sábado, 25 de janeiro de 2025

O CINEMA COMERCIAL E O TRUMPISMO 2.0: OLHARES DISTINTOS SOBRE A SOCIEDADE

  

Trump: tentou impedir o lançamento da própria cinebiografia

*Por Ivan Machado

Ao saber que o presidente recém-eleito Donald Trump, destinou cerca de 500 bilhões para o desenvolvimento de IA, sendo 100 Bilhões logo nesse primeiro ano de mandato, tive a curiosidade de buscar informações sobre o montante de recurso financeiros federais voltados à cultura. Sem surpresa alguma, zero é o número que define a previsão orçamentária para o setor. Considerando então a ideia de que revolução é um processo, a indústria do cinema faz algo que tem paralelo com o Carnaval do Rio, que nos últimos anos fincou pé na abordagem de nossas raízes ancestrais na elaboração dos enredos. A surpreendente entrega do Oscar 2024 para o filme coreano “Parasita” é sem dúvida uma quebra de paradigma. O Oscar de Melhor Filme no ano passado dá o tom do novo modelo de gestão da maior Academia de Cinema dos EUA, que possibilita, inclusive, que o filme “Ainda Estou Aqui” chegue a indicação de três estatuetas em 2025.  

Vale lembrar que gerações de brasileiros foram levadas a adotar a cultura estadunidense como modo de vida, a partir de filmes, séries e animações, ao longo dos últimos 60 anos. Agora, o “não” às expressões artísticas, temperado pelo negacionismo estratégico e modelo neoliberal de Trump, pode ser o empurrão que faltava para a indústria do cinema consolidar o papel de chacoalhador de mentes, a partir da diversidade de ideias e abordagens que a telona possibilita.


Segundo publicação do Instituto da Cultura Árabe no Brasil, data de 1985 o início de investimento estatal no cinema iraniano, que vem crescendo e ampliando sua visibilidade desde então. O que inicialmente surge como iniciativa de poucos e pequenos produtores audiovisuais, gradativamente cria adesão junto a sociedade, convencendo o próprio governo que o investimento em cinema poderia ser transformar em um valioso capital cultural a ser exportado, como cita o próprio site:


Com um investimento anual superior a U$ 1,5 bilhões, o Irã lança cerca de 100 longas de ficção e mais de 2 mil curtas-metragens, o que coloca o país entre os dez maiores produtores mundiais. As escolas de cinema estão presentes em 52 cidades, mas há deficiências a serem corrigidas: “Além de ter apenas 400 salas de projeção para uma população de 70 milhões de habitantes, há falta de equilíbrio entre a quantidade de filmes de arte e comerciais”, afirma Massoud Bakhshi, ex-diretor do Documentary na Experimental Fim Center, que organiza o Festival Cinema Verdade e encarrega-se da distribuição e promoção dos filmes experimentais e pequenos documentários


No Brasil, a ANCINE cumpre um papel de mediação junto a cadeia produtiva do cinema e a iniciativa privada, de modo que seja possível uma melhor fruição da produção cinematográfica brasileira, dentro e fora do território nacional. Segundo Daniel Rezende, produtor do filme Chico Bento, que também é um dos avaliadores do Oscar, a Academia estadunidense conta hoje com um grande número de avaliadores oriundos de diversos países, conferindo a diversidade necessária para que as surpresas que temos hoje sejam possíveis. No Brasil, no entanto, a surpresa de ter a pioneira Ruth de Souza indicada a Melhor Atriz no Festival de Veneza em 1954 e Fernanda Torres ao Oscar 2025, é a prova de que a consolidação do cinema nacional é um longo e teimoso processo, mesmo no Brasil de hoje.

Hollywood modelo Tramp

No que se refere a dar apoio à cultura enquanto política pública, Trump deixou claro que aquele velho cinema estadunidense, no melhor modelo “tiro, porrada e bomba”,  precisa voltar a ser dominante a nivel global. Dias antes de sua posse, em 16 de janeiro, ele publicou no   X (antigo Tweeter), sua decisão de indicar os atores Jon Voight, Mel Gibson e Sylvester Stallone, como Embaixadores de Hollywood. Voight, pai de Angelina Jolie, atuou em filmes super conhecidos no Brasil, como Inimigo do Estado, Missão Impossível e Transformers. Mel Gibson que, para surpresa de muitos, é inclusive misógino, fez fala preconceituosa em relação à candidata Democrata, como vemos na matéria do site O Antagonista, no dia 23/01:  


Gibson já insinuou algumas vezes que Kamala Harris tinha pouca inteligência: “Histórico miserável. Não há diretrizes para falar. Ela tem o QI de um poste de cerca.”, disse o ator e diretor sobre a candidata democrata. 


Já Stallone considera Trump o “segundo George Washington”, o que foi motivo de críticas por parte de seus seguidores nas redes sociais. 


O que vemos no cenário do cinema aqui e no restante do mundo, é o sentimento que leva esse segmento a um necessário enfrentamento ao totalitarismo, sem falar da vergonha à qual é submetido quem vai na direção contrária desse expressão artística que, por parte de pessoas acolhe a diversidade como marco civilizatório. 

Ainda Estou Aqui: reflexo da repressão pelo mundo

Nesse momento que precede  a mais uma entrega do Oscar, o perfil dos indicados já dá conta de que conflitos entre a indústria do cinema e o Trumpismo é inevitável. Se levarmos em conta ao menos duas indicações a Melhor Atriz para esse ano, será possível sentir a temperatura das próximas edições. A atriz Fernanda Torres retrata como a esposa do Engenheiro Rubens Paiva lutou pelo reconhecimento legal do assassinato de seu marido, por parte do regime militar. O filme Ainda Estou Aqui já disse ao que veio, deixando claro que a perseguição política abordada pelo filme de Walter Sales, reflete uma realidade que nunca esteve distante de nós. A coerção estatal, aliada ao uso de força militar, é algo que o restante do mundo conhece bem, fazendo com que o filme serva não apenas como marco histórico, mas também como um alerta contra o totalitarismo, que hoje brota  em todos os continentes. 


O filme Emilia Perez, estrelado por Karla Sofía Gascón tem, por sua vez, 13 indicações, incluindo Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante e Música Original. Segundo Emma Jones da BBC Brasil. “O filme mescla vários gêneros para contar a história de um senhor das drogas mexicano. Ele faz a transição para se tornar mulher e busca restaurar a justiça pelos "desaparecidos” do país — pessoas mortas e ausentes, vítimas da violência relacionada aos crimes e às drogas.” A protagonista não se ilude, entendendo que a possível premiação e o atual reconhecimento não refletem a realidade social, sobretudo no que se refere a uma pessoa trans. Em matéria publicada no site do UOL no dia 24 de janeiro, a atriz espanhola diz o seguinte: “Não sou uma atriz melhor agora, nem era pior antes. Não sou uma pessoa melhor, nem sou nada, sou a mesma pessoa, simplesmente, colocada em outro lugar”.

Filme Emilia Perez: sofre críticas pela abordagem
O lugar do cinema, pelo que vemos, continua em disputa, tanto por quem o faz quanto por quem o desafia, propondo uma relação utilitária entre poder, dinheiro e dominação ideológica. O cinema comercial é, sim, reflexo de nossa sociedade capitalista. Porém, vale lembrar que, se o cinema é um produto a ser consumido, a face de quem o consome também deve ser refletida nele, horizontalmente.


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*Ivan Machado é professor de História, Mestre em Educação, especialista em Arte-Educação e presidente do Centro de cultura Popular da Baixada Fluminense.


Veja mais em:

https://www.uol.com.br/splash/noticias/2025/01/24/indicada-ao-oscar-atriz-de-emilia-perez-quer-se-manter-na-realidade.htm?cmpid=copiaecola


https://www.icarabe.org.br/artigos/projecao-internacional-apesar-da-censura?form=MG0AV3


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

0 08 DE JANEIRO E O PERMANENTE ESTADO DE GOLPE, NO BRASIL

 

Simbolo do golpismo - foto: Gazeta do Brasil

Por Ivan Machado*

Esse 08 de janeiro de 2025 já pode ser considerado o novo marco histórico da didática golpista no Brasil, tendo a Caserna como esteio. Esse momento é um fato recente, mas não um fato isolado, se considerarmos essa promíscua relação entre concentração de poder econômico, extremismo de direita e as forças militares, no Brasil. Um exemplo raramente citado e o primeiro com maior relevância na história republicana brasileira é o de Ruy Barbosa, em sua campanha presidencial de 1909, que sofreria um golpe militar após sua exitosa “Caravana da Cidadania”, com a qual percorreu diversos cantos do país. Retratado como baixinho chato e metido a “sabe tudo” por veículos de imprensa como a Revista O Malho, Ruy era alvo do ódio de militares e demais representantes das estruturas de poder, que tinham a mídia da época a seu favor. Na ocasião, o sobrinho do Duque de Caxias, também candidato a presidente, o Marechal Hermes da Fonseca, protagonizou uma virada de mesa com o apoio do Exército, desconsiderando o resultado das urnas e empossando o militar, naquele ano. 

Rui Barbosa, candidato a presidente e primeiro exemplo
de golpe militar nas eleições modernas, no Brasil

Se hoje podemos olhar para os atos golpistas do passado com o devido distanciamento histórico, devemos então olhar as particularidades sociais e estruturas midiáticas de cama um daqueles momentos, com maior clareza e um olhar mais crítico, se a proposta for analisar fatos de hoje. Devemos também compreender que os sinais apontam para uma horizontalização do golpismo, agora em escala global. Não fosse a derrota de Trump para Biden em 2020, é bem provável que os atos golpistas em Brasília tomariam outros caminhos, sobretudo se considerarmos que, assim como no exemplo de Ruy Barbosa, a comunicação de massa cumpre papel fundamental no suporte social do golpe. Inclusive, não devemos nos esquecer que estruturas de poder econômico vêm investindo pesado na acuidade do faro sobre o pensamento popular, através das corporações ligadas às mídias sociais. 


Vale lembrar que em 2008 o Facebook se mostrou uma ferramenta eficaz para os Democratas nos EUA, enquanto estratégia viável para a tomada de poder, vide a eleição de Obama que, inclusive, foi o primeiro presidente a usar o Tweeter e fazer lives. A partir e então, as redes sociais não deveriam ser utilizadas apenas em campanhas eleitorais. Já no Brasil, o golpe contra Dilma deixa claro que o chamado pacto federativo não tem a menor relevância, quendo se refere a tomada de poder a qualquer custo, o que a própria ex-presidente relata em seu artigo, publicado no site Brasil de Fato, em 2019:


O golpe resultou numa calamidade econômica e social sem precedentes para o Brasil e, em seguida, na eleição de Bolsonaro. Direitos históricos do povo estão sendo aniquilados. Avanços civilizatórios alcançados no período democrático que sucedeu à ditadura militar vão sendo dilapidados. Conquistas fundamentais obtidas nos governos do PT passaram a ser revogadas. Este processo radicalizou-se com um governo agressivamente neoliberal na economia e perversamente ultraconservador nos costumes. Um governo com uma inequívoca índole neofascista.


Biden alerta Dilma sobre golpe


Em 2014 o então Vice-Presidente Joe Biden, veio ao Brasil para entregar um HD contendo dez anos de investigações sobre a ditadura militar no Brasil, como forma de desmontar as mentiras que vinham sendo construídas para desestabilizar o governo Dilma. O conteúdo desses documentos não vieram a público, numa tentativa de não tencionar a já frágil relação entre Dilma e os militares. Ocorre que poucos países têm uma estrutura republicana com um alinhamento tão estreito com as forças armada, como o Brasil. Vale também lembrar que o investimento dos governos Lula superaram inclusive o aporte de recursos dos governos Temer e Bolsonaro, demonstrando assim que o suposto medo de uma intentona comunista nacional por parte da Esquerda, é infundada.


Pra onde aponta o 08 de janeiro?


Não dá pra negar que a aura golpista no Brasil é um tipo de “Camada de Ozônio”, que sofre interferências humanos constantes, em um espectro cujo entendimento popular, pouco aguçado, não consegue mensurar com clareza. Assim, do mesmo modo como podemos apenas analisar indicadores ambientais e seus impactos à qualidade de vida no planeta, de igual modo lidamos como fatores políticos históricos, olhando em perspectiva para as estruturas que sustentam o golpismo em terras tupiniquins. Asim, não há como prever por exatamente quais perigos passa a Democracia. Porém, é possível sim estar atentos quanto aos fatores ambientais propícios às novas tempestades anti-democráticas.


Aquele presidente golpista do início da República o qual citamos no início desse texto, assume o governo em 1910, mesmo da chamada Revolta Chibata, quando a marujada negra se mobiliza contra os castigos físicos nos navios da Marinha brasileira tomando estrategicamente dois navios de guerra. Segundo jornais da época, a população acreditava ser aquele, apenas mais um levante separatista entre tantos, em pouco mais de 20 anos do fim da monarquia, o que demonstra o já corriqueiro estado de emancipações políticas na virada do século XX. 20 anos depois, sob a justificativa de cessar levantes regionais e a proibição de exércitos próprios nos diversos territórios, surge a Revolução de 1930, literalmente capitaneada por Getúlio Vargas, em um conjunto de justificativas que já conhecemos em nossos dias. 



Filho de um general e após ter a própria carreira interrompida no Exército, Vargas absorve em 1930 o ideário de seus antigos colegas tenentes que, por sua vez, o apoiam na deposição de Whashington Luis. Como forma de consolidar o golpe, vargas impõe uma nova Constituição, de modo a ratificar legalmente as mudanças estruturais que planejara. Agora, diferente das estratégias golpistas do Marechal Hermes, Vargas tratou de deixar suas intenções bem claras à sociedade, posteriormente interferindo também nas mentalidades, sobretudo dos mais pobres e desinformados, fazendo com que a desinformação se tornasse uma estratégia permanente de governo, enquanto perseguia ferozmente opositores, como Luiz Carlos Prestes.


Militar do GSI, dá água a golpistas dentro do Planalto

Naquele 08 de janeiro de 2023, a imagem do golpista segurando a constituição em pleno STF, resume a intentona da extrema-direita bolsonarista. O conteúdo simbólico daquelas invasões serviriam como uma fábrica de heróis, em uma tentativa de tomada do poder, não fosse o fato de Flávio Dino, então Ministro da Justiça, estar em Brasília naquele fatídico domingo. A partir de seu olhar sobre os fatos que se desenrolaram diante de seus olhos, Dino pode constatar a conivência mascarada de fragilidade, por parte do governo do Distrito Federal. Vale lembrar que durante gestão Bolsonaro, cerca de 7 mil militares da ativa e da reserva, ocuparam cargos no governo federal, alguns deles ainda ocupando espaços no governo Lula. O Coronel Horta, comandante da Guarda Presidencial naquele momento, foi filmado, questionando PMs do DF sobre a prisão de manifestantes. Ouro militar, identificado como José Eduardo Natale, foi filmado oferecendo água aos golpistas dentro do Palácio presidencial, ele que era responsável pela segurança interna do espaço. Seria então possível governar o país sem o histórico protagonismo de militares, nas decisões estratégicas que mantenham firmes as estruturas da democracia e da República?


Enquanto o governo Dilma teve à frente do Ministério da Defesa nomes como o ex-Presidente do STF Nelson Jobim e o diplomata de carreira celso amorim, o governo Bolsonaro nomeou três generais do Exército durante seu governo. o atual Ministro da defesa José Mucio, tido como articulador político e exímio conciliador, declarou hoje que sua pasta “é mais tranquila do que se pode imaginar”, minimizando a importância de ações firmes na defesa da democracia e do direito. É possível, a final, encontrar um caminho do meio, que possibilite aliar um acesso  saudável à gestão das forças armadas e um conjunto de relações políticas que garantam a soberania nacional, sob o olhar preponderante da camada civil da sociedade?


O presidente Lula tomou a importante decisão de usar a entrega das obras de arte do Planalto, vandalizadas no 08 de janeiro de 2023, como marco histórico. De fato, precisamos de referenciais marcantes de memória da tentativa de golpe daquele dia, espalhados por todo território nacional, começando pelo principal alvo, o qual foi a Praça dos Três poderes. Não façamos daqui para diante, como o ocorrido entre os anos de 1964 e 1985, quando o desejo da classe politica foi majoritariamente a do apagamento histórico por interesses próprios, colocando a ávida busca por privilégios por parte de militares, como escudo para a intolerância, que concentra poder, constrói riqueza através do estado e corrói criminosamente a república por dentro.

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*Ivan Machado é professor de História, Mestre em Educação, especialista em Arte-Educação e presidente do Centro de cultura Popular da Baixada Fluminense.