis daquele momento surdez  administrativa, como percebemos em relação à execução da Lei Paulo Gustavo até o momento.

Como muitos de nós sabe, a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo são duas iniciativas legislativas voltadas ao apoio e ao fomento do setor cultural brasileiro, que foi fortemente afetado pela pandemia de Covid-19. Para termos uma visão mais clara sobre o que foi esse constante vai e vem e seus impactos na relação entre os entes federativos e demais instâncias de Poder, traçamos aqui uma linha do tempo, demonstrando o duro processo de efetivação de um apoio justo à classe artística, grupos tradicionais, técnicos, produtores e demais agentes culturais por todo Brasil, com impacto direto em nossa Região, bem como a resistência do governo anterior à sua execução:

Junho de 2020: A Lei Aldir Blanc (Lei n.º 14.017) é sancionada, prevendo o repasse de R$ 3 bilhões a estados, municípios e Distrito Federal para medidas de apoio e auxílio aos trabalhadores da cultura atingidos pela pandemia. A lei é uma resposta da sociedade brasileira ao impacto da crise sanitária no setor cultural e uma homenagem ao compositor e escritor Aldir Blanc, que faleceu vítima do coronavírus.

Janeiro de 2021: A Lei Aldir Blanc é prorrogada por meio da Lei n.º 14.150, que amplia o prazo para utilização dos recursos e estende o auxílio emergencial aos trabalhadores da cultura.

Julho de 2021: O então presidente da República edita uma Medida Provisória (MP) que altera leis de apoio financeiro ao setor cultural, incluindo a Aldir Blanc. A nova determinação autoriza o Governo Federal a destinar os recursos, desde que respeitadas as disponibilidades orçamentárias e financeiras. Porém, protela os prazos para o repasse. A MP é vista como uma tentativa de inviabilizar a execução da lei e de desrespeitar a autonomia dos entes federativos na gestão dos recursos.

Agosto de 2021: O Supremo Tribunal Federal (STF) anula a MP e determina que os recursos da Lei Aldir Blanc sejam repassados aos estados, municípios e Distrito Federal, conforme previsto na legislação original. A decisão é comemorada pela classe artística e pela sociedade civil, que se mobilizaram em defesa da lei.

Julho de 2022: A Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar n.º 195) é aprovada, viabilizando o maior investimento direto no setor cultural da história do Brasil. São R$ 3,862 bilhões para a execução de ações e projetos em todo o território nacional. A lei é, também, um símbolo de resistência da classe artística e uma homenagem a Paulo Gustavo, artista símbolo da categoria, vitimado pela Covid-19.

Agosto de 2022: O Executivo tenta impedir os repasses da Lei Paulo Gustavo por meio do veto integral da lei, alegando inconstitucionalidade e falta de previsão orçamentária. O veto é criticado pelo segmento artístico-cultural e pela sociedade civil, que acusam o governo de negligenciar a cultura e de desrespeitar a memória de Paulo Gustavo.

Setembro de 2022: O Congresso Nacional derruba o veto presidencial e promulga a Lei Paulo Gustavo, garantindo a sua execução. A decisão é celebrada pela classe artística e pela sociedade civil, que se engajaram na campanha #DerrubaVetoPauloGustavo nas redes sociais.

Março de 2023: A recriação do Ministério da Cultura abre o caminho para a plena execução da Lei Paulo Gustavo. Após um intenso processo de escuta, a pasta edita o decreto regulamentar da lei, permitindo que estados, municípios e Distrito Federal pleiteiem a verba.

Novembro de 2023: Diversos estados e municípios lançam editais, chamamentos públicos, prêmios e outras formas de seleção pública para destinar os recursos da Lei Paulo Gustavo aos fazedores de cultura. A proposta é que trabalhadores da cultura tenham acesso aos valores por meio desses mecanismos, que contemplam diversas áreas das artes, com respeito à diversidade e à democratização cultural.

Ocorre que o Governo Federal e a Secretária de estado de Cultura e Economia Criativa-SECEC, pelo bem do que chamamos de Pacto Federativo, vêm buscando uma aproximação com os municípios, que nem sempre aderem ao princípio constitucional de que a cultura é um bem inalienável do povo brasileiro, como determina o Art. 215 de nossa Carta Magna. A LPG prevê que estados e municípios deveriam realizar “oitivas”, de modo a receber contribuições da sociedade civil na elaboração dos chamados Planos de ação que, por sua vez, foram encaminhados ao MinC para apreciação. Pelo que foi apurado, poucos planos de ação sofreram veto ou alguma proposta de alteração. O município de Mesquita-RJ, por exemplo, teve seu Plano de Ação aprovado na íntegra, mesmo após diversas alegações e observações feitas pela sociedade civil que, na prática, não foi ouvida no período de oitivas.

No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, 08 dos 92 municípios não realizaram conferências municipais e suas respectivas oitivas para receber os recursos da LPG. São eles: Angra dos Reis, Araruama, Carapebus, Piraí, São José do Vale do Rio Preto, Saquarema e Sumidouro. As conferências municipais deveriam ser realizadas até o dia 08 de outubro, conforme regulamentação da 5ª Conferência Estadual de Cultura. Ainda assim, a SECEC definiu os Encontros Setoriais de Cultura como mecanismo alternativo para eleição de Delegados à Conferência estadual, de modo a possibilitar que agentes culturais não fossem excluídos do encontro. Citando mais uma vez Mesquita, a gestão municipal da cultura agendou sua Conferência para o dia 21 de outubro e, portanto, fora do prazo definido pela SECEC, teve sua agenda corroborada pelo MINC, inclusive com a presença de representante do Ministério no conclave. A justificativa dada na ocasião pela Secretária dos Comitês de Cultura do MINC, Roberta Martins, foi a de que “estamos em um novo tempo de repactuação e que todos nós, sociedade civil e governos, devemos olhar pra frente”.

Entendemos que, de fato, estamos em um novo tempo de reconstruir pontes e repactuar políticas, de modo a retomar o respeita a princípios básicos como a descentralização de recursos financeiros a estados e municípios. Todavia, esses novos ares devem ter como premissa a aproximação com a cadeia produtiva da cultura que, de fato, é o público alvo das políticas públicas.  Nós, agentes culturais, vemos com muita preocupação a possibilidade de que o marco legal da cultura se torne volátil a ponto de aproximar governos e perpetuar o distanciamento entre gestores e a sociedade civil. Me vem à mente a ideia de Gramsci, quando afirma que o Estado (brasileiro, no nosso caso), é composto de sociedade civil e sociedade política, dando a entender que é letal à democracia que essas duas instâncias sejam adversárias, sobretudo quando os poderes constituídos pactuam apoio mútuo e espaços de consenso.