sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Pintura Naif de Noeli Rocha


Noeli Rocha é artista plástica e animadora cultural. Pelo fato de ser autodidata, ela apenas descobriu que seus quadros eram classificados no estilo Naif ao ser convidada a expor nas galerias do Rio, onde seus quadros são classificados como legítimos exemplos dessa categoria. Moradora do município de Mesquita-RJ, é viúva do poeta e compositor Roque da Paraiba. Além de escultora e professora de artesanato, também ensina as famílias da comunidade em torno da Escola Estadual Ana Neri onde trabalha a aproveitar melhor os alimentos. "cultura também é cidadania" diz Noeli.

Definição*
O termo arte naïf aparece no vocabulário artístico, em geral, como sinônimo de arte ingênua, original e/ou instintiva, produzida por autodidatas que não têm formação culta no campo das artes. Nesse sentido, a expressão se confunde freqüentemente com arte popular, arte primitiva e art brüt, por tentar descrever modos expressivos autênticos, originários da subjetividade e da imaginação criadora de pessoas estranhas à tradição e ao sistema artístico. A pintura naïf se caracteriza pela ausência das técnicas usuais de representação (uso científico da perspectiva, formas convencionais de composição e de utilização das cores) e pela visão ingênua do mundo. As cores brilhantes e alegres - fora dos padrões usuais -, a simplificação dos elementos decorativos, o gosto pela descrição minuciosa, a visão idealizada da natureza e a presença de elementos do universo onírico são alguns dos traços considerados típicos dessa modalidade artística. 

(...)

 Noeli Rocha - agraciada com o Prêmio Baixada 2010
Se em sua origem essa modalidade é definida como aquela realizada por amadores ou autodidatas, o processo de reconhecimento e legitimação obtidos nos circuitos artísticos leva a que muitos pintores, com formação erudita, façam uso de procedimentos caros aos naïfs. Além disso, a arte naïf desenha um circuito próprio e conta com museus e galerias especializados em todo o mundo. No Brasil, especificamente, uma série de artistas aparece diretamente ligada à pintura naïf, como Cardosinho (1861 - 1947), Luís Soares (1875 - 1948), Heitor dos Prazeres (1898 - 1966), José Antônio da Silva (1909 - 1996) e muitos outros. Entre eles, ganham maior notoriedade: Chico da Silva (1910 - 1985) - menção honrosa na 33ª Bienal de Veneza - e Djanira (1914 - 1979). Aluna do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, Djanira completa sua formação com aulas de Emeric Marcier (1916 - 1990) e Milton Dacosta (1915 - 1988), seus hóspedes na Pensão Mauá, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Nos anos 1950, ela é artista consagrada e uma das lideranças do Salão Preto e Branco. A arte popular do Nordeste brasileiro - as xilogravuras que acompanham a literatura de cordel e as esculturas de Mestre Vitalino (1909 - 1963) - figura em algumas fontes como exemplos da arte naïf nacional.

* fonte: Fundação Itaú Cultural

Vídeo: entrevista PróCultura com Noeli Rocha


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Bate-bola ou clovis, é cultura que permanece


 Grupo de clóvis do bairro Edson Passos - unindo gerações

Quando uma atividade tem caráter coletivo e permanente, com símbolos e códigos particulares a um determinado grupo, chamamos tal evento de cultural. Nesse sentido, a figura do bate-bola, tão presente nos nossos carnavais há muitas décadas, recebe hoje o nome de Clovis.
Por gerações os bate-bola são uma das marcas do carnaval na Baixada Fluminense e Subúrbio do Rio. Com uma alusão muita clara aos chamados “palhaços”  das Folias de Reis, acrescentava-se a isso a utilização de uma bola feita de bexiga de porco que, amarrada a um barbante ou corda fina, assustava crianças por conta das mascaras aterrorizantes e o barulho causado pela batida da bola no solo.
Bate-bola - Medo e desafio para os pequenos (foto:argostofoto.com.br)

Nos dias de hoje, já com o nome de Clóvis, a imagem dessas figuras tornou-se temática. Grupos se reúnem com fantasias idênticas, perfumados e na maioria das vezes e com motivos infantis, os Clóvis alegram as festas de carnaval  de rua por onde passam, buscando desmitificar o passado de medo e provocação por parte das crianças. Era comum ouvir o refrão cantado pelos pequenos: “bate-bola, bate o pé, tira a roupa da mulher. Se for bicha fica aí, se for homem vem aqui!”


 Analogia: palhaço da Folia  - Homenagem feita aqui no blog:
http://ivanmachadoarte-educao.blogspot.com.br/2012/01/dia-de-reis-os-tres-reinados-de.html

Na Cidade do Rio de Janeiro o clóvis ou bate-bola será considerado mais um patrimônio cultural da Cidade, como afirma o prefeito Eduardo Paes: “É uma manifestação típica do subúrbio e carnaval não é só samba, é também manifestação cultural”
É de fato cultura que acompanha nossas vidas desde sempre e como deve ser, é mutável e transformadora.

Em 2013

Vamos acompanhar a farra dos "bate bola" em Mesquita, iniciando peles locais de venda, como o que está localizado em frente ao Cemitério Municipal.
Loja de artigos religiosos que se dedica ao Clovis no pré carnaval

Eles são parte da História do Rio de Janeiro e surgem até mesmo quinze dias antes do carnaval.

Se é só a fantasia, é Clovis. Com uma bexiga num taco, é o famoso BATE BOLA!!!!!!!!


Meninos no Bairro Vila Emil  em 25/01/2013 - duas semanas antes do carnaval


Mascaras: o ilhois na boca remonta o tempo em que se utilizava chupeta

Onde vende: curiosamente, prioridade nas lojas de produtos religiosos de matriz africana 


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A MARINHA DO BRASIL E SEU HISTÓRICO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS


Nome dado à rua com maior numero de negros no eixo Mesquita/Nilópolis

(Texto revisado em 08/11/19)

A ideia de “direitos humanos” tem sua origem no ano de 1948, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a partir do que os estados nacionais deveriam se referenciar, no sentido de estabelecer regras de convivência pacífica e cidadã, ainda que tal dispositivo tenha surgido após duas grandes guerras que devastaram países e contribuíram pra refazer o mapa mundial. O fato é que as forças armadas se colocam como um rincão de austeridade e disciplina, que se estabelece a partir de sua própria interpretação, muitas vezes sem a devida transparência, o que torna difícil a aplicação de uma justiça que garanta direitos.


A Marinha do Brasil, em particular, se notabilizou ao longo do tempo como uma força armada que se coloca acima das demais, por seu inegável legado histórico, sobretudo no que se refere ao pioneirismo da navegação portuguesa, herdada. No Brasil república, a Marinha deixa claro seu desejo de manutenção do status quo, da pior maneira possível, ao subjugar seus subordinados através de castigos corporais, quando em situação que carecessem de punição, como vemos na chamada “Revolta da Chibata” (vide link a baixo). O agravante em relação a essa postura da Marinha do Brasil é o reflexo disso na sociedade. O conservadorismo das camadas privilegiadas demonstra que de fato algumas medidas punitivas devem mesmo ser exaltadas, quando ocorrem na base da sociedade, como vemos no exemplo a seguir.

O Almirante Batista das Neves na Chatuba


Pode parecer zombaria... e de fato é. No bairro com maior população de negros e pardos e onde os moradores detém a menor renda do eixo Mesquita/Nilópolis, ergue-se uma homenagem a um notório torturador de negros da República. O Almirante João Batista das Neves, comandante de um dos maior navio de guerra das Américas, institucionalizava o que João Cândido chamava de “escravidão na Marinha brasileira”, fazendo dos castigos físicos uma verdadeira vergonha para a nação brasileira e mostrando que, para muitos "senhores", o pobre e o preto ainda devem ser submetidos à "justiça" de quem manda.

Em 21 de Agosto de 1947 Nilópolis emancipou-se de São João de Meriti. Questionou-se então que o território nilopolitano deveria ser o da Fazenda São Matheus, que ia até o Rio Socorro(divisa entre Av. União e Rua Batista das Neves). Com a venda dessa área no início do Século XX, os lotes destinados aos compradores de mais baixa renda  foram registrados em cartório com ruas enaltecendo grandes “vultos históricos” como era praxe do positivismo, uma tradicional corrente filosófica, cuja criação é inspirada no pensador francês Auguste Comte (1798-1857). O Município de Nilópolis então teve – como na verdade deveria ser – limite no Rio Sarapuí, maior acidente geográfico de referência, fazendo com que se perdesse para Nova Iguaçu os bairros Chatuba e Várzea do Sarapuí, hoje conhecido como Edson Passos.

Se os castigos físicos eram tidos como desumanos mesmo na primeira década da Republica, o texto a mim enviado pelo Otair mostra que, na mente de muitos, a escravidão ainda não terminou.

Ivan Machado

Texto enviado por Otair Fernandes

Encerramos o ano de 2011 com um balanço de violação dos direitos das comunidades quilombolas no Brasil.
A Marinha como inimiga histórica da população negra do Brasil - vide o exemplo da Revolta da Chibata, em 1910, e, 100 anos depois, os recentes eventos ocorridos em Alcântara, no Maranhão, em Marambaia, no Rio de Janeiro, e, agora, no Quilombo Rio dos Macacos, Bahia, onde mais uma vez o Ministério da Defesa, através da Marinha, corre o risco de responder numa corte internacional dada a situação de violações composta por um repertório que passa desde o impedimento de crianças irem à escola até a negação de socorro a pessoas centenárias. No território quilombola do Rio dos Macacos, oficiais da Marinha estão diretamente implicados em casos que levaram até mesmo a óbito.
Se tem uma expressão entre os poderes no Brasil que não conhecemos são as Forças Armadas, que se constituíram no País desde o início do século XIX com a missão de caçar negros e indígenas, impedindo qualquer forma de organização política destes dois segmentos . Ao longo do século XX, esta mesma instituição se articulou e cresceu no Brasil, sustentada por três pilares: trata-se de uma organização patrimonialista, sectária e focada na estratégia de guerra onde a maioria da população é tratada como inimiga. Só por isso foi possível atravessarmos o século XX com intervalo de democracia e realidade de ditadura, pois o último princípio de sustentação das forças armadas no Brasil conta com o elemento de ausência de qualquer mecanismo de diálogo e controle social por parte da população.

Portanto, o que está acontecendo em Rio dos Macacos coloca a Marinha em rota de colisão com a sociedade democrática de direitos, onde todas as instituições do Estado estão funcionando. A Marinha, enquanto instituição anunciada em sua missão de defesa, tem atuado constantemente violando os direitos humanos dessa e de outras comunidades que por gerações inteiras lutaram para conquistar, implicando na negação do direito de ir e vir, de expressão, de organização política, de acesso aos serviços básicos, como educação e saúde, do modo ser e fazer das comunidades que habitam secularmente e que tiveram seus territórios invadidos datado nos últimos 50 anos. 

Nos últimos meses, como forma de enfrentar a organização política da comunidade Rio dos Macacos e da solidariedades de muitos grupos da Bahia e do Brasil, a Marinha protagonizou  inúmeras ações violentas a exemplo do assédio diário à comunidade com dezenas de fuzileiros armados; invasão de domicílios atentando contra os direitos das mulheres; uso ostensivo de armamento exclusivo das forças armadas criando verdadeiros traumas em crianças, adolescente e idosos, que tiveram casas invadidas e armas apontadas para as suas cabeças; impedimento das atividades econômicas tradicionalmente desenvolvidas pela comunidade, como a agricultura e a pesca de subsistência como forma de inviabilizar a permanência no território;

Um saldo desse conflito desigual se evidencia no grande número de crianças, adolescentes e adultos que foram impedidas ou que foram forçadas a desistir de frequentar a escola. Na comunidade de Rio dos Macacos, dois fuzileiros ficavam de prontidão num ponto denominado pela comunidade como “barragem” para impedir a saída e entrada de pessoas, e quem insistiu foi espancado, preso e humilhado publicamente como castigo exemplar. Desde a década de 1970 que mais de 50 famílias foram expulsas do território e se mantém alto nível de hostilidade aos que permaneceram resistindo. 

A disputa não se dá apenas no campo objetivo, pois a Marinha, ao destruir dois terreiros de Candomblé em Rio dos Macacos, também estabeleceu uma guerra contra a sustentação simbólica, que incide diretamente no ataque à memória, à cultura e às tradições, elementos fundamentais à identidade quilombola. Neste ponto, a Marinha viola todos os protocolos internacionais assinados pelo Brasil, a exemplo da Declaração de Durban, resultante da 3ª  Conferência Mundial contra o Racismo, na África do Sul, em 2001.  

Diante da ampla mobilização e denúncias tão contundentes, diferentes órgãos e instâncias da administração pública do Governo Federal (SEPPIR, FCP, AGU, PGF, PGU, MDA,INCRA, MINISTÉRIO DA DEFESA E SECRETARIA GERAL DA PRESIDENCIA), implicados na garantia dos direitos das comunidades quilombolas, garantido no artigo 68 dos atos das disposições transitórias da Constituição Federal de 1988,   que garante que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”, regulamentado no decreto 4887/2003, em conformidade com Convenção 169 da OIT, tomaram como decisão realizar imediatamente o RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação), que é uma peça técnica fundamental para que a presença da comunidade no território seja entendida pelos poderes públicos.

Estranhamente e de forma arbitrária, a Marinha achou-se no direito de impedir um órgão da administração federal, o INCRA, de cumprir com o dever constitucional e o acordo institucional firmado no dia 3 de novembro de 2011. No dia 09 de dezembro, a Marinha anunciou que não ia permitir a entrada dos técnicos do INCRA no local, alegando que as ações daquele órgão no sentido de realizar os estudos necessários à regularização das terras dos quilombolas e assim cumprir o que manda a Constituição seriam incompatíveis com o interesse público. Leia-se, como interesse de ampliar a Vila dos Militares.

Desta forma, enquanto a Presidenta descansa sem talvez saber o que se passa a poucos metros da caserna, guarnecida pelo aparato militar, também o INCRA e seus servidores estão sob ameaça, pois a Marinha, nos termos do documento anexo, promete, “utilizando-se dos meios permitidos em Regulamento para inibir qualquer prática atentatória à perda das garantias de manutenção da Dominialidade Federal da região”, barrar o processo de realização dos direitos constitucionais da comunidade.

Por tudo relatado, exigimos providências imediatas por parte da Presidenta da República e pelo Ministro da Defesa, pelo fim da violação dos direitos humanos, pelo garantia dos direitos quilombolas e pela imediata regularização fundiária do Território da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos!!!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Adilson de Mesquita pede passagem (literalmente)

Malandro Sorridente de Adilson di Mesquita Mesquita, nas paradas.

 Texto e foto de David Avelar

Adilson da Silva e Souza, o Adilson di Mesquita, como é conhecido popularmente, compositor e cantor, tendo gravado com Adelzon Alves, é daqueles caras humildes que não venceu na vida como compositor. Mas como eletricista, trabalha comigo há mais de 15 anos. Já reformou as Águas Dançantes de Orlando Orfei, duas vezes, montou diversos trios elétricos na Ria Som e geradores em diversas empresas como na Rio-Veneza e Arco-foods. Quando abriram as inscrições para o São Paulo Exposamba, chamei o Adilson. E fizemos um vídeo de qualidade,  e enviamos para a  promotora do evento, São Paulo ExpoSamba. Resultado: Adilson foi escolhido dentre mais de 80 mil inscrições, em 232º lugar, para participar, em São Paulo, das eliminatórias que já estão acontecendo, nas quais o compositor de “malandro sorridente”, um samba de gafieira, brejeiro, cadenciado, com uma letra impecável, vai defender o seu samba. Agora o drama. Adilson mora numa parte do terreno da filha  e da neta, em Mesquita. É pobre “de marré, marré”. Sujeito digno e honrado, está fazendo uma “vaquinha" com os amigos para viajar. Porque os responsáveis pela Cultura, dizem que é muito difícil, em cima da hora, conseguir verba. Bem, não há novidade nenhuma nisso. Diversos grupos que foram representar os municípios da Baixada em diversos eventos de âmbito nacional e tiveram os mesmos problemas. Senão vejamos: Grupos de Dança, dos quais minhas filhas faziam parte, nós, pais, tivemos de ir junto para custear a viajem. Voltamos com o primeiro lugar em algumas categorias. Para o Danza América, realizado na Argentina a mesma coisa. Um grupo de teatro luta para ir a São Paulo. Vamos ver se o nosso Adilson de Mesquita tem mais sorte a consegue um mecenas. Ele merece!
No dia 22 de janeiro, no CEU Três Lagos, ele foi, cantou e venceu, passando para o grupo de 1.000 classificados.
Agora, no dia 2 de fevereiro, na casa Tom Brasil,  ficou entre os 40 semifinalistas. para ver clique aqui...
Agora é só esperar para ver no que vai dar... 

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Pra ter uma idéia de em que esse mesquitense se meteu, vai um vídeo com a matéria do evento no SPTV e o próprio Adilson Comentando sua participação. (links abaixo)


http://g1.globo.com/videos/sao-paulo/bom-dia-sp/v/expo-samba-tem-homenagem-a-nelson-cavaquinho/1791256/





sábado, 4 de fevereiro de 2012

Dois heróis e dois caminhos: Rui Barbosa defende João Cândido no Senado Federal

A Revolta da Chibata no discurso de Rui Barbosa



Escritor, Diplomata, Jornalista, Jurista, Advogado, Rui Barbosa que nasceu na Bahia em 5 de novembro de 1849, no auge da escravidão e um ano antes da Lei Euzébio de Queiróz, conheceu bem de perto   os efeitos da discriminação e se posicionava politicamente quanto aos direitos civis, inclusive compondo a primeira comissão brasileira à Convenção de Haia em 1907 na condição de Vice-chefe. Pouco conhecimento existia por parte da sociedade da época quanto as condições de trabalho das praças de baixo escalão, sobretudo no  que diz respeito aos marinheiros, que em sua esmagadora maioria era analfabeta e filhos de ex- escravos. No entanto, a Marinha do Brasil também propiciou sem saber, um intercâmbio que se tornou fundamental para o entendimento de quais seriam os anseios e necessidades básicas da Marinha de Guerra em outros países. Rui Barbosa então deparou-se com uma grande oportunidade de debater e fazer alavancar no Brasil as primeiras e efetivas mudanças estruturantes para minimizar ao menos no campo da legalidade a discriminação de cor, a partir do Legislativo.


A voz do povo: Revolução ou golpe de Estado
A República ainda era jovem aos olhos do povo. Muitos dos defensores do novo sistema estiveram muito próximos da corte, à exemplo do próprio Rio Barbosa que chegou a ser oficialmente um Conselheiro do Império. Por outro lado, era já uma prática política muito comum a atuação de militares na política. Particularmente no ano de 1909 uma acirrada campanha eleitoral dividia as opiniões entre militares e “civilistas”, como eram chamados os militantes que pregavam o afastamento daquela classe do jogo político. No entanto foi o Marechal Hermes da Fonseca o eleito, sendo o Senador Rui Barbosa derrotado, tornado-se então o líder principal da oposição. Uma coincidência interessante é que o fato ocorreu na mesma data em que o Marechal Deodoro da Fonseca, Tio do Presidente Recém eleito, foi deposto, dando lugar a Floriano Peixoto, também militar. Nas ruas ouvia-se rumores constantes, sobretudo no que se refere a direitos civis a avanços no campo social que garantisse melhores condições de vida para a população. Por outro lado, as oligarquias zelavam pela manutenção de privilégios a acesso ao poder e Rui Barbosa de origem nordestino era então um grande defensor de mudanças estruturantes na sociedade da época. no dia seguinte ao  evento em que os amotinados marujos tomaram o Minas Gerais, os jornais estampavam manchetes como Revolução no Rio, entendendo que uma iniciativa de tal envergadura somente se justificaria em caso de golpe de Estado e por elementos tomados por interesses ligados ao poder central, por conta da ameaça ao Palácio do Governo com o uso de tão potente máquina de guerra.   Um periódico paulista chamado A Ilustração Brasileira compara a motivação e ação dos amotinados com fatos supostamente similares ocorridos na Europa:
Na são até freqüentes as greves militares baseadas na queixa de má qualidade das rações; em França, ainda há pouco tempo a marinhagem de uma divisão de couraçados aproveitou a visita do presidente da República para reclamarem contra o descuido na alimentação das guarnições. Mas no nosso caso o levante não se limitou a recusa de serviço e gritos subversivos; houve ameaça brutal de guerra, de agressão feroz, houve o aprisionamento de nossos melhores vasos de guerra, assassinato de oficiais e – o que é mais – um alarde censurável de forças, humilhar todas as autoridades constituídas e portanto a própria nação.
É fato que era uma afronta à oficialidade da Marinha de Guerra que os dois navios mais poderosos da América Latina fossem dominados por um contingente de marujos analfabetos, rudes e – ao que pensavam eles – despreparados. No entanto não era essa a realidade a bordo do São Paulo e do Minas Gerais.



Castigos na forma da Lei

Os castigos físico impostos a praças eram uma forma a mais de  punir um marujo infrator. João Cândido que já estava a mais de dez anos na marinha, foi rebaixado de cabo à soldado de primeira classe por levar à bordo um baralho de cartas. É claro que o nível de desordem e insubordinação era grande. Uma jornada de trabalho longa e insalubre, com baixos salários e pouquíssimas  possibilidades de ascensão fazia da vida nos navios uma tarefa extremamente dura. Rui Barbosa em seu discurso no dia 23 de novembro de 1910 esclarece.
Navios construídos para 900 homens de tripulação, não podem ser guarnecidos, asseados e conservados  por 300 marinheiros. Qualquer de nós pode avaliar a imensidade, a enormidade da carga posta  sobre os ombros dessas criaturas por uma diferença tamanha entre os serviços que lhe impõem e as forças de que elas podem dispor.
Um Regulamento Disciplinar que era utilizado desde o Século XVIII foi modificado a partir da República. Antes disso as chibatadas eram lugar comum na Marinha do Brasil, sendo reduzidas a no máximo vinte e cinco em cada ato infracionário. no entanto acrescentava-se  reclusão à punição imposta. Além do pedido do fim dos c astigos físicos, sobretudo o castigo da chibata, os marujos um pouco mais esclarecidos pediam um acesso à educação além da questão do soldo, haja visto que era impossível a aceitação da reivindicação que antecedeu a todas as outras, que era o afastamento dos oficiais que se excediam nesse tipo de punição. Com a chegada dos “vasos de guerra” Minas Gerais e São Paulo, a carga de trabalho e de responsabilidades se multiplicou com ele as inevitáveis punições. O oficial médico Raja Gabaglia relata ao Senador Rui Barbosa o que viu em uma de suas visitas a uma marujo convalescente:
Tão generalizado está o deprimente hábito que comandantes de merecimento não se envergonham  de anotar nos livros de castigo sinais convencionais a fim de – impunemente – iludir a lei; por exemplo, onde se lê quatro horas de golinha ou seis horas de barra, aplica-se um número de chibatadas (...) presenciei o castigo de um foguista com oitocentas chibatadas de uma só vez. Sei que aprendiz marinheiro tem sido castigado com 125 bolos de uma só feita; é banal a aplicação de três penas pelo mesmo delito.
Tais punições eram de total desconhecimento da população geral que aceitaram facilmente a motivação atribuída à insurreição injusta e descabida, haja visto que a nobre Marinha de Guerra era um dos maiores motivos de orgulho para a Nação Brasileira, onde só os mais capazes e inteligentes teriam condições de exercer alguma atitude de comando e controle.


A marujada no comando

Segundo o jornal O Paiz de 23 de novembro de 1910, O Almirante Batista das Neves retorna ao Minas Gerais por volta das 22h de um banquete  oferecida pelo capitão de mar e guerra De La Croix, comandante de uma fragata francesa. Encontrou ali uma “incontrolável balburdia” pós a punição de duzentas chibatadas no marinheiro Marcelino Rodrigues. Os demais marinheiros atiravam objetos e peças de navio nos oficiais. Nesse confronto, tombaram o Almirante, comandante do Minas Gerais e mais dois oficiais. Envolveram-se o encouraçado Deodoro e o cruzador Bahia, onde morreu o capitão-Tenente Mário Alves de Sousa. No São Paulo, um outro oficial. Rapidamente os amotinados tomaram o navio e isso foi fruto de uma inteligente articulação. É um engano acreditar que ali estavam apenas marujos analfabetos e incompetentes. Cabe observar que aquela marujada esteve na Inglaterra, onde acompanhou os últimos ajustes do Minas e do São Paulo, conduzindo-os ao Brasil após aprender as funções e usos de todas as capacidades mecânicas dessas máquinas de guerra, claro que por conta da manutenção dos mesmos. Soma-se a isso o fato  de que, entre esses marinheiros encontrava-se  Francisco Dias Martins, o Mão Negra que foi fundador de uma associação literária. Em carta entregue à oficialidade do Minas, ele escreveu: lembrem-se da esquadra russa! Referindo-se a tripulação do navio encouraçado Potemkim, no ano de 1905, onde os marujos tomaram os navio exigindo melhores condições de trabalho, alimentação e salário. Diversos encontros secretos foram realizados, preparando a ação. Algumas inclusive durante a estada na Inglaterra, onde a vigilância era menos intensa. As reivindicações dos marinheiros eram as seguintes: afastamento dos oficiais considerados incompetentes e, segundo a carta entregue ao Presidente Hermes da Fonseca, incompatíveis com o perfil de um oficial da Marinha brasileira. Além disso pediam mudanças no Código Penal e Disciplinar da Armada, de modo a extinguir o uso de castigos físicos. Almento do soldo, escala de serviço, diminuindo a estafante carga de trabalho e garantia de acesso à educação para os marujos eram as reivindicações encaminhadas ao Chefe do Executivo e corroboradas no Senado, sobretudo por Rui Barbosa em discurso aos seus colegas de Lelgislativo.

Um Senador na luta pela anistia

O Senador Rui Barbosa, três dias depois a tomada dos navios de guerra, faz mais um pronunciamento em plenário, justificando o pedido de anistia dos marinheiros
No programa com que me apresentei na luta eleitoral, na última eleição de Presidente da República, reclamava eu, Sr. Presidente, para o marinheiro e para o soldado, o aumento do soldo e a extinção dos castigos servis, a que o marinheiro e o soldado continuavam no exército e na marinha(...) Estou persuadido intimamente de que a grande parte, AM maior parte, dos males sociais pelos quais ainda pena-se no Brasil, se deve à influência moral da escravidão, há tantos anos entre nós extinta.
João Cândido, considerado almirante da esquadra revoltosa, coloca exatamente a anistia dos amotinados como necessidade fundamental. Ciente de tomar um caminho sem volta em prol do dos castigos físicos, teve na ação eficaz de Rui Barbosa junto ao Legislativo, um fundamental apoio sob o ponto de vista da legalidade, para além das meras palavras do Ministério da Marinha, ambos conhecimento do perfil conservador e agressivo da oficialidade brasileira.
O Senador, na defesa de seu ponto de vista, traz á tona o que é a sociedade da época. uma nova e ainda inacabada pintura de país, separando pela cor da pele um cidadão do outro. É claro que a luta política também era, para além das forças armadas, um rincão  de dominação para além do poder. As oligarquias, os grandes produtores rurais ainda estavam aí, espalhados pelo Brasil local, com sua cultura de ocupação de espaço. Negar o subordinado com capacidade de assimilação e liderança também era um mecanismo de poder muito claro para Rui Barbosa, que acompanhava bem de perto a vida da Nação, consciente da linguagem necessária para dialogar com as bases da sociedade, sem necessariamente, estar em tempo real no controle do sotaque do povo. Todavia, por sua longa jornada, sabedor de que o mundo demandava um estado mínimo de cidadania, ainda distante do Brasil que amava.

A REVOLTA da marinhagem. São Paulo. São Paulo, n.1779, 30 nov. 1910. p.2. B (APESP)
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Referências:
Obras Completas de Rui Barbosa - Discursos Parlamentares - Senado Federal Vol 37 tomo III - 1910
João Cândido e a Chama da Liberdade - NASCIMENTO, Alvaro Pereira do - CEAP, 2010
Jornal O Paiz - 23 de novembro de 1910, Rio de Janeiro
Senado Federal - Portal Publico
Arquivo Geral do Estado de São Paulo - Acervo digital 
 Iconografias: Periódico A Ilustração Brasileira - 01 dezembro de 1910